Constituição de milícia privada (art. 288-A do CP)
Tipo legal
O crime de constituição de milícia privada está tipificado no art.
288-A: “Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização
paramilitar, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer
dos crimes previstos neste Código. Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8
(oito) anos.”
Tal crime foi introduzido pela Lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012,
e pelo seu conteúdo amplo, tratou-se em algumas condutas de uma
verdadeira novatio legis incriminadora, sendo mais abrangente
que o crime de bando ou quadrilha (art. 288, do CP). Ratifica uma
tendência de só criminalizar a conduta (não mais surgindo a contravenção
penal) e de direcionar para crime de reclusão (crime mais grave). Porém
sempre inserindo norma que evita o cárcere: pena mínima de quatro anos
que permite o regime aberto e a substituição por duas penas restritivas
de direito ou uma pena restritiva de direito e multa.
Embora a ementa da Lei nº 12.720/2012 mencione sobre o “crime de
extermínio de seres humanos”, a lei na verdade, procurou apenar com
maior rigor o homicídio doloso e a lesão dolosa praticada por grupo de
extermínio ou milícia privada ou ainda criar um tipo de associação
criminosa formada por organização paramilitar, milícia particular, grupo
ou esquadrão. Não há por exemplo qualquer alteração sobre o crime de
genocídio previsto na Lei nº 2.889/1956. Daí que existe impropriedade na
ementa ao mencionar crime de extermínio.
Objetividade jurídica
A paz pública. O crime é formal e de perigo abstrato. Não exige a lei que se evidencie o perigo, de forma a presumi-lo.
Sujeitos do delito
Sujeito ativo: qualquer pessoa. Trata-se de crime plurissubjetivo.
Questão que se põe é a quantidade de pessoas dessa organização
criminosa, pode-se utilizar por analogia, a quantidade prevista no art.
35 da Lei de Drogas: duas pessoas. Entendendo que seriam quatro pela
utilização do art. 288: Marcelo Rodrigues da Silva, Extermínio de seres humanos: Lei nº 12.720/2012. Também Rogério Sanches, Comentários à Lei nº 12.270, de 27 de setembro de 2012. Sujeito passivo: a coletividade (sociedade colocada em risco), tratando-se de crime vago.
Tipo objetivo
O tipo penal é alternativo: existem várias condutas, mas praticando mais
de uma, responde por um só crime. A lei fala primeiro em “constituir”
que significa fundar, auxiliar na criação. Em segundo lugar, menciona o
tipo o verbo “organizar” que significa estruturar, dar viabilidade. Não
se confundem os dois termos. É possível não participar da fundação da
organização, mas atuar na organização posterior da mesma.
O tipo penal também fala em “integrar” a organização que consiste
simplesmente em fazer parte da organização. Finalmente o tipo fala em
“manter” ou “custear” a organização. O verbo “manter” significa
conservar ao passo que “custear” significa manter financeiramente a
organização. Pode ser que um agente sozinho faça esse custeio, sem que
por exemplo, participe de qualquer reunião ou existe a possibilidade dos
agentes dividirem as despesas.
Tipo de organização. Os verbos acima retratados incidem sobre as seguintes organizações:
1) Organização paramilitar. Paramilitar é aquela que “caminha ao lado”
da militar, em situação ilegal. Possui a estrutura da organização
militar, sem ser militar. Assemelha-se à estrututura militar, podendo
haver hierarquia, armamento, planejamento de ataque etc.
2) Milícia particular. Milícia significa batalhão, polícia. A milícia
particular se refere a um grupo menor de agentes criminosos que se
reúnem inicialmente para fornecer “segurança” (vulgarmente conhecido
como “bico”) e depois passa a extorquir uma determinada população. Em
alguns casos pode por exemplo, ser formada por policiais militares, como
no caso do Estado do Rio de Janeiro. Existe uma semelhança grande entre
as expressões organização paramilitar e milícia particular.
3) Grupo. É o conceito mais genérico do art. 288-A, referindo apenas à união ou conjunto de pessoas.
O art. 121, § 6º fornece o exemplo, falando em grupo de extermínio, ou seja, aquele destinado a ceifar a vida das pessoas.
4) Esquadrão. No conceito militar refere-se a uma unidade da cavalaria,
do exército blindado etc. O termo se vincula a uma reunião de pessoas
quantitativamente maior que o grupo. O esquadrão pode ser exemplificado
na organização criminosa formada no interior dos estabelecimentos
penitenciários ou em São Paulo, com o chamado “esquadrão da morte”.
Diferença com o concurso de agentes
No concurso, a associação é momentânea. Na constituição de milícia
privada, a associação é estável e permanente para a prática dos crimes.
Estabilidade ou permanência: não basta a simples associação momentânea,
exige-se a estabilidade ou permanência (exemplo de prova: certidões com
crimes de roubo, nas quais se encontram as mesmas pessoas). A palavra
estabilidade
quer dizer a mesma coisa que permanência: constância, solidez. Trata-se
do caráter duradouro e permanente (STJ, APn 514-PR, Rel. Min. Luiz Fux,
j. 16/6/2010). No sentido de exigir essa estabilidade e permanência:
Rogério Sanches Cunha,
Comentários a Lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012.
Tipo subjetivo
O dolo, consistente na vontade do agente criminoso em constituir,
organizar, integrar, manter ou custear a organização criminosa. A
motivação é irrelevante. Elemento (adicional) subjetivo: “para o fim de
praticar qualquer dos crimes previstos” no Código. Devem estar os crimes
inseridos no Código Penal, excluindo os delitos previstos na legislação
penal especial. É possível que na legislação penal especial, além do
crime específico, o agente se associe com três ou mais pessoas,
respondeo também pelo delito do art. 288 do Código Penal.
Os crimes objetivados podem ser da mesma espécie ou não. O tipo fala em
“crimes”, portanto, se a quadrilha objetivar cometer uma contravenção ou
ilícito administrativo, o fato é atípico (Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte especial, v. 4, p. 283). Também é atípica a conduta de objetivar praticar crimes culposos ou preterdolosos.
Consumação
Tratando-se de crime formal, consuma-se com a simples prática dos verbos
(“convergência de vontades”), não sendo necessário que se efetivem os
crimes. Assim, consuma-se o delito aquele que almejava uma agência e
uma lotérica e antes do assalto, o bando é flagrado com ferramentas
(STJ, 6ª Turma).
A efetiva associação deve ser demonstrada por elementos sensíveis,
demonstrando a convergência de vontades. Pode haver também consumação
naquele que ingressa em organização já formada.
No delito de “constituir”, o agente só responde portanto depois de algum
tempo juridicamente relevante. Se participou da constituição, mas a
organização não se prolongou minimamente, o fato é atípico eis que a
tentativa não é punida. Responde nesse caso, se participou da
constituição, a organização se manteve, mas depois o agente deixa tal
organização. Isso porque o abandono posterior da organização não
configura desistência voluntária, porquanto o crime já estava consumado.
Existe assim, uma necessidade de dupla tipicidade. Basta a prática de um
dos verbos, mas exige-se uma mínima consolidação da organização
criminosa. Assim, como acima se mencionou permanece a exigência do art.
288 sobre a estabilidade e permanência. Todavia, no caso do verbo
“manter”, exige-se uma conduta que efetivamente auxilie a organização.
Se ajudou uma única vez, não estaria “mantendo”, exigindo-se uma
reiteração de condutas. Anota-se contudo, que o agente criminoso pode
acabar se amoldando em outro verbo.
A tentativa não existe, vez que a lei tornou o ato preparatório (não
punível normalmente) em crime. Dessa forma, ou houve efetiva
constituição por exemplo da milícia privada, ou não se pune o delito.
É crime permanente, permitindo a prisão em flagrante.
Por Valter Kenji Hishida, Promotor de Justiça em São Paulo, Doutor e Mestre em Direito pela PUCSP. e sua tipificação