Novos rumos para a Polícia Judiciária
Novos rumos para a Polícia Judiciária: Uma reflexão sobre o desprestígio da instituição e seu real valor para a sociedade
Líbero Penello de Carvalho Filho*
No século XIX, delegado de polícia e juiz de Direito eram um só. O Poder Judiciário detinha as funções policiais e, mesmo quando foram dissociadas, o delegado de polícia continuou detentor de poder. Apenas para exemplificar, as audiências de alistamento militar eram conduzidas pelo juiz e pelo delegado, incumbindo ao Ministério Público apenas acompanhar tais audiências.
O tratamento constitucional dado aos delegados de Polícia e à Polícia Judiciária nunca foi claramente marcado, ao passo que o Ministério Público era mencionado nos textos constitucionais como função essencial à Justiça, mas a abordagem das constituições brasileiras, no que pertine aos membros do Parquet, era um tanto contida, resumida mesmo.
A partir da vigência da Constituição Federal de 1988, a Polícia Civil e os delegados de Polícia passaram a ter tratamento específico no âmbito constitucional. Também o Ministério Público e o Poder Judiciário experimentaram mudanças nesta transição constituinte, da ordem jurídica anterior a 1988 para a que atualmente vige entre nós.
Ocorre que, enquanto estas mudanças trouxeram vantagens, benefícios e mais poder para Ministério Público e Poder Judiciário, a Polícia Judiciária viu-se desprestigiada: o delegado já não mais solucionava as infrações de menor potencial ofensivo na própria Delegacia, já não mais tinha a iniciativa de expedir mandados de busca e apreensão.
O Ministério Público conquistou o direito de exercer o controle externo da atividade policial. O Poder Judiciário recebeu os poderes retirados do delegado de polícia. E a Emenda Constitucional 19/1998 veio retirar o cargo de delegado do rol das profissões integrantes de carreira jurídica, suprimindo o texto original do artigo 241 e alterando o artigo 135, ambos da Constituição de 1988.
O que ocorreu com a Polícia Judiciária, do século XIX até o presente, para que se visse em tal situação?
O problema do poder
A Polícia Judiciária é uma instituição à parte. Os delegados de polícia são operadores do Direito. Exercem juízo de valor. Mantêm ou não uma prisão em flagrante. Presidem inquéritos policiais. Nomeiam peritos. Supervisionam procedimento de escuta telefônica. Não se submetem, do ponto de vista funcional, a Poder Judiciário ou a Ministério Público. E, para completar, a Polícia Judiciária é um braço armado do Estado.
Como se vê, há razões suficientes para olhar com cuidado para a atuação dos profissionais da segurança pública no Brasil. E, desde a separação das funções de juiz de Direito e de delegado de polícia, a questão está malresolvida.
As maiores demonstrações do olhar diferente e cauteloso sobre a função policial são: até hoje não existe uma Lei Orgânica da Polícia Civil; ao contrário dos presidentes de Tribunais de Justiça e de procuradores estaduais de Justiça, os chefes de Polícia não são eleitos por votação direta entre seus pares; os juízes de Direito e os promotores de Justiça são localizados e transferidos por seus superiores hierárquicos, ao passo que os delegados de Polícia o são pelos secretários de Segurança Pública de seus estados; enquanto o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público possuem, em suas respectivas composições, membros do Parquet, do Judiciário, da Ordem dos Advogados do Brasil, mas não das polícias, a proposta de criação do Conselho Nacional de Polícia insere, em sua composição, magistrados e promotores.
Além disso, o delegado de polícia não é considerado integrante de carreira jurídica, não tem as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de salários. Não tem a prerrogativa de ser detido apenas em flagrante de crime inafiançável. O fato é que há uma velada disputa de poder entre as instituições, em parte por causa do histórico policial brasileiro.
Retrospecto policial brasileiro
Analisando a trajetória da Polícia Judiciária brasileira ao longo dos anos, é fácil notar que não é nada favorável à instituição. Enquanto Ministério Público e Poder Judiciário cuidavam de fortalecer-se e cercar-se de benefícios e garantias, a Polícia Judiciária parece ter sido colocada num pântano burocrático, onde ficou patinando por anos.
Com sua atuação controlada fortemente pela mão política, o resultado não podia ser outro: falta do devido tratamento legal; falta de preparo de seus integrantes; falta de concursos públicos, sendo que qualquer apaniguado político podia ser nomeado delegado; falta de investimento tecnológico; falta de cursos de reciclagem e de qualificação profissional.
Justiça seja feita, porém: não foi apenas a sombra pesada de regimes totalitários a responsável pelo processo reducionista, domador, da Polícia Judiciária. A inércia, a pouca combatividade e a falta de vontade de crescer vêm também de dentro da instituição. Se o Ministério Público, por exemplo, saiu da condição de mero espectador em audiências de alistamento militar no século XIX para função essencial à Justiça e controlador da atividade externa policial, por que os delegados não ganharam, e sim perderam poder ao longo dos anos?
O fato é que a categoria policial ficou inerte, por um lado, e atada ao poder político, por outro, com outra agravante: por ser um braço armado do Estado, foi utilizada como instrumento de opressão, por longos anos, em período crítico da história brasileira: o governo militar.
Revanchismo político
O fim do governo militar trouxe a democracia e, com ela, um enorme desejo de mudança. Nova Constituinte, nova Constituição, e em 5 de outubro de 1988 o Brasil tinha sua primeira Carta Constitucional libertadora.
A nova Constituição, porém, tinha mazelas típicas de um Poder Constituinte acostumado com um longo histórico republicano de tiranetes e golpes militares. O afã da liberdade produziu excessos que o tempo em parte corrigiu.
Uma parte destes excessos, porém, subsiste. Um deles é associar a Polícia Judiciária de hoje àquela do governo militar, com poderes ilimitados, sem obrigação de observância a direitos e garantias fundamentais, muitas vezes conduzida por pessoas inteiramente despreparadas para lidar com o poder.
Ainda sob a influência desta aura negativa da polícia, e temendo que tais excessos continuassem a ocorrer em plena Nova República, nossos parlamentares, com ajuda de lobbies eficientes, retiraram parcela significativa do poder dos delegados, deixaram de incluí-los como função essencial à Justiça e como operadores do Direito, como carreira jurídica, no texto constitucional.
O mito da polícia operária
A polícia não tem que ser operária, tem que ser intelectual. É recorrente a ideia de que segurança pública é igual a ação policial. Trata-se de pensamento limitado e que não expressa a realidade, muito mais complexa
(…) o delegado de polícia não é considerado integrante de carreira jurídica, não tem as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de salários. Não tem a prerrogativa de ser detido apenas em
flagrante de crime inafiançável.
Segurança pública é um conjunto de ações e políticas públicas destinadas a garantir a incolumidade física e psicológica da pessoa humana num determinado grupo social, bem como sua convivência social ordenada e pacífica.
Toda atividade estatal destinada a dar segurança à sociedade é, portanto, de segurança pública. Assim, áreas de atuação que parecem estanques, na verdade, interagem entre si na busca pelo objetivo colimado: estudos de áreas de risco, levantamentos estatísticos de índices criminais, dentre outros.
Até mesmo ações vinculadas à saúde pública podem ter seus desdobramentos na segurança pública, como a prevenção e o tratamento no uso de drogas.
É claro que são necessários investimentos em equipamentos, em tecnologia, que os governos estaduais nunca fazem ou fazem em níveis insatisfatórios. E, como não poderia deixar de ser, falta investimento em pessoal.
O investimento em pessoal não diz respeito apenas à realização de concursos públicos, mas também à qualificação e ao preparo do pessoal já aprovado em concurso público e já atuando na polícia.
O foco, neste momento, é o delegado de polícia. Como investimentos custam dinheiro, e há sempre a premência de mostrar um resultado mais imediato à população, a estratégia é manter as ações centralizadas na atuação policial.
Nesta linha de raciocínio, não importa a prevenção do crime em si, não importa combatê-lo em sua origem, mas apenas atacá-lo em sua exteriorização mais evidente, notadamente as prisões de bandidos.
O método de concentrar-se mais em operações armadas e prisões de criminosos, por si só, não é eficaz. A lei penal frouxa e a justiça morosa estão aí para prontamente colocar o criminoso de volta às ruas, obrigando a novas ações policiais. E forma-se o círculo vicioso, numa dinâmica interminável, que não conduz a lugar algum.
Nesta ciranda, o delegado de polícia é instado a ser um soldado destinado a sair em campo, arma em punho, mostrando força, como se sua atividade não fosse carreira jurídica, mas antes um exercício do “operariado da segurança”.
As atribuições do delegado implicam que ele empunhe e até faça o uso necessário de seu armamento, mas de forma subsidiária, pois antes disso o delegado é operador do Direito, é carreira jurídica. Quem tem a função primeira de pegar em armas é o investigador. O delegado planeja estrategicamente. O investigador executa de forma operacional.
A tribuir maior importância a uma ação armada e menor importância à qualificação jurídica do delegado só contribui para apequenar a função policial, e é uma das razões pelas quais o delegado, até hoje, não conquistou seu lugar de direito na legislação nacional.
A solução
A solução dos problemas policiais está vinculada à solução de grande parte dos problemas da segurança pública. Os meios legislativos existem: propostas de emenda constitucional, sem necessidade de nova constituinte originária.
Os meios corporativos também existem: concursos, qualificação de pessoal, valorização do delegado como carreira jurídica, valorização do intelecto, estabelecimento de políticas públicas abrangentes e eficientes, maior mobilização da classe, não sujeição a pressões políticas, autonomia funcional são alguns dos caminhos a seguir.
Afinal, quem quer ser considerado operador de Direito e ter os mesmos benefícios e salários do Ministério Público ou do Judiciário tem que ter o mesmo preparo e conhecimento jurídico, o mesmo modo de vestir-se, portar-se, falar, a mesma qualidade de instalações e serviços, enfim, o mesmo grau de respeitabilidade.
*Líbero Penello de Carvalho Filho é delegado de Polícia Civil. Professor universitário de graduação e pós-graduação. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Escritor. Membro do IHEJ – Institut des Hautes Etudes sur la Justice – Instituto de Altos Estudos Jurídicos de Paris, França. Membro da ICLS – International Criminal Law Society (ICLS) / Gesellschaft für Völkerstrafrecht – Sociedade Internacional de Direito Criminal de Berlim, Alemanha. Sócio efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (Seção brasileira da “Société Internationale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale” – SIDTSS – Genebra – Suíça) – São Paulo.
Fonte: Revista Jurídica
No século XIX, delegado de polícia e juiz de Direito eram um só. O Poder Judiciário detinha as funções policiais e, mesmo quando foram dissociadas, o delegado de polícia continuou detentor de poder. Apenas para exemplificar, as audiências de alistamento militar eram conduzidas pelo juiz e pelo delegado, incumbindo ao Ministério Público apenas acompanhar tais audiências.
O tratamento constitucional dado aos delegados de Polícia e à Polícia Judiciária nunca foi claramente marcado, ao passo que o Ministério Público era mencionado nos textos constitucionais como função essencial à Justiça, mas a abordagem das constituições brasileiras, no que pertine aos membros do Parquet, era um tanto contida, resumida mesmo.
A partir da vigência da Constituição Federal de 1988, a Polícia Civil e os delegados de Polícia passaram a ter tratamento específico no âmbito constitucional. Também o Ministério Público e o Poder Judiciário experimentaram mudanças nesta transição constituinte, da ordem jurídica anterior a 1988 para a que atualmente vige entre nós.
Ocorre que, enquanto estas mudanças trouxeram vantagens, benefícios e mais poder para Ministério Público e Poder Judiciário, a Polícia Judiciária viu-se desprestigiada: o delegado já não mais solucionava as infrações de menor potencial ofensivo na própria Delegacia, já não mais tinha a iniciativa de expedir mandados de busca e apreensão.
O Ministério Público conquistou o direito de exercer o controle externo da atividade policial. O Poder Judiciário recebeu os poderes retirados do delegado de polícia. E a Emenda Constitucional 19/1998 veio retirar o cargo de delegado do rol das profissões integrantes de carreira jurídica, suprimindo o texto original do artigo 241 e alterando o artigo 135, ambos da Constituição de 1988.
O que ocorreu com a Polícia Judiciária, do século XIX até o presente, para que se visse em tal situação?
O problema do poder
A Polícia Judiciária é uma instituição à parte. Os delegados de polícia são operadores do Direito. Exercem juízo de valor. Mantêm ou não uma prisão em flagrante. Presidem inquéritos policiais. Nomeiam peritos. Supervisionam procedimento de escuta telefônica. Não se submetem, do ponto de vista funcional, a Poder Judiciário ou a Ministério Público. E, para completar, a Polícia Judiciária é um braço armado do Estado.
Como se vê, há razões suficientes para olhar com cuidado para a atuação dos profissionais da segurança pública no Brasil. E, desde a separação das funções de juiz de Direito e de delegado de polícia, a questão está malresolvida.
As maiores demonstrações do olhar diferente e cauteloso sobre a função policial são: até hoje não existe uma Lei Orgânica da Polícia Civil; ao contrário dos presidentes de Tribunais de Justiça e de procuradores estaduais de Justiça, os chefes de Polícia não são eleitos por votação direta entre seus pares; os juízes de Direito e os promotores de Justiça são localizados e transferidos por seus superiores hierárquicos, ao passo que os delegados de Polícia o são pelos secretários de Segurança Pública de seus estados; enquanto o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público possuem, em suas respectivas composições, membros do Parquet, do Judiciário, da Ordem dos Advogados do Brasil, mas não das polícias, a proposta de criação do Conselho Nacional de Polícia insere, em sua composição, magistrados e promotores.
Além disso, o delegado de polícia não é considerado integrante de carreira jurídica, não tem as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de salários. Não tem a prerrogativa de ser detido apenas em flagrante de crime inafiançável. O fato é que há uma velada disputa de poder entre as instituições, em parte por causa do histórico policial brasileiro.
Retrospecto policial brasileiro
Analisando a trajetória da Polícia Judiciária brasileira ao longo dos anos, é fácil notar que não é nada favorável à instituição. Enquanto Ministério Público e Poder Judiciário cuidavam de fortalecer-se e cercar-se de benefícios e garantias, a Polícia Judiciária parece ter sido colocada num pântano burocrático, onde ficou patinando por anos.
Com sua atuação controlada fortemente pela mão política, o resultado não podia ser outro: falta do devido tratamento legal; falta de preparo de seus integrantes; falta de concursos públicos, sendo que qualquer apaniguado político podia ser nomeado delegado; falta de investimento tecnológico; falta de cursos de reciclagem e de qualificação profissional.
Justiça seja feita, porém: não foi apenas a sombra pesada de regimes totalitários a responsável pelo processo reducionista, domador, da Polícia Judiciária. A inércia, a pouca combatividade e a falta de vontade de crescer vêm também de dentro da instituição. Se o Ministério Público, por exemplo, saiu da condição de mero espectador em audiências de alistamento militar no século XIX para função essencial à Justiça e controlador da atividade externa policial, por que os delegados não ganharam, e sim perderam poder ao longo dos anos?
O fato é que a categoria policial ficou inerte, por um lado, e atada ao poder político, por outro, com outra agravante: por ser um braço armado do Estado, foi utilizada como instrumento de opressão, por longos anos, em período crítico da história brasileira: o governo militar.
Revanchismo político
O fim do governo militar trouxe a democracia e, com ela, um enorme desejo de mudança. Nova Constituinte, nova Constituição, e em 5 de outubro de 1988 o Brasil tinha sua primeira Carta Constitucional libertadora.
A nova Constituição, porém, tinha mazelas típicas de um Poder Constituinte acostumado com um longo histórico republicano de tiranetes e golpes militares. O afã da liberdade produziu excessos que o tempo em parte corrigiu.
Uma parte destes excessos, porém, subsiste. Um deles é associar a Polícia Judiciária de hoje àquela do governo militar, com poderes ilimitados, sem obrigação de observância a direitos e garantias fundamentais, muitas vezes conduzida por pessoas inteiramente despreparadas para lidar com o poder.
Ainda sob a influência desta aura negativa da polícia, e temendo que tais excessos continuassem a ocorrer em plena Nova República, nossos parlamentares, com ajuda de lobbies eficientes, retiraram parcela significativa do poder dos delegados, deixaram de incluí-los como função essencial à Justiça e como operadores do Direito, como carreira jurídica, no texto constitucional.
O mito da polícia operária
A polícia não tem que ser operária, tem que ser intelectual. É recorrente a ideia de que segurança pública é igual a ação policial. Trata-se de pensamento limitado e que não expressa a realidade, muito mais complexa
(…) o delegado de polícia não é considerado integrante de carreira jurídica, não tem as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de salários. Não tem a prerrogativa de ser detido apenas em
flagrante de crime inafiançável.
Segurança pública é um conjunto de ações e políticas públicas destinadas a garantir a incolumidade física e psicológica da pessoa humana num determinado grupo social, bem como sua convivência social ordenada e pacífica.
Toda atividade estatal destinada a dar segurança à sociedade é, portanto, de segurança pública. Assim, áreas de atuação que parecem estanques, na verdade, interagem entre si na busca pelo objetivo colimado: estudos de áreas de risco, levantamentos estatísticos de índices criminais, dentre outros.
Até mesmo ações vinculadas à saúde pública podem ter seus desdobramentos na segurança pública, como a prevenção e o tratamento no uso de drogas.
É claro que são necessários investimentos em equipamentos, em tecnologia, que os governos estaduais nunca fazem ou fazem em níveis insatisfatórios. E, como não poderia deixar de ser, falta investimento em pessoal.
O investimento em pessoal não diz respeito apenas à realização de concursos públicos, mas também à qualificação e ao preparo do pessoal já aprovado em concurso público e já atuando na polícia.
O foco, neste momento, é o delegado de polícia. Como investimentos custam dinheiro, e há sempre a premência de mostrar um resultado mais imediato à população, a estratégia é manter as ações centralizadas na atuação policial.
Nesta linha de raciocínio, não importa a prevenção do crime em si, não importa combatê-lo em sua origem, mas apenas atacá-lo em sua exteriorização mais evidente, notadamente as prisões de bandidos.
O método de concentrar-se mais em operações armadas e prisões de criminosos, por si só, não é eficaz. A lei penal frouxa e a justiça morosa estão aí para prontamente colocar o criminoso de volta às ruas, obrigando a novas ações policiais. E forma-se o círculo vicioso, numa dinâmica interminável, que não conduz a lugar algum.
Nesta ciranda, o delegado de polícia é instado a ser um soldado destinado a sair em campo, arma em punho, mostrando força, como se sua atividade não fosse carreira jurídica, mas antes um exercício do “operariado da segurança”.
As atribuições do delegado implicam que ele empunhe e até faça o uso necessário de seu armamento, mas de forma subsidiária, pois antes disso o delegado é operador do Direito, é carreira jurídica. Quem tem a função primeira de pegar em armas é o investigador. O delegado planeja estrategicamente. O investigador executa de forma operacional.
A tribuir maior importância a uma ação armada e menor importância à qualificação jurídica do delegado só contribui para apequenar a função policial, e é uma das razões pelas quais o delegado, até hoje, não conquistou seu lugar de direito na legislação nacional.
A solução
A solução dos problemas policiais está vinculada à solução de grande parte dos problemas da segurança pública. Os meios legislativos existem: propostas de emenda constitucional, sem necessidade de nova constituinte originária.
Os meios corporativos também existem: concursos, qualificação de pessoal, valorização do delegado como carreira jurídica, valorização do intelecto, estabelecimento de políticas públicas abrangentes e eficientes, maior mobilização da classe, não sujeição a pressões políticas, autonomia funcional são alguns dos caminhos a seguir.
Afinal, quem quer ser considerado operador de Direito e ter os mesmos benefícios e salários do Ministério Público ou do Judiciário tem que ter o mesmo preparo e conhecimento jurídico, o mesmo modo de vestir-se, portar-se, falar, a mesma qualidade de instalações e serviços, enfim, o mesmo grau de respeitabilidade.
*Líbero Penello de Carvalho Filho é delegado de Polícia Civil. Professor universitário de graduação e pós-graduação. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Escritor. Membro do IHEJ – Institut des Hautes Etudes sur la Justice – Instituto de Altos Estudos Jurídicos de Paris, França. Membro da ICLS – International Criminal Law Society (ICLS) / Gesellschaft für Völkerstrafrecht – Sociedade Internacional de Direito Criminal de Berlim, Alemanha. Sócio efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (Seção brasileira da “Société Internationale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale” – SIDTSS – Genebra – Suíça) – São Paulo.
Fonte: Revista Jurídica
A reformulação da carreira de delegado passa pelas conquistas das garantias(inamovibilidade, irredutibilidade, vitaliciedade) à profissão como sobredito.
ResponderExcluirUma das iniciativas mais fáceis a tomar sem depender da aprovação do legislativo, é a criação de entidade nacional para a partir disso reinvidicar conquistas à classe.
Ou seja, cria o Conselho Nacional dos Delegados e após conjuntamente pressionar deputados de maneira mais eficaz.
A Polícia é o braço forte de um Estado. É a responsável por se ter um Estado É a personificação da idéia de Estado. A delegacia de policia é o acesso imediato ao poder estatal Seria em termos militares, a infantaria, a arma mais antiga e a dotada de maior efetivo, de importância ,si ne qua non, para o sucesso de uma operação militar.
ResponderExcluirO Delegado de Policia, atua diretamente, nas trincheiras da ultima ratio legis, o Direito Penal. Pelo princípio da intervenção mínima, tal direito, só atua na impotência dos outros direitos, em outros termos, só é chamado quando não há mais possibilidade de se solucionar o conflito social através dos institutos de outros ramos.
É patente o ”poder” do Delegado de Polícia na sociedade, ainda que se saiba da impropriedade dessa afirmação, pois, o poder é uno e indivisível, havendo apenas uma repartição de funções, idealizada por Montesquieu, atribuindo-se –lhes à instituições cujos nomes as auto designam: legislativo, executivo e judiciário.
Ainda que nessa repartição funcional, tenha-se a sobrepujança do poder legislativo, na perspectiva do Estado Legisferante, em que a decisão política fundamental é maior em sede da feitura das leis, é inegável que para aplicação destas se faça o uso do poder de policia estatal, cujo representante máximo, garantista e preparado para tanto é o Delegado de Polícia.
O desprestígio da carreira do Delegado de Policia se deve à gênese oportunista do nosso “pseudo estado democrático de direito”, que , em movimento centrípeto das elites, copiou-se o resultado das lutas e batalhas das revoluções democráticas , sobretudo dos Estados Unidos e da França, países em que se reconhecem o valor da polícia, tendo-se, a guisa de exemplos, a força mundial de intuições como FBI, CIA, Interpol e etc.
O que se teve para nós foi o nascimento de várias brechas que deram vazão a maneiras pouco dignas de se estabelecerem metas individuais, ao passo que, nossas instituições estatais tornaram-se glórias de pseudo-intelectuais que vêem no concurso publico uma maneira de dar azo aos seus ideais de novela das oito, pouco se importando com a presteza do serviço público, que devia ser encarado com abnegação e comprometimento e não como lamento de frustrações pessoais.
A carreira do delegado de policia faz parte desse quadro caótico de imundices e deturpações institucionais, porém, sabendo- de seu valor e, utilizando-se da comparação alhures feita, consola-nos o fato de que: é na dificuldade que a infantaria se agiganta!
A questão é que todos sabemos os motivos que nos levaram a esse estado de coisas. Podemos citar a desarticulação da categoria junto ao poder legislativo; a própria genese da instituição, sempre atrelada ao poderio (ou diria compadrio) político (ou seria politicagem?); falta de preparo intelectual de muitos integrantes; desrespeito às diretrizes mais elementares, quando se aceita que profissionais oriundos de outras instituições façam as vezes de "delegado de polícia", enfim, podería citar dezenas de razões.
ResponderExcluirO importante é que se tenha a noção da crise vivida e da necessidade da adoção de um novo paradgma, o qual venha possibilitar que os "arreiros" sejam desprendidos, permitindo uma atuação livre de ingerências da pesada e quase sempre inoportuna "mão política".
Dessa forma, reitero que muitos dos infortúnios pelos quais passamos são decorrentes da nossa própria inércia, é preciso agir, ir à luta, mostrar que não há mais espaço para a polícia dos "suseranos", que somos sim uma instituição forte e que merece o reconhecimento, é preciso reerguer o gigante que adormece!
Márcio Dominici