A Polícia Judiciária é um corpo de polícia criminal
auxiliar da administração da justiça, organizado
hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça - Polícia
Federal, e dos secretários da segurança dos Estados-membros -
Polícias Civis, fiscalizadas todas nos termos da lei.
Tem a Polícia Judiciária a função
constitucional de apurar as infrações penais e a sua autoria por
meio do inquérito policial, procedimento administrativo com
característica inquisitiva, que serve, em regra, de base à
pretensão punitiva do Estado formulada pelo Ministério Público,
titular da ação penal pública, segundo preceito do art. 129, I,
da CF.
Assim, a Constituição Federal em seu artigo
144 determina quais os órgãos que exercerão a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Art. 144
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Leciona De Plácido e Silva quanto às atribuições da polícia judiciária:
Denominação dada ao órgão policial, a que se comete a missão de averiguar a respeito dos fatos delituosos ocorridos ou das contravenções verificadas, a fim de que sejam os respectivos delinqüentes ou contraventores punidos por seus delitos ou por suas infrações. (...) procura, pela investigação dos fatos criminosos ou contravencionais, recolher as provas que os demonstram, descobrir os autores deles, entregando-os às autoridades judiciárias, para que cumpram a lei. [02]
Analisemos ainda a Constituição
Federal [03]. Vejamos:
Art. 5º, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
Consagrado na Constituição Federal, o princípio da legalidade, como o próprio nome sugere, diz respeito à obediência às leis, expresso como determinação legal de observação obrigatória. Assim, podemos concluir que a administração pública possui limites, que não está livre para fazer ou deixar de fazer algo de acordo com a vontade do administrador, devendo obedecer a lei em toda a sua atuação.
Segundo ensinamentos do nobre jurista Hely
Lopes Meirelles:
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa "pode fazer assim", para o administrador público significa "deve fazer assim". [04]
Maria Sylvia Zanella di Pietro:
Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe.(...) Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei. [05]
Diante do esposado, a custódia de presos pela
Polícia Judiciária está travestida em patente
inconstitucionalidade. O ato de custodiar presos nas instalações
das Policias Judiciárias não encontra respaldo legal no
ordenamento jurídico conglobado, além de ferir flagrantemente a
Carta Magna.
Eis jurisprudência que corrobora com o nosso
posicionamento:
Se a conduta do paciente não é prevista em lei como infratora (já que não é dever do agente de polícia civil a custódia de presos), o ato punitivo não contém motivação válida para embasá-lo. E motivação falsa (ou inválida) é o mesmo que ausência de motivação, caracterizando ilegalidade a ser corrigida pelo writ constitucional. [06]
É
público, notório e comum – sem ser normal, legal e exemplar –
a utilização de Delegacias de Polícia para ‘guarda’ de presos
provisórios e condenados definitivamente pela Justiça, em nosso
Estado. Delegacia
de Polícia não é cadeia pública. Delegacia
de Polícia não é Penitenciária. Delegacia de Polícia não é
Casa de Albergado, nem Colônia Agrícola ou Industrial. Delegacia
de Polícia é a sede da Polícia Judiciária, encarregada da
atividade investigativa. [07]
No
mesmo sentido sinaliza o Superior Tribunal de Justiça, vejamos:
Por outro lado, se a conduta do paciente não é prevista em lei como infratora (já que não é dever do agente de polícia civil a custódia de preso), o ato punitivo não contém motivação válida para embasá-lo. E motivação falsa (ou inválida) é o mesmo que ausência de motivação. [08]
Ainda, o Des. Hamilton Carli, do TJMS, aduz
que a função administrativa se subordina à legislativa não
apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à
Administração, mas também porque esta somente pode fazer aquilo
que a lei antecipadamente autoriza. Como não há lei atribuindo a
custódia de presos à polícia civil, ela não pode ser obrigada a
tanto, uma vez que preceitos restritivos de direito se interpretam
restritivamente. [09]
Em
2008, a parlamentar, deputada Marina Maggessi, ingressou com projeto
de lei proibindo a utilização das dependências da Polícia Civil
(judiciária) para custodiar presos. Assim, após sua aprovação,
esta inconstitucionalidade estará por sanada.
Eis
o PL [10]:
PROJETO DE LEI N º4051/2008 (Da Sra. Dep. Marina Maggessi)
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º O Art. 82 da Lei nº 7.210, de 11 de junho de 1984, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:
Art. 82 § 3º Fica vedado o uso das dependências da Polícia Civil para custodiar os presos referidos no caput deste artigo, mesmo que a prisão se dê em caráter temporário.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Segundo
a parlamentar, embora a lei de execuções penais estabelecer em seu
texto quais os estabelecimentos penais destinados à custódia de
presos, a Polícia Civil vem, full
time,
fazendo as vezes de estabelecimento carcerário. Assim, destarte, o
princípio constitucional da legalidade está sendo ceifado, pois,
qualquer função estranha às dispostas no texto constitucional não
poderia enquadrar-se dentre as atribuições dos policiais civis.
Apesar de ser clara a interpretação de que
não cabe o desempenho de funções que não lhe sejam atribuídas,
em obediência ao princípio constitucional da legalidade,
cumpre-nos estabelecer a referida vedação em instrumento legal,
pela gravidade do número de casos que a Polícia Civil vem tendo
que custodiar. No intuito de corrigir essa grave distorção,
apresentamos este projeto de lei, que, embora estabeleça vedação
implicitamente contemplada pelo texto constitucional e por meio do
princípio da legalidade, apresenta-se necessário e oportuno, por
não vir sendo devidamente aplicada. [11]
O Ministério Publico do RN, (re)presentado
pelo promotor de justiça criminal Wendell Beethoven, reitera nosso
posicionamento enfatizando que nenhum policial está obrigado a
fazer o que não está previsto em lei, ajuizando ação civil
pública que foi julgada pela 4ª Vara da Fazenda Pública,
determinando que qualquer agente de polícia pode se recusar a
trabalhar como agente carcerário ou qualquer outro tipo de serviço
que não esteja em suas atribuições.
Destarte, fica claramente evidenciada a
patente inconstitucionalidade da prática da Polícia Judiciária em
custodiar presos, mesmo porque se trata de atribuição não
prevista em lei, o que flagrantemente não coaduna ao quanto
preceituado na Lei Magna.
José Ricardo Chagas
Criminalista. Doutorando em Ciências Sociais e
Jurídicas pela Universidad del Museo Social Argentino. Especialista
em Ciências Criminais pela Uniahna. Especialista em Polícia
Comunitária pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Bacharel em
Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz.
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