segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A banalização das funções do Delegado de Polícia.

O número de policiais é risível diante da demanda que se apresenta; Muitos municípios não possuem sequer um único representante da polícia judiciária civil, o que permite que espaços de poder originariamente pertencentes à polícia civil, passem a ser exercidos e ocupados por outras instituições, v.g Polícia Militar e Ministério Público.
Como todos sabem, ad hoc é uma expressão latina cuja tradução literal é "para isto" ou "para esta finalidade". É usualmente empregada sobretudo em contexto jurídico, também no sentido de "para um fim específico". Exemplo: um advogado "ad hoc" (nomeado apenas para um determinado ato jurídico).
Não nos parece raro encontrar delegacias de polícia sendo chefiadas por “delegados ad-hoc (sic) em flagrante violação do disposto no artigo 144, § 4º, da CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.”.
Não vou entrar na discussão pueril e bizantina acerca da competência deste ou daquele profissional para chefiar uma delegacia, o ponto que se apresenta nevrálgico é o imperativo legal que atribui ao Delegado de Polícia a chefia da respectiva unidade policial, mandamento constitucional que tem sido desrespeitado pelas autoridades estatais.
Tenho por convicação que correto estava um amigo quando afirmou que tudo caminharia bem nos céus e na terra se o ditado milenar elaborado pelos "monges nativos das longíquas montanhas do norte tibetano" fosse obedecido, tal mandamento vaticinava: chaque singe sur sa branche! o que posteriormente me foi traduzido por um tabaréu como: "cada macaco no seu galho".
Poucos meses após assumir a delegacia da cidade para qual designado, recebi uma carta precatória a qual continha termos de interrogatório, declarações, além de outras peças instruindo-a. Naquela oportunidade me era solicitado o cumprimento de uma diligência no sentido de localizar, intimar e interrogar determinada pessoa.
Após alguns instantes, qual não foi a minha surpresa em perceber que, sob o carimbo de autoridade policial, repousava a assinatura de um sargento da polícia militar (sic).
Não ignoro a boa vontade e a força ignota do miliciano, malgrado as limitações naturais de quem não fora preparado para desempenar tal função, também não irei tecer comentários acerca das atribuições constitucionais de uma e outra instituição.
Como forma de se manter a ordem natural e impedir que as vicissitudes no caso sub examine se tornassem insuportavelmente prejudiciais, recusei dar o cumprimento desejado e solicitei que os autos fossem chancelados por um delegado.
Não compreendo e não aceito a figura do “delegado ad-hoc”. O delegado de polícia é o profissional bacharel em direito, o qual após aprovado em concurso de provas e títulos (na maioria dos Estados da Federação) é nomeado a fim de exercer o seu trabalho.
As implicações de tal usurpação de função pública são incomensuráveis, vão desde flagrante desvalorização do trabalho desempenhado pelo delegado de carreira à falsa e errônea sensação de prescindibilidade da presença de tal profissional.
Quantas vezes não ouvi pessoas se referirem a outros profissionais da segurança como “delegados”, quando em verdade se tratava de soldados, sargentos, tenentes, investigadores e escrivães!?. Alguém conhece um juiz ou promotor ad-hoc? Não, certamente que não, ou a comarca tem um JUIZ ou acéfala estará, mas placebos não são admitidos na judicatura, independentemente dos princípios que a regem v.g indelegabilidade e investidura.
A título de ilustração, no ano de dois mil e oito (2008) no Estado do Rio Grande do Norte, uma decisão do juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública, Luiz Alberto Dantas, determinou a exoneração imediata dos policiais militares das delegacias e uma multa diária ao Estado pelo descumprimento da sentença. Posteriormente o decisum foi ratificado pelo Tribunal de Justiça-RN, quando então o Delegado Geral da PC-RN assinou as portarias exonerando os militares das chefias das delegacias e remanejando delegados para assumirem as respectivas unidades policiais.
Ainda quanto a decisões judiciais determinando o afastamento de militares da chefia de delegacias, trazemos à lume decisão do Pretório Excelso:
ADI N. 2.427-PR

RELATOR: MIN. EROS GRAU

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS N. 10.704/94 E N. 10.818/94 DO ESTADO DO PARANÁ. CRIAÇÃO DE CARGOS COMISSADOS DE “SUPLENTES DE DELEGADOS”, POSTERIORMENTE DENOMINADOS ASSISTENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA. ATRIBUIÇÃO DAS FUNÇÕES DE DELEGADO DE POLÍCIA A ASSISTENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1. A Lei n. 10.704/94, que cria cargos comissionados de Suplentes de Delegados, e a Lei n. 10.818/94, que apenas altera a denominação desses cargos, designando-os “Assistentes de Segurança Pública”, atribuem as funções de delegado a pessoas estranhas à carreira de Delegado de Polícia.
 
2. Este Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade da designação de estranhos à carreira para o exercício da função de Delegado de Polícia, em razão de afronta ao disposto no artigo 144, § 4º, da Constituição do Brasil. Precedentes.
3. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada totalmente procedente.

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DECRETO N. 1.557/2003 DO ESTADO DO PARANÁ, QUE ATRIBUI A SUBTENENTES OU SARGENTOS COMBATENTES O  TENDIMENTO NAS DELEGACIAS DE POLÍCIA, NOS MUNICÍPIOS QUE NÃO DISPÕEM DE SERVIDOR DE CARREIRA PARA O DESEMPENHO DAS FUNÇÕES DE DELEGADO DE POLÍCIA. DESVIO DE FUNÇÃO. OFENSA AO ART. 144, CAPUT, INC. IV E V E §§ 4º E 5º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE."
Ministro Eros Grau- Relator -Ementa
CONSTITUCIONAL. LEIS DO ESTADO DO PARANÁ. CRIAM CARGOS EM COMISSÃO DE ASSISTENTE DE SEGURANÇA PÚBLICA QUE EXERCERIAM ATRIBUIÇÕES TÍPICAS DE CARGO DE CARREIRA – DELEGADO -, DE PROVIMENTO EFETIVO, NA ESTRUTURA DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, CUJA INVESTIDURA REQUER A APROVAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO AO ART. 37, II DA C.F. LEIS DE 1994. AUSENTE UM DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA LIMIAR. PORÉM, AS RAZÕES DE CONVENIÊNCIA E A PLAUSIBILIDADE JURÍDICA, APESAR DO TEMPO DECORRIDO, JUSTIFICAM SEJA A MESMA CONCEDIDA PARA A PRESERVAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA.
     LIMINAR DEFERIDA.
3.      Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada totalmente procedente.
No Maranhão e no “piancó”, não temos notícia de iniciativa semelhante.

Por: Márcio Dominici – Delegado de Polícia, Vice Presidente para região sul da Adepol.

5 comentários:

  1. Após 22 anos de nossa atual Constituição, a qual instituiu o concurso público para o provimento de cargos públicos, ainda nos deparamos com a situação explanada no texto em tela .
    São mais de duas décadas de cabal afronta à carta magna e não apenas em relação ao cargo de Delegado de Polícia, tendo-se o mesmo em relação a Defensores Públicos, porém, no que tange a estes, tem-se, pelo menos, a atenuante – ainda que não se possa pensar em atenuantes a violações de preceitos constitucionais – de serem nomeados advogados teoricamente capacitados para o desempenho da função. Em relação aos Delegados de Polícia a situação é pior na perspectiva de que sequer bacharéis em direito fazem suas vezes.
    Em algumas cidades do MA soldados da Polícia Militar tentam desempenhar as funções de Autoridades Policiais, sem qualquer qualificação para tanto e assim o fazem porque são designados pelo próprio Poder Executivo, através de teratológicos atos administrativos, pelos quais a própria administração faz as vezes de legislador e até mesmo de constituinte , devassando os princípios constitucionais da tripartição de poderes, legalidade, moralidade e impessoalidade.
    Penso que em relação à classe dos Defensores os pensamentos de expurgação dessa afronta constitucional são mais freqüentes, sugerindo nesse passo, a leitura do que segue: http://jus.uol.com.br/revista/texto/12996/inconstitucionalidade-dos-meios-alternativos-a-defensoria-publica .
    Destarte, parabenizo o DPC Marcio Dominicci pela excelente e bem apropriada explanação e pela vanguarda do levantamento desse tema na Polícia Civil do MA.

    Renato Barbosa Fernandes de Sousa
    DPC-MA

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  2. José Raimundo Batalha Jardim - Delegado de Polícia Civilsegunda-feira, novembro 22, 2010

    Caro Dominici,
    Parabenizo-o pela beleza literária do texto mas cumprimento-o fundamentalmente pela oportunidade de sua abordagem. Pela segunda vez neste blog lembro que quando fui convidado a compor a chapa para diretoria da ADEPOL, encabeçada pelo colega Jerferson Portela, após aceitar o convite de pronto li as propostas da chapa e apresentei algumas sugestões, dentre elas, a de que fosse buscado os meios legais possíveis para se combater a prática de outrem alheios aos quadros do cargo de Delegado "responder pelo expediente" que é a forma dissimulada como aqui no Maranhão se chamam os tais "delegados 'ad hoc'" nomeclatura que também adotei na aludida sugestão/emenda.
    Penso que tal prática ocorre no MA, fundamentalmente em decorrência de três fatores:

    1º - Uma flagrante CONVENIÊNCIA E CONIVÊNCIA do Ministério Público, que se mostra tão voraz (com justiça neste ponto, diga-se) em combater erros, abusos e ILEGALIDADES cometidos pela polícia, mas se mostra leniente com ESSE TIPO DE ILEGALIDADE. Ai está, pois, a parte que toca à "conivência com a ilegalidade" que não é pequena, mas sim flagrante, como dito acima, na medida que parte de quem tem a prerrogativa constitucional de ser o fiscal da lei. A conveniência diz respeito ao fato de que o mesmo MP, faz VISTA GROSSA a esses erros porque, no mais das vezes ele ocorre em pequenas cidades, sedes ou termos de comarcas de entrância inicial. Nelas o promotor precisa mostrar serviço, prestar contas com a administração superior do MPE, basicamente através de estatísticas, etc, etc porque lá no MPE, isso conta para a progressão e no começo da carreira normalmente os promotores estão sedentos para ir para um lugar melhorzinho entre tantas cidades abandonadas pelo poder público municipal. Logo, por essa ótica, "antes alguém que ninguém" para fazer alguma coisa para eles compor suas estatísticas de denúncias mandadas à justiça, pareceres, TCO´s, etc (p. ex.: dias atrás quando eu era Delegado Regional em S. Inês, havia um promotor indignado por que o "responsável pelo expediente" de Pio XII não tinha mandado TCO´s para justiça no ano passado. Esta é assim, neste primeiro ponto a parte da CONVENIÊNCIA. Logo, não é de se esperar da parte deles, qualquer iniciativa para corrigir o problema, por mais que algumas das "peças" produzidas pelos "delegados" por doer no âmago do cérebro;

    2º - A falta de interesse da administração superior da polícia civil em resolver o problema. Veja que para eles é melhor nomear policiais militares para "responder pelo expediente" que reinvidicar a contratação de delegados para assumir as unidades ou mesmo nomear delegados para responder cumulativamente por mais de uma unidade, com o correpondente pagamento de adicional ou diárias. Então, falta vontade efetiva da Administração Superior da polícia civil em buscar uma solução correta para o caso;

    3º - A leniência e brandura por parte da ADEPOL, que tem feito pouco ou nada para combater tal ilegalidade apesar de existir na sua composição uma comissão (ou secretaria, não me recordo exatamente o nome dado) de defesa de prerrogativas do delegado. Veja que aqui o problema não diz respeito diretamente ao presidente da ADEPOL mas a falta de iniciativa desse importante comissão (ou secretaria).

    É óbvio que a ideia de delegados 'ad hocs' passa sim, para os gestores públicos a ideia de que nós somos prescindíveis para a construção da justiça, o que mais adiante vai atingir frontalmente a valorização do cargo. Eu também sempr invoquei o argumento de que nunca vi juiz ou promotor 'ad hoc' por ai. No entanto, como consequência dessa prática usual e ofensiva às nossas prerrogativas, tal qual o personagem humorístico conhecido por "quebra galho" (do programa Zorra Total) o que se ver por ai produzidas pelos "delegados ad hoc" são peças que nos fazer rir, se é que se pode falar assim.

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  3. Caro colega, o que mais entristece é que tudo isso é feito com as bençãos daqueles que deveriam justamente impedir tal prática, aqueles que ocupam os cargos estratégicos na zona de poder.
    André Lima.

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  4. Interessante, pena saber que nada tem sido feito para mudar essa situação. José Maria.

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  5. Infelizmente tive que excluir um comentário "crítico" em relação ao texto e as razões decorrem do fato de que o autor não se identificou.Apenas textos com identificação serão publicados.

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