terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Aliança nacional de combate ao crack

Ministério da Justiça prepara aliança nacional de combate ao crack


Denise Rothenburg Leonardo Cavalcanti Alana Rizzo
Ao abrir a segunda semana de trabalho, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, começa a dar os primeiros passos para cumprir uma meta que se impôs desde o dia em que soube que ocuparia o cargo: combater o avanço das drogas, em especial do crack, com todas as armas de que dispõe. Ele pretende conversar até sexta-feira com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para montar ações conjuntas de tratamento de dependentes químicos. Por orientação da presidente Dilma Rousseff, percorrerá estados — começará pelo Rio e por São Paulo — em busca de uma aliança com governadores para integração das polícias Federal, Civil e Militar, e das áreas de inteligência. “O crack é a pior das drogas. É a pior porque é barata na sua fabricação, fácil de ser produzida e traz um dano à saúde brutal”, disse em entrevista exclusiva ao Correio. Neste périplo com governadores, Cardozo pretende preparar os caminhos para o destino da Proposta de Emenda Constitucional que cria um piso nacional para policiais e bombeiros — a PEC 300 — e ainda a reunião com Dilma Rousseff para tratar do Plano Nacional de Combate ao Crime Organizado. Cardozo quer ser responsável pelo debate em torno da descriminalização das drogas: “Pessoalmente tenho dúvidas que a discussão social deverá me esclarecer. Nunca uma sociedade pode se privar de uma discussão”. Quanto ao papel político do Ministério da Justiça, no sentido de articulação com o Congresso e com o Judiciário, o ministro se coloca à disposição da presidente Dilma. “Farei o que ela me pedir”, diz. Quanto ao Judiciário, vem aí a Secretaria de Assuntos Judiciários, o novo nome da Secretaria de Reforma do Judiciário. “Quando todos os Poderes atuam de forma harmoniosa o Estado ganha”, afirmou Cardozo, que já conversou com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso.
Aliança nacional de combate ao crack
O que representa a vinda da Secretaria Nacional Antidrogas para a sua pasta?
Tem uma característica de integração da política antidrogas com a Segurança Pública e com a Secretaria Nacional de Justiça, que deve atuar correlacionada a todas as outras áreas. Tem papel preventivo e agora de integracão com a área de segurança. Será coordenadora das atividades antidrogas relacionadas a todas as outras unidades que tratam do assunto. Terá política de prevenção, repressiva, já que tem que ter uma interface com a Polícia Federal. Essa ideia de caixas que não se comunicam qualifica um equívoco administrativo. Vamos pensar de forma integrada.
O crack é uma droga recente e que atinge famílias. Como o senhor pensa uma política para combater especificamente essa droga?
O crack é a pior das drogas. É a pior porque é barata na sua fabricação, fácil de ser produzida e traz um dano à saúde brutal. É uma droga perversa demais sob todos os aspectos e portanto exige uma atenção especial e todo um conjunto de ações preventivas, repressivas e que devem estar casadas. Isso tudo será desenvolvido pelo ministério, pela Senad e vai fazer parte da discussão nos estados.
O senhor é a favor da descriminalização das drogas?
Sou favorável a que se discuta o assunto. Pessoalmente, tenho dúvidas que a discussão social deverá me esclarecer profundamente. Nós temos que discutir essa questão com abertura, sem dogmas, quero uma discussão aprofundada, com critérios científicos, temos que analisar experiências internacionais, com transparência pela sociedade. É um problema que tem que ser discutido porque existem argumentos muito positivos dos dois lados. Qualquer posição não discutida pode ser retrógrada ou vanguardista em excesso. Nunca uma sociedade pode se privar de uma discussão porque senão você pode ter medidas vanguardistas que a sociedade não está preparada. Do outro lado, se você não discutir pode perder a oportunidade de avançar. O ministério sempre teve um papel político no contato com parlamentares.
Quais as diferenças entre o Ministério da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva?
São duas situações completamente diferentes. No governo Lula, houve teve toda uma política muito diferenciada. Por exemplo, uma busca maior de integração nos estados, que é o que eu hoje pretendo dar continuidade. Na Polícia Federal, teve uma linha de reformulação sobre vários aspectos. A PF passou a ter uma atuação mais republicana e reforçando a ideia de que a PF não é uma policia de um governo. É uma polícia de um Estado, e de que independe daqueles que estão sendo investigados. A polícia teve autonomia. Esse tipo de situação também foi provocado por melhorias administrativas. A PF tem hoje um padrão de gestão impressionante e que só foi possível com melhorias nas condições de trabalho. Hoje temos uma polícia bem remunerada e com a autoestima elevada. Isso tudo marcou o governo Lula em contraponto com FHC.
Mas houve críticas de que a Polícia Federal privilegiou ações contra a oposição.
O que não é verdade. Ocorreram investigações tanto de pessoas ligadas ao governo quanto não, pessoas do sistema financeiro, governadores, políticos com mandato.
O senhor tem criticado o que chama de “espetacularização” das operações da Polícia Federal. Esse tipo de operação contribui para a ideia de que a polícia prende e a Justiça manda soltar?
Hoje a espetacularização já não mais existe. E quero que continue como está. Não vejo qualidade na ideia da investigação espetáculo. Só defeito. Ela prejudica a própria investigação porque dá publicidade e atrapalha. A prisão apoteótica não contribui em nada, prejudica, produz marolas e do outro lado ainda é uma ofensa aos direitos individuais. Ações espetacularizadas acabam levando a linchamento de pessoas que não foram julgadas. Uma prisão é uma prisão. Já vimos situações em que a pessoa era inocente. Não vamos admitir espetáculos.
Qual é a posição do senhor sobre o uso de algemas, regulamentado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal?
Está normatizado e vamos respeitar. A polícia só deve usar quando for necessário e o policial sabe bem identificar essas situações. O uso não tem a ver com poder econômico. Não é porque uma pessoa é rica que ela não precisa usar algemas. Nenhum policial pode ser preconceituoso a esse ponto. Se fizer isso, está indo contra a lei. As algemas devem ser usadas quando há risco.
Qual é a missão que a presidente Dilma lhe deu? Como executá-la?
O governo tem uma diretriz. O combate ao crime organizado, à violência e às drogas é a prioridade do Ministério da Justiça e da Dilma. Começo agora uma série de viagens. Marcamos a ida para o Rio para encontrar com o governador Sérgio Cabral e sua equipe de segurança pública. Em seguida, para São Paulo com o governador Geraldo Alckmin, Espírito Santo e Minas Gerais. Posteriormente, faremos uma reunião nacional dos secretários de Segurança Pública e vamos discutir uma pauta da reunião dos governadores com a presidente. Vamos comparecer nos estados para observar, ouvir os governadores na perspectiva de construir essa aliança, esse pacto. A ideia não é imposição.
Tem recurso para o pacto? E como fica a questão salarial dos policiais, o que influencia diretamente na questão da corrupção policial?
As ações precisam ser adequadas aos recursos, senão não seria um pacto factível. Vou discutir com os governadores e com os secretários. A questão salarial é fundamental, a questão da corrupção é o centro a ser combatido. Sei das dificuldades para se combater uma corrupção estrutural, mas temos que enfrentar. A questão salarial deve se prender a uma visão realista dos nossos orçamentos federal e estaduais. Não adianta termos sonhos de verão irrealizáveis.
E como fica a votação da PEC 300?
Só haverá acordo dentro de condições orçamentárias factíveis. É uma PEC que precisa ser avaliada pelos governadores. Há vários problemas de resistência sobre ela, o que não significa que não buscaremos alternativas para equalizar a questão salarial. Dentro do próprio Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), temos a questão das bolsas. Quero sentar e trabalhar essa questão, que é importante, mas temos que ser realistas. Vamos conversar com os governadores.
O senhor fez parte da coordenação da campanha presidencial, terá também um papel político na articulação do governo?
Se a presidente achar que devo desenvolver alguma tarefa nessa área, eu farei. Se convocado farei o que ela me pedir. Se não, cumprirei as tarefas legais do cargo.
O governo Lula não teve um contato direto com o Supremo. O senhor vai articular essa relação com o Judiciário?
O ministério tem uma interface com o Judiciário. A Secretaria de Reforma do Judiciário vai ter o nome alterado para Secretaria de Assuntos Judiciários. É uma secretaria que obviamente não tem como objetivo intervir, porque são poderes autônomos. Mas busca desenvolver a política de apoio. A nossa ideia é, no limite da lei, atuar em estreita colaboração com o Supremo, com o Poder Judiciário como um todo. Quando os poderes atuam de forma harmoniosa ganha o Estado. Temos como exemplo as reformas aprovadas no Congresso do Código Civil e de Processo Penal. O ministério vai entrar na discussão.
Qual é a posição do senhor sobre a revisão da Lei da Anistia? O senhor considera que crimes comuns cometidos durante o período da ditadura devam ser anistiados?
Eu tinha uma posição — não como ministro — muito semelhante à do Tarso Genro nessa questão. Ocorre que houve uma sentença do Supremo Tribunal Federal (STF) decidindo no ordenamento jurídico e não podemos menosprezar a existência de uma sentença, apesar de ainda não ter transitado em julgado. Recentemente, tivemos uma decisão de uma Corte internacional apreciando essa matéria. Pedi um estudo jurídico para analisar as consequências disso, embora a Corte internacional tenha uma aplicação moral e nós aqui uma situação de sentença judicial. Tudo isso será analisado pela nossa equipe, os desdobramentos jurídicos daqui pra frente.
O aumento do número de usuários de crack transformou o combate à entrada da droga no país em uma política de Estado. O potencial nocivo do entorpecente, que foi criado na década de 1980 como uma variável mais barata da cocaína, ficou marcado pela destruição e pela dependência que o crack provoca nos usuários. Além de combater a droga por meio do sistema de segurança pública, órgãos de saúde também foram convocados para o embate. Um usuário de crack pode perder até 10kg por mês como reflexo do consumo da droga.

O entorpecente ainda apresenta efeitos mais nocivos do que a cocaína e a maconha de atuação no sistema nervoso, em relação à dependência química, o que dificulta o processo de desintoxicação. O preço da droga, estimado em R$ 5 por pedra, torna a característica do tráfico em varejo, dificultando os mecanismos de apreensão e vigilância. A ação do entorpecente e a busca dos viciados por mais crack também são fatores de ampliação do número de furtos e homicídios.

Por enquanto, as políticas ainda esbarram na falta de recursos. Programas de enfrentamento ao crack e outros entorpecentes contam apenas com R$ 140 milhões anuais para investir na ampliação de leitos para tratamento de viciados, unidades de apoio às famílias de dependentes e ações educativas. Na rede pública hospitalar do país, só 2.500 leitos estão disponíveis para o tratamento de viciados. Pesquisas mostram que o número de dependentes de crack no Brasil pode chegar a 1,2 milhão de pessoas, distribuídas em mais de 4 mil cidades.

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