MP aumenta poder de investigação interna
Novas regras permitem ao CNMP abrir processos contra
promotores e procuradores, sem autorização das corregedorias. Alteração
pretende acelerar ações, como a de Demóstenes
Em meio a ataques vindos do Legislativo e da Polícia Federal, e da
ameaça de ver extinto o poder de investigação em matérias criminais, o
Ministério Público ganhou um instrumento a mais para coibir e punir
eventuais irregularidades cometidas por promotores e procuradores de
Justiça. A reforma do Regimento Interno do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP), aprovada no fim de janeiro, dá ao órgão a
competência originária para abrir processos disciplinares contra
integrantes do MP, independentemente de autorização das corregedorias
locais. Se o novo texto existisse no ano passado, a investigação contra o
ex-senador goiano Demóstenes Torres (ex-DEM), que é procurador de
Justiça em Goiás, já estaria em um estágio mais avançado, pois não
haveria a necessidade de as apurações serem iniciadas na Corregedoria do
MP de Goiás.
A autonomia conquistada pelo conselho, que exerce o controle externo do
MP, é enxergada pelo conselheiro Fabiano Silveira como um fator de
fortalecimento das investigações realizadas pelo Ministério Público. A
possibilidade de abrir processos foi incorporada a partir da decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF) que deu poder semelhante ao Conselho
Nacional de Justiça (CNJ). Autor da proposta que permite ao corregedor
do CNMP instaurar diretamente processos administrativos disciplinares
contra membros do MP, Silveira avalia que o novo regimento dá força ao
combate à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que retira o
poder de investigação do órgão. A matéria foi aprovada na Câmara, no
ano passado, e tramita agora no Senado.
“A maior eficiência na atuação do CNMP em relação à questão disciplinar
pode coibir abusos, inclusive, quando praticados na atividade de
investigação. Um conselho nacional mais atento à questão disciplinar
acaba, em última análise, fortalecendo a investigação pelo Ministério
Público”, afirma Fabiano Silveira.
Segundo ele, as alterações no regimento possibilitarão a aplicação de
punições efetivas contra integrantes do MP que cometam infrações
disciplinares. Até então, os procedimentos só podiam ser abertos depois
da atuação das corregedorias locais, como ocorreu no caso de
Demóstenes Torres.
O processo disciplinar aberto no estado contra o ex-parlamentar, que
teve o mandato cassado pelo Senado após vir à tona denúncias de que ele
usou o cargo para atender interesses do contraventor Carlinhos
Cachoeira, foi avocado pelo CNMP, que deve levar o caso ao plenário no
mês que vem. Ele está afastado das funções, mas continua recebendo
salário de procurador. O conselho pode decidir pela aposentadoria
compulsória e até pela demissão de Demóstenes, já que ele ingressou na
carreira antes de 1988 e não tem cargo vitalício.
Legislação
Entre as mudanças feitas no regimento do CNMP, também estão a
possibilidade de o conselho determinar providências antes da atuação da
corregedoria local e a redução do prazo para conclusão de
sindicâncias, que caiu de 60 para 30 dias. Atualmente, uma das maiores
dificuldades enfrentadas pelo conselho é o curto prazo de prescrição
dos processos disciplinares, que costuma ser de um ano. No entanto, o
período varia, já que cada estado tem sua própria lei. Ao contrário da
categoria dos juízes, que é regida por uma legislação única — a Lei
Orgânica da Magistratura (Loman) —, os integrantes do MP não têm uma
lei nacional.
O conselheiro Almino Afonso defende que o Congresso aprove uma lei
única para reger os promotores e procuradores de Justiça. “Precisamos
de um estatuto que estabeleça sanções para todo o MP de maneira
uniforme, que não preveja prescrição de processos disciplinares em um
ano”, sugere. Ele também alerta para a necessidade de aprovação da PEC
75, que permite o CNMP e o CNJ a aplicarem pena de demissão. Hoje, a
punição máxima prevista na esfera administrativa é a aposentadoria
compulsória, pois os cargos do MP passaram a ser vitalícios, a partir
da Constituição de 1988. Para Afonso, é preciso que os órgãos de
controle externo tenham mais autonomia. “Em países da Europa, como
Portugal, os conselhos são superiores até à Suprema Corte, ao contrário
do Brasil, onde o STF não está sujeito ao controle do CNJ.”
Reação
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, comemora a aprovação
do novo regimento, que, segundo ele, aprimora e dá mais rigor ao
funcionamento do órgão. No entanto, ele evita relacionar a alteração
regimental com a PEC 37. “As alegações de que as mudanças são uma
resposta (aos defensores da PEC) são de manifesta inconsistência, porque
o Ministério Público está sim sujeito a uma série de controles, sejam
internos ou externos, como do CNMP. E acima disso, o MP está sujeito
durante investigações criminais ao controle do Poder Judiciário.
Evidentemente não há controle mais efetivo do que esse”, destacou Gurgel
ao Correio.
Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República
(ANPR), Alexandre Camanho, as alterações dão dinâmica ao CNMP. “Essas
mudanças regimentais são fruto de uma vivência colegiada e da
necessidade que um órgão tem de prestar um melhor serviço público. Elas
vêm justamente no sentido do aprimoramento do funcionamento do
conselho, de sua dinâmica. O novo regimento atende melhor a sociedade
que o anterior. Mas não vejo nenhum viés político, e nenhuma intenção
de responder a qualquer ação, como a PEC.”
Mudanças
Confira as mudanças que dão mais força às investigações disciplinares do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP):
» O conselho não precisará esperar a decisão da corregedoria local
para determinar providências. Pelo regimento antigo, ao receber uma
reclamação disciplinar, o corregedor nacional comunicava à corregedoria
local do MP, que deveria informar, no prazo de 10 dias, se existia
procedimento instaurado para apurar os fatos. Se não houvesse, o órgão
local tinha o prazo de 120 dias para concluir o procedimento
disciplinar.
» O Corregedor Nacional do Ministério Público poderá instaurar
diretamente Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra membros do
Ministério Público. Antes, o plenário decidia previamente sobre a
necessidade de abertura do PAD, o que gerava atraso na tramitação dos
feitos, levando muitas vezes à prescrição das pretensões punitivas
disciplinares, em razão de sucessivos pedidos de vista.
» O presidente do CNMP, que acumula o cargo com o de
procurador-geral da República, passa a ter direito a voto. Ele votará
em todos os processos, e não apenas em casos de empate.
» Redução do prazo da sindicância, que é o procedimento investigativo que precede o PAD, de 60 para 30 dias.
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