Ab ininitio, há de se esclarecer alguns pontos a fim de se evitar interpretações equivocadas. Insta salientar, por oportuno, o total apoio às reivindicações trabalhistas de quaisquer entitades de classe, tendo em vista a garantia da ordem institucional e a salvaguarda dos direitos sociais elencados em nossa carta magna. Por outro lado, repudia-se a torpe omissão estatal na efetividade dessas garantias, reafirmando incondicional apoio à luta pelo que é justo, probo, moral e ético.
Tendo justamente isso em vista, há de se questionar o reverso da moeda e os deveres de quem tanto clama direitos, não se condicionando um ao outro, pois,com o perdão do proposital clichê, um erro não justifica o outro.Destarte, e sem mais entreveios, transpassa-se ao cerne da questão.
A sociedade brasileira, legítima representante de um país subdesenvolvido, é sabidamente uma das que mais paga encargos tributários no mundo, sacrificando considerável parcela de sua renda para, dentre outras coisas, propiciar a remuneração dos servidores públicos e ter, na maioria das vezes, como contrapartida , um serviço omisso, leniente, piegas, porco e imundo pseudo-justificado, na astúcia de quem assim o faz, por jargões, frases feitas e demais manifestações do conhecimento popular que visam omitir a falha pessoal do servidor público.
Há um amplo discurso disseminado nas instituições:” é culpa do sistema”,” eu não vou abraçar o mundo com as pernas”, “não adianta dar murro em ponta de faca”, “quando eu cheguei já era assim”,” etc. , adotando-se isso como escusa de consciência que camufla a grave omissão pessoal de cada um que a faz. Porém, o tal sistema é formado por pessoas e as suas condutas e premissas lhe dão sustentabilidade.
É um equivoco seguir esses lemas, assumindo-os para si como verdades absolutas. As deturpações decorrentes borbulham num caldeirão de mediocridade engrossadas ainda pela disseminada cultura do jeitinho brasileiro resultando, como de se esperar, um indigesto cardápio cujo prato principal é chamado pelos cozinheiros de sistema.
Os ingredientes desse estão estragados pela sobrepujança do interesse pessoal sobre o coletivo. Em um país onde não se fomenta a produção de conhecimento, cultura., etc , propaga-se maciçamente o cargo público como santo graal de quem tem um curso superior. E estes querem realizar seus sonhos, ser felizes, conquistar seus padrões de vida retratados na novela das oito e: trabalhar o mínimo possível . Aí nascem, por exemplo, os tqq’s, aqueles que só trabalham terças , quartas e quintas e ainda orgulham-se disso , afinal conseguiram seu objetivo de pouco labor sendo aplaudidos pelos colegas e demais pares da sociedade, que invejam e glorificam aquela posição, desejando-a para si.
Certa feita, deparei-me com um pedaço de papel pendurado em um cartório de uma delegacia que dizia o seguinte: quem trabalha muito, erra muito; quem trabalha pouco, erra pouco; quem não trabalha nada, não erra nada e é promovido.
Tudo isso é visto com muita naturalidade, afinal, as premissas ditas alhures permitem essa concessão e dão o conforto necessário para que se possa dormir tranquilamente , sonhar com os anjos e esperar o paraíso.
Catastrófico!
Não há concessões à moral. Essa desídia encarada com bom humor e que provavelmente arrancou risos do leitor é o primeiro passo para a formação de um corrupto inescrupuloso, afinal, as premissas são as mesmas. Ditas e sobreditas por aí como se fossem verdades.
Toda ação, por mais torpe que seja, é justificada por quem a faz. Para ilustrar, tome-se como exemplo o discurso de um policial corrupto encarnado por Forrest Whiaker no filme Os Reis da Rua: “Mas esse é o nosso dinheiro, da unidade. Quem pagará sua aposentadoria?Somente estou corrigindo o sistema. Somos policiais ajudando policiais. E se um professor ou bombeiro pudessem fazer, também o fariam”.
Frases como essas é que dão alicerce para o sistema, sempre culpado de tudo , pois, uma mentira dita várias vezes acaba por se tornar uma verdade. É o que se denomina, conhecimento popular, “aquele formado a partir de conhecimento do tradicional (hereditário), da cultura, do senso comum, sem compromisso com uma apuração ou análise metodológica. Não pressupõe reflexão, é uma forma de apreensão passiva, acrítica e que, além de subjetiva, é superficial”.¹
Em outra perspectiva, a partir da antítese supra, qual seja, o conhecimento científico ou filosófico, traz-se à baila os ensinamentos de L. Kholberg e sua teoria do desenvolvimento moral, onde percebe-se que o nosso sistema é formado por individuos em nível pré convencional de desenvolvimento moral. “Pessoas movidas pelos próprios interesses, que só seguem as regras, quando estas forem de seu interesse imediato”.² há de se ressaltar, todavia, que conforme esse autor: “Potencialmente, todo indivíduo é capaz de transcender os valores da cultura em que foi socializado, ele não apenas os incorpora passivamente. Com isso, a própria cultura pode ser modificada”.
O sisudo e metódico discurso de Kholberg não costuma arrancar risos e arregimentar asseclas. A par disso e de todo o demais propõe-se outra anedota ,outrora por mim escutada, para quiçá ser dependurada em um papeel colado na parede de um cartório em uma delegacia: A sociedade brasileira paga 61 tributos diretos ou indiretos para que cá nós estejamos. Aqui ralamos e fazemos por merecer. Não somos como os outros. Aqueles bbb’s, que ficam por aí cultivando suas barrigas, bundas e bigodes, fingindo que trabalham e assaltando o povo brasileiro. Verdadeiros ladrões da nação.
por: Renato Barbosa, Delegado de Polícia
1 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Conhecimento
2 -http://pt.wikipedia.org/wiki/Lawrence_Kohlberg#Teoria_do_Desenvolvimento_Moral