sexta-feira, 15 de março de 2013

Novas regras permitem ao CNMP abrir processos contra promotores e procuradores, sem autorização das corregedorias. Alteração pretende acelerar ações, como a de Demóstenes

MP aumenta poder de investigação interna

 
 
Novas regras permitem ao CNMP abrir processos contra promotores e procuradores, sem autorização das corregedorias. Alteração pretende acelerar ações, como a de Demóstenes
 
Em meio a ataques vindos do Legislativo e da Polícia Federal, e da ameaça de ver extinto o poder de investigação em matérias criminais, o Ministério Público ganhou um instrumento a mais para coibir e punir eventuais irregularidades cometidas por promotores e procuradores de Justiça. A reforma do Regimento Interno do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), aprovada no fim de janeiro, dá ao órgão a competência originária para abrir processos disciplinares contra integrantes do MP, independentemente de autorização das corregedorias locais. Se o novo texto existisse no ano passado, a investigação contra o ex-senador goiano Demóstenes Torres (ex-DEM), que é procurador de Justiça em Goiás, já estaria em um estágio mais avançado, pois não haveria a necessidade de as apurações serem iniciadas na Corregedoria do MP de Goiás.
 
A autonomia conquistada pelo conselho, que exerce o controle externo do MP, é enxergada pelo conselheiro Fabiano Silveira como um fator de fortalecimento das investigações realizadas pelo Ministério Público. A possibilidade de abrir processos foi incorporada a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que deu poder semelhante ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Autor da proposta que permite ao corregedor do CNMP instaurar diretamente processos administrativos disciplinares contra membros do MP, Silveira avalia que o novo regimento dá força ao combate à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que retira o poder de investigação do órgão. A matéria foi aprovada na Câmara, no ano passado, e tramita agora no Senado.
 
“A maior eficiência na atuação do CNMP em relação à questão disciplinar pode coibir abusos, inclusive, quando praticados na atividade de investigação. Um conselho nacional mais atento à questão disciplinar acaba, em última análise, fortalecendo a investigação pelo Ministério Público”, afirma Fabiano Silveira.
 
Segundo ele, as alterações no regimento possibilitarão a aplicação de punições efetivas contra integrantes do MP que cometam infrações disciplinares. Até então, os procedimentos só podiam ser abertos depois da atuação das corregedorias locais, como ocorreu no caso de Demóstenes Torres.
 
O processo disciplinar aberto no estado contra o ex-parlamentar, que teve o mandato cassado pelo Senado após vir à tona denúncias de que ele usou o cargo para atender interesses do contraventor Carlinhos Cachoeira, foi avocado pelo CNMP, que deve levar o caso ao plenário no mês que vem. Ele está afastado das funções, mas continua recebendo salário de procurador. O conselho pode decidir pela aposentadoria compulsória e até pela demissão de Demóstenes, já que ele ingressou na carreira antes de 1988 e não tem cargo vitalício.
 
Legislação
 
Entre as mudanças feitas no regimento do CNMP, também estão a possibilidade de o conselho determinar providências antes da atuação da corregedoria local e a redução do prazo para conclusão de sindicâncias, que caiu de 60 para 30 dias. Atualmente, uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo conselho é o curto prazo de prescrição dos processos disciplinares, que costuma ser de um ano. No entanto, o período varia, já que cada estado tem sua própria lei. Ao contrário da categoria dos juízes, que é regida por uma legislação única — a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) —, os integrantes do MP não têm uma lei nacional.
 
O conselheiro Almino Afonso defende que o Congresso aprove uma lei única para reger os promotores e procuradores de Justiça. “Precisamos de um estatuto que estabeleça sanções para todo o MP de maneira uniforme, que não preveja prescrição de processos disciplinares em um ano”, sugere. Ele também alerta para a necessidade de aprovação da PEC 75, que permite o CNMP e o CNJ a aplicarem pena de demissão. Hoje, a punição máxima prevista na esfera administrativa é a aposentadoria compulsória, pois os cargos do MP passaram a ser vitalícios, a partir da Constituição de 1988. Para Afonso, é preciso que os órgãos de controle externo tenham mais autonomia. “Em países da Europa, como Portugal, os conselhos são superiores até à Suprema Corte, ao contrário do Brasil, onde o STF não está sujeito ao controle do CNJ.”
 
Reação
 
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, comemora a aprovação do novo regimento, que, segundo ele, aprimora e dá mais rigor ao funcionamento do órgão. No entanto, ele evita relacionar a alteração regimental com a PEC 37. “As alegações de que as mudanças são uma resposta (aos defensores da PEC) são de manifesta inconsistência, porque o Ministério Público está sim sujeito a uma série de controles, sejam internos ou externos, como do CNMP. E acima disso, o MP está sujeito durante investigações criminais ao controle do Poder Judiciário. Evidentemente não há controle mais efetivo do que esse”, destacou Gurgel ao Correio.
 
Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, as alterações dão dinâmica ao CNMP. “Essas mudanças regimentais são fruto de uma vivência colegiada e da necessidade que um órgão tem de prestar um melhor serviço público. Elas vêm justamente no sentido do aprimoramento do funcionamento do conselho, de sua dinâmica. O novo regimento atende melhor a sociedade que o anterior. Mas não vejo nenhum viés político, e nenhuma intenção de responder a qualquer ação, como a PEC.”
 
Mudanças
 
Confira as mudanças que dão mais força às investigações disciplinares do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP):
 
» O conselho não precisará esperar a decisão da corregedoria local para determinar providências. Pelo regimento antigo, ao receber uma reclamação disciplinar, o corregedor nacional comunicava à corregedoria local do MP, que deveria informar, no prazo de 10 dias, se existia procedimento instaurado para apurar os fatos. Se não houvesse, o órgão local tinha o prazo de 120 dias para concluir o procedimento disciplinar.
 
» O Corregedor Nacional do Ministério Público poderá instaurar diretamente Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra membros do Ministério Público. Antes, o plenário decidia previamente sobre a necessidade de abertura do PAD, o que gerava atraso na tramitação dos feitos, levando muitas vezes à prescrição das pretensões punitivas disciplinares, em razão de sucessivos pedidos de vista.
 
» O presidente do CNMP, que acumula o cargo com o de procurador-geral da República, passa a ter direito a voto. Ele votará em todos os processos, e não apenas em casos de empate.
 
» Redução do prazo da sindicância, que é o procedimento investigativo que precede o PAD, de 60 para 30 dias.

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