A lei que regulamenta as interceptações (Lei 9.296/1996) diz especificamente que, quando o pedido de escuta é deferido, quem o conduzirá será a Polícia, podendo o MP fiscalizar a atividade. Diz o parágrafo 6º da Lei 9.296/1996: “A autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização”.
No entanto, para Fabiano Augusto Martins Silveira, membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a lei prevê apenas a “hipótese geral”, mas não diz como se dá a atuação do órgão em “hipótese excepcional”, que, segundo ele, é quando o MP deve investigar. Nas hipóteses em que o órgão pode colher informações, diz Silveira, “pode se valer de todos os recursos ao seu alcance, como busca e apreensão, escuta ambiental e interceptação”.
Para fazer essa distinção entre as hipóteses “geral” e “excepcional”, o conselheiro cita a tentativa de consenso feita pelo Ministério da Justiça sobre a PEC 37. “Esse grupo criado pelo Ministério da Justiça chegou a alguns consensos. Um é que a Polícia investiga ordinariamente, e o MP, extraordinariamente”. Os planos de consenso do grupo, porém, foram por água abaixo depois que a pauta da PEC 37 foi encampada por parte das mobilizações populares que tomaram as ruas do país em junho deste ano.
O secretário da Reforma do Judiciário, Flávio Crocce Caetano (foto), explica que tanto a Polícia quanto o Ministério Público estavam cedendo em vários pontos relativos aos poderes de investigação, para que fosse possível aprovar a PEC com mudanças em seu texto. Mas quando as população começou a fazer pressão pela rejeição da PEC 37, o MP voltou atrás, pois viu que teria força para derrubar o projeto inteiro, sem ceder nada, conta o secretário.
Se a lei, segundo o conselheiro Fabiano, não fala nos casos excepcionais, a previsão de como atuar nesses momentos foi feita pelo próprio CNMP, na Resolução 36. A norma afirma que o pedido para interceptação deve trazer “os nomes dos membros do Ministério Público, também responsáveis pela investigação criminal, e dos servidores que terão acesso às informações”. A resolução deixa de lado a autoridade policial, exigida pela Lei 9.296/1996 e pela Resolução 59 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta a autorização para interceptações.
Para o conselheiro, não há conflito entre a resolução do CNMP e a resolução do CNJ, nem com a lei. A questão, diz ele, é que o CNMP foi o único que tratou das investigações extraordinárias.
O criminalista Fábio Tofic Simantob discorda. Para ele, não há hipótese para que uma norma criada pelo CNMP se sobreponha à lei. “Podem argumentar que tribunais reconhecem o poder do MP de investigar, mas isso não dá direito ao órgão de fazer todos os atos da investigação”, explica. O indiciamento é um dos exemplos de atividade exclusiva da Polícia citados por Tofic. Os grampos telefônicos ou telemáticos (mensagens de e-mail) seguem o mesmo raciocínio. “Caso contrário, bastaria ao CNMP baixar uma resolução para o Ministério Público começar a indiciar”, diz.
O presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Augusto de Arruda Botelho, também é contrário às interceptações pelo MP. “Ainda mais em casos como os de monitoração de interceptação telefônica, [que são] absolutamente invasivos e excepcionais”. Segundo ele, as escutas autorizadas pelo Judiciário, a serem feitas pela Polícia, podem sim ser acompanhadas pelo MP, que tem esse dever e direito. “Mas o órgão não pode isoladamente e monopolisticamente cuidar dessas provas”, pontua.
A jurisprudência sobre a questão ainda está em disputa, mas em recente entrevista ao portal IG, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, também se colocou contrário às escutas feitas unicamente pelo MP. "O Ministério Público não pode fazer escutas", sentenciou o desembargador. Para ele, a derrubada da PEC 37 se deu pelo marketing feito pelo órgão sobre o tema.
Sobre o autor
Marcos de Vasconcellos, chefe de redação da revista Consultor Jurídico
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