segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Polícia Civil:Sempre uma decisão

Por Anderson Pimentel Penha*
Uma vocação profissional é posta à prova todos os dias, independentemente da área de atuação, seja ela das ciências biológicas, exatas ou humanas. O que é de salutar importância é crer que o bom profissional, antes de tudo, é o melhor dos aprendizes, posto que, a cada dia, algo de novo é agregado às suas experiências e conhecimentos. Os segredos do sucesso de cada labor estão intimamente vinculados à forma com a qual cada um encara o desempenho de seus misteres.
Atendidas as peculiaridades de cada ofício, cada indivíduo escolhe por quais trajetórias e sentidos deseja percorrer a vereda da vida, alguns com mais esmero, outros recebendo dádivas inesperadas que lhes caem às mãos, seja por vontade divina ou por mero acaso do destino. Nas carreiras de Estado, no entanto, nem sempre se pode contar com a sorte, pura e simplesmente. No trabalho policial, por conseguinte, menos ainda. A investigação de crimes, função precípua do policial civil, de raiz constitucional, antes de tudo, é um homérico esforço intelectual, frise-se.
A carreira policial, penso eu, deve ser vista como um verdadeiro sacerdócio, aliás, como todo e qualquer profissional que pretenda ser um operador do direito. A formação do profissional de segurança pública, com ênfase na investigatio, além de seguir uma vertente não tão linear como as demais carreiras jurídicas, dadas as suas intrínsecas propriedades, deve ser observada por diversos prismas. Esse profissional deve ter a capacidade de tomar decisões que podem interferir, direta ou indiretamente, na esfera patrimonial, na liberdade e até na vida de cada cidadão. Por outro viés, deve compreender que seus atos interferirão no resto da vida do investigado, assim como do vitimado. É uma questão extremamente complexa, portanto.
Ao analisar com um pouco mais de profundidade, porém sem esgotar o assunto, as consequências dos seus atos são de tamanha envergadura que uma decisão tomada às pressas poderá fazer com que uma vida seja salva ou perdida. Esse trabalhador, assim, deve alcançar um estado de espírito altruísta e empreender atos de desprendimento descomunal, ao passo de não apenas fazer a diferença, mas sê-la. É para se debruçar sobre parte dessas atividades sem par, dessas faces da profissão, que se propõe o presente artigo.
Ao avançar sobre esses emblemas, o precípuo pelo qual se deve permear é sobre o caráter quase imediato na tomada de decisões. É, como se sabe, o maior dos obstáculos a ser transposto pelo policial civil, destacadamente, pelo delegado. Isso se deve ao fato de que em cada decisão, elege-se o que se considera mais significativo, mais preponderante, numa ponderação valorativa acerca da conduta mais apropriada, mais eficiente, na melhor oportunidade real e legal.
Nem sempre decidir é escolher entre o preto e o branco, mas eleger quais dos tons de cinza melhor se adaptam ao quadro apresentado. E isso é tanto verdadeiro que, comparativamente, mutatis mutandis, um magistrado para prolatar seu veredicto, comumente, demora dias, semanas, meses, ou até anos. No caso de um policial, voltando ao cerne da proposição prefacial, isso não ocorre, a exemplo da decisão de abordar, ou não, alguém que esteja em atitude suspeita, nos moldes do que propugna do Código de Processo Penal. Outro exemplo emblemático é a análise da Autoridade de Polícia Judiciária diante de uma situação flagrancial. As variáveis podem ser inúmeras, ou singelas, mas as repercussões de uma decisão, certa ou errada, a depender do ponto de vista do observador, tomarão proporções que afetarão a vida de cada cidadão, destacadamente, o autor e sua vítima, sem olvidar da própria coletividade, para quem, efetivamente, se destina a aplicação da Lei.
No caso do delegado de polícia, isso ainda assume matizes mais contrastantes com a realidade das demais carreiras jurídicas, pois sua manifestação é ponto nevrálgico para a restrição imediata, ou não, da liberdade do indivíduo, em se tratando de flagrante delito. Nessa atividade, por vezes, não há tempo hábil para se consultar manuais de doutrina ou o que entende a mais recente ou majoritária jurisprudência, cabendo a ele, inequivocamente, aplicar a lei ao caso concreto, em respeito ao brocardo latino “dura Lex, sed Lex”. Na outra face disso, o defensor, o promotor de justiça e o magistrado, têm à sua disposição o mesmo arsenal legiferante do delegado; todavia, adotam o caminho que melhor lhes convencer após longa meditação, calcados em meticulosa pesquisa das demais fontes do direito, sem falar que o fazem, geralmente, em ambientes climatizados e com todo o assessoramento disponível.
Já o delegado atua no calor dos fatos, devendo analisar rápida e eficazmente o que lhe foi apresentado como prova ou indício de autoria, analisar cada circunstância, cada particularidade daquele evento, na maioria das vezes na própria rua, e não como imaginam os que não vivem a realidade institucional, id est, em gabinetes climatizados, aromatizados, trajando ternos de marcas famosas, gravatas de pura seda italiana, sapatos de cromo alemão e com todo o tempo do mundo para decidir sobre esse direito inalienável e de primeira grandeza, a liberdade. Forçoso lembrar que, caso tal decisão se prolongue no tempo, iniludivelmente, a Autoridade poderá – aliás, é comum que ocorra – responder por abuso de autoridade, no mínimo, calcado nesse constrangimento ilegal, já que o cidadão somente pode ter sua liberdade cerceada mediante mandado expedido pela autoridade judicial ou em sede de Auto de Prisão em Flagrante.
Aglutine-se, ainda, que desde a seleção, percorrendo a formação, o profissional deve possuir credencias biopsicológicas para o adimplemento de seu papel social, justaposto à moral ilibada, saber jurídico, além, evidentemente, do tino investigativo, conhecimento operacional e noções administrativas. Ufa!… A atividade laboral desenvolvida pelo policial civil é completamente diferente das demais que têm o direito como principal sustentáculo. Isso se deve ao fato de que, na sua formação, além do lastro jurídico, cabe a ele possuir conhecimentos de medicina legal, vitimologia, criminologia, sociologia, psicologia e psicopatologia forense, sem deixar sair da memória outros diversos ramos do conhecimento humano.
A contratio sensu do que os mais “alienados” imaginam, o trabalho do policial civil, ainda mais do delegado de polícia, adstrito a atuar nas quadras do que a lei determina ou autoriza, ao revés do agressor da sociedade que se esconde nas garantias constitucionais – que logicamente se dirigem a todo homem, sendo ele bem intencionado ou não, para prevenir e reprimir abusos de direito e manter sob o indumento protetor legal os direitos inerentes à condição humana -, não se limita a dar ordens aos seus subordinados e permanecer em “berço esplêndido”, recluso em seu gabinete, à espera do resultado da diligência. Cabe a ele, igualmente, sempre que possível, suficiente e necessário, ainda mais pelo que dita o artigo 6º do Código de Processo Penal, marcar sua presença no palco do crime e nos atos que a ele se sucederem, até o deslinde da investigação. É da sua alçada acompanhar o escrivão nas oitivas, acompanhar os peritos na coleta da prova no locus delicti, inquirir aos investigados, elaborar as medidas cautelares, cumpri-las com seus auxiliares,  relatar os inquéritos, justificar as prisões em sede de habeas corpus, dentre outras.
Assim, revela-se, nesse exercício de uma atividade juridicamente garantida, o aspecto predominantemente jurídico da atividade do delegado de polícia, porquanto cabe a ele, nesse modelo decisório, restringir ou não a liberdade, imputar ou não a responsabilidade criminal, apreender ou não bens alheios ou objetos de crime, bem como suscitar teses jurídicas fundamentadas em seu entendimento com espeque na melhor exegese. O que difere o delegado de polícia das demais carreiras, também, é essa capacidade jurídica, tal qual o magistrado, de interferir diretamente nas diversas esferas da vida do cidadão, abrangendo a liberdade e o patrimônio. Afinal de contas, em uma situação crítica, seja ela criminal ou não, nos rincões do País, quem é a primeira autoridade a ser procurada? O padre? O pastor? O prefeito? Não, é o delegado de polícia!
A complexidade do raciocínio, somada à necessária rapidez na tomada de decisão, avaliando as diversas variáveis que permeiam o fato que lhe foi apresentado, junto às pressões que o próprio cargo lhe impõe, faz da carreira policial, como comprovado cientificamente, a mais estressante do planeta! O que se espera, logo, por parte do Estado e da sociedade, é mais respeito e uma visão mais humana acerca desses profissionais que, a todo tempo, 24 horas por dia, sete dias por semana, dedicam-se a guarnecer a coletividade dos males do crime. Vamos meditar um pouco mais sobre tudo isso? Boas conclusões.
* Anderson Pimentel Penha é Delegado de Polícia

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