Duas meninas, uma de 11 anos outra de 14, foram baleadas por um policial militar na Zona Sul da Capital Paulista.
O mais estarrecedor
neste tipo de violência é que o que deveria ser trágico é cotidiano.
Indubitavelmente aí reside uma das maiores patologias sociais de nossa
época
Evidentemente houve um
grave erro operacional dos agentes policiais envolvidos, que gerou
consequência quase irreparável. O Estado deverá responder pelos danos
ocasionados às vitimas e o agente envolvido deverá ser responsabilizado
administrativa, civil e criminalmente na forma da lei.
Mas por outro lado não
há que se demonizar o agente policial envolvido. De origem certamente
humilde, mal treinado e com péssima remuneração, ainda mais tendo-se em
conta que presta um serviço que implica arriscar a vida cotidianamente,
não há que se despejar no individuo a culpa de todo um sistema de
segurança.
Não faz sentido manter uma força de natureza militar como responsável pela segurança pública.
Produto da ditadura militar, tal sistema de segurança ostensiva é totalmente inadequado a um regime democrático de Direito.
Se por um lado é certo
que a eventual substituição da Policia Militar por uma Guarda Civil não
evitaria abusos por si só, também não há que se negar que a organização
policial militar é concebida mais como força de ocupação territorial e
controle político violento da população pobre.
Em vez de força de
segurança pública submissa ao direito, a Polícia Militar, por sua
própria estrutura preparada para a guerra e não para a proteção, se põe
como força de exceção. Não reconhece na população pobre uma cidadania
titular de direitos, mas apenas seres dotados de obrigações perante o
Estado.
Como no mundo do capital
globalizado já quase não há exércitos de mão de obra de reserva, a
maioria da população pobre é destinada à exclusão da vida.
No dizer de Agamben ,
este amplo contingente miserável da população global é dotado apenas de
“vida nua”, vida que não conta com a proteção de direitos políticos
mínimos , nem mesmo o direito à sobrevivência. A PM matou mais por ano
no Brasil que a maior parte das guerras ocorridas no globo nas últimas
décadas.
Ao contrário, contudo,
do que dizem setores mais conservadores da opinião publica, o que há não
é uma “guerra” entre Estado e população pobre. O que há é um verdadeiro
genocídio, de cunho racista, regionalista e social.
A título de se combater o
banditismo, que sempre aumenta mesmo com toda a violência da PM, o que
demonstra no mínimo sua ineficácia, trabalhadores pobres são
vilipendiados cotidianamente em sua integridade física e moral, quando
não são mortos por uma violência tão cruel quanto apoiada pela
euro-descendência bem pensante das áreas nobres de São Paulo e de nossas
capitais.
O fetiche do Estado de
Polícia, do Estado autoritário que traz na punição o grande fator de
contenção da violência, ainda seduz a maior parte de nossas classes
médias, contra todos os dados racionais e históricos.
Ser humano que não se
sinta minimamente amado, protegido e acolhido pelo meio ambiente
familiar e social que o cerca é um ser, sempre e em qualquer
circunstancia, com ampla possibilidade de se animalizar. Ele rouba e
mata porque tem pouco a perder com a punição e mesmo com a morte, sua
vida já é em si destituída de um sentido mínimo de dignidade material e
afetiva que conforma o que chamamos de humano. só o que lhe resta é
viver intensidades para se sentir vivo.
Enquanto persistirmos em
tratarmos a pobreza com o cassetete e não com a mão solidária, enquanto
nos focarmos na violência que a população pobre faz contra nós sem
vermos a violência que fazemos cotidianamente contra ela, continuaremos
reféns, pagando a conta desta violência em nossos faróis e esquinas
mesmo que com tanques de guerra para nos defender.
As soluções são
complexas, mas qualquer solução da segurança pública como política de
Estado passa, a nosso ver, pela extinção da Policia Militar e sua
transformação em Guarda Civil, ao menos pelo sentido simbólico de que o
estado democrático, ao contrário das ditaduras, não carece estar em
guerra com sua população mais pobre, preferindo o acolhimento e a
proteção à chacina.
Autor: Pedro Estevam Serrano
Fonte: Carta Capital
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