domingo, 30 de janeiro de 2011

Operações Policiais - Art. 54 da Lei 9605/98, Poluição Sonora e o Papel do Delegado de Polícia


Recentemente a polícia civil/MA parece ter retomado o controle das operações de combate à “poluição sonora” na grande São Luís, operações que até então estavam sob a batuta do ministério público.
No entanto, seja em relação à famigerada operação “manzuá”, seja mais recentemente em relação às operações deflagradas pela SSP, PC, PM, MP e demais órgãos estatais, uma questão vem à tona, qual seja: A conduta de ouvir som automotivo, ainda que em limites que violem aos estabelecidos em normativos, encontra subsunção ao tipo penal previsto no art. 54 da Lei 9605/98?
Antes que tudo, para melhor compreender a matéria trago à colação as seguintes decisões:
Superior Tribunal de Justiça Ag. 1097.242/2009
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.097.242 - RS (2008/0208652-8)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AGRAVADO : H B H DA S
ADVOGADO : LUIZ ALFREDO SCHUTZ - DEFENSOR PÚBLICO E OUTROS
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 54, CAPUT, DA
LEI N.º 9.605/98. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA N.º 7 DESTA
CORTE. RECURSO DESPROVIDO.
Acórdão nº 70023811755 de Tribunal de Justiça do RS, Quarta Câmara Criminal, 29 de Maio de 2008 HABEAS CORPUS. POLUIÇÃO SONORA. A poluição sonora, ainda que em patamares elevados, não é capaz de causar alterações substanciais no meio ambiente, que é o bem jurídico penalmente tutelado pela Lei 9.605/98. Fato atípico. Ordem concedida. (Habeas Corpus Nº 70023811755, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo, Julgado em 29/05/2008)
Acórdão nº 70017730052 de Tribunal de Justiça do RS, Quarta Câmara Criminal, 25 de Janeiro de 2007 HABEAS CORPUS. POLUIÇÃO SONORA. A poluição sonora, ainda que em patamares elevados, não é capaz de causar alterações substanciais no meio ambiente, que é o bem jurídico penalmente tutelado pela Lei 9.605/98. Fato atípico. Ordem concedida. (Habeas Corpus Nº 70017730052, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo, Julgado em 25/01/2007)
Acórdão nº 70033730151 de Tribunal de Justiça do RS, Quarta Câmara Criminal, 18 de Março de 2010 APELAÇÃO. LEI 9.605/98. ART. 54, § 2º, INCISO V. POLUIÇÃO SONORA. FATO ATÍPICO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. DECISÃO MANTIDA. A poluição sonora, mesmo em patamares elevados, não é capaz de causar alterações substanciais no meio ambiente, não se amoldando ao tipo penal do art. 54 da Lei 9605/98. Absolvição sumária mantida. Apelo do Ministério Público improvido. (Apelação Crime Nº 70033730151, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 18/03/2010).
Existem ainda inúmeras decisões contrárias à aplicação do art. 54 ao caso em comento v.g São eles: HC 70010073849, j. 04.11.2004, Dês. José Eugênio Tedesco; AC 70009367632.3 16.06.2005. Ora. Lúcia de Fátima Ccweira; HC 70012955266, j 20.10.2005, Dês. José Eugênio Tedesco; AC 70012892485, j. 17.11 2005, 3.2006, Dês. Gaspar Marques Baiista; A.C 70014342'321, ]. 08.06.2006, Dês. José Eugênio Tedesco; AC 70015706708, j. 27.07.2006.
Primeiro parece-nos claro que a despeito de qualquer discussão acerca da possibilidade do enquadramento da poluição sonora pelo art. 54 da lei 9605/98 e são inúmeras as decisões nesse sentido, o festejado tipo penal requer o dolo específico, a real intenção de poluir o ambiente em níveis tais que causem ou possam causar perigo para a saúde humana.

Assim uma pessoa sentada ao lado de seu automóvel, em uma praia, apreciando o mar, o sol e que esteja ouvindo músicas em decibéis que ultrapassem o permissivo legal, teria o DOLO de causar a poluição ambiental a que remete o art. 54 da lei 9605/98? Deseja assim causar perigo para a saúde humana, ou seja, daqueles que estão próximos ouvindo o mesmo som?
Segundo não se deve olvidar que quando da publicação da Lei de crimes ambientais, houve o veto presidencial ao art. 59 da referida lei, o qual tratava especificamente da poluição sonora, ipsis literis: “Produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades: Pena – detenção de três meses a um ano e multa”.
Na oportunidade a Presidência da República apresentou como razões ao veto o seguinte: “O bem juridicamente tutelado é a qualidade ambiental, que não poderá ser perturbada por poluição sonora, assim compreendida a produção de sons, ruídos e vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades. Tendo em vista que a redação do dispositivo tipifica penalmente a produção de sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as normas legais ou regulamentares, não a perturbação da tranqüilidade ambiental provocada por poluição sonora, além de prever penalidade em desacordo com a dosimetria penal vigente, torna-se necessário o veto do art. 59 da norma projetada”.
È amplamente majoritária a jurisprudência no sentido de que o art. 54 da Lei 9605/98 diz respeito ao meio ambiente, não guardando relação com a provocada por uso abusivo de instrumentos musicais.
Também é verdade que quando órgãos estatais desejam a Lei pode ser usada para resguardar atos pouco aceitáveis, afinal todos sabem que as condutas de Hitler, Mussolini e tantos outros tiveram base legal, ou seja, tais protagonistas fizeram o que fizeram com base na lei de seus países ou com base no entendimento que tinham de tais leis.
Não se nega de forma alguma os transtornos causados por aqueles que, sem qualquer respeito ao direito de outros, precisem ouvir músicas em volume inadequado ao meio social, afinal ninguém está obrigado a ouvir o desagradável tecno brega, o forró ou qualquer outro ritmo musical tão somente em função do sujeito possuir um potente aparato automotivo, trata-se de uma questão de educação, de saber portar-se em uma sociedade onde o seu direito termina quando começa o direito do próximo.
Ocorre que tal conduta, ligar os caros e imponentes sons automotivos ou caixas de som de bares e assemelhados em decibéis violadores dos direitos dos demais cidadãos, poderá encontrar abrigo em outros tipos penais, não se mostrando adequado e correto a aplicação do art. 54 da Lei 9605/98. (por qual razão não se formaliza um Termo Circunstanciado de Ocorrência e junto a este se providencia a apreensão das caixas de som e assemelhados remetendo tudo à justiça? Tal medida me parece mais correta e proporcional.)
A autuação em flagrante de uma pessoa com base no art. 54 da lei 9605/98 em virtude de estar ouvindo som automotivo em limites superiores às determinações legais fere o princípio da legalidade, da proporcionalidade, da taxatividade, não sendo demais recordar o caráter subsidiário do direito penal – ultima ratio.
Ante o exposto não se pode concordar com as autuações em flagrante levadas a efeito durante as operações policias e do Ministério Público, tais medidas não encontram abrigo nas Leis e Estatutos brasileiros.
É importante lembrar que cabe ao delegado de polícia, livre de qualquer intromissão e ou pressão a subsunção, em tese, da conduta ilícita que lhe é apresentada ainda no calor dos fatos, ainda que tal tipificação seja primária, dela podendo discordar o titular da ação penal.

Por: Márcio Dominici- Delegado de Polícia-MA







7 comentários:

  1. Excelente artigo colega, abraços, Delegado Zilmar Codó/MA.

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  2. Muito interessantes as proposições ora lançadas. MVC

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  3. Ao arrepio do direito, tais operações são lançadas por motivos circenses. Parabéns pela manifestação!

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  4. Concordo com o nobre delegado que essas ações são estritamente de caráter circense. E me atrevo a dizer que membros do MP tem feito delas bandeira para promoção social.

    Uma lástima!!!

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  5. Tudo é uma questão de ponto de vista.

    Se acha jurisprudência hoje pra tudo.

    Olha essa do STJ:
    PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. DIREITO AO
    SILÊNCIO. POLUIÇÃO SONORA. ART. 3°, III, ALÍNEA "E", DA LEI
    6.938/1981. INTERESSE DIFUSO. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO
    PÚBLICO.
    1. Hipótese de Ação Civil Pública ajuizada com o fito de cessar
    poluição sonora causada por estabelecimento comercial.
    2. Embora tenha reconhecido a existência de poluição sonora, o
    Tribunal de origem asseverou que os interesses envolvidos são
    individuais, porquanto afetos a apenas uma parcela da população
    municipal.
    3. A poluição sonora, mesmo em área urbana, mostra-se tão nefasta
    aos seres humanos e ao meio ambiente como outras atividades que
    atingem a "sadia qualidade de vida", referida no art. 225, caput, da
    Constituição Federal.
    4. O direito ao silêncio é uma das manifestações jurídicas mais
    atuais da pós-modernidade e da vida em sociedade, inclusive nos
    grandes centros urbanos.
    5. O fato de as cidades, em todo o mundo, serem associadas à
    ubiqüidade de ruídos de toda ordem e de vivermos no país do carnaval
    e de inumeráveis manifestações musicais não retira de cada
    brasileiro o direito de descansar e dormir, duas das expressões do
    direito ao silêncio, que encontram justificativa não apenas ética,
    mas sobretudo fisiológica.
    6. Nos termos da Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio
    Ambiente), também é poluição a atividade que lance, no meio
    ambiente, "energia em desacordo com os padrões ambientais
    estabelecidos" (art. 3°, III, alínea "e", grifei), exatamente a
    hipótese do som e ruídos. Por isso mesmo, inafastável a aplicação do
    art. 14, § 1°, da mesma Lei, que confere legitimação para agir ao
    Ministério Público.
    7. Tratando-se de poluição sonora, e não de simples incômodo
    restrito aos lindeiros de parede, a atuação do Ministério Público
    não se dirige à tutela de direitos individuais de vizinhança, na
    acepção civilística tradicional, e, sim, à defesa do meio ambiente,
    da saúde e da tranqüilidade pública, bens de natureza difusa.
    8. O Ministério Público possui legitimidade para propor Ação Civil
    Pública com o fito de prevenir ou cessar qualquer tipo de poluição,
    inclusive sonora, bem como buscar a reparação pelos danos dela
    decorrentes.
    9. A indeterminação dos sujeitos, considerada ao se fixar a
    legitimação para agir na Ação Civil Pública, não é incompatível com
    a existência de vítimas individualizadas ou individualizáveis,
    bastando que os bens jurídicos afetados sejam, no atacado,
    associados a valores maiores da sociedade, compartilhados por todos,
    e a todos igualmente garantidos, pela norma constitucional ou legal,
    como é o caso do meio ambiente ecologicamente equilibrado e da
    saúde.
    10. Recurso Especial provido.

    Se todo mundo colocasse a mão na massa esse estado seria muito melhor, mas ao contrário, é todo mundo querendo fazer média.

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  6. Sim, jurisprudência tem pra todo gosto, não obstante esta seja amplamente contrária àaplicação do caput do art. 54 aos casos exemplificados. Temos o §1º do msmo artigo que poderia ser facilmente aplicado ou ainda o art. 42 da LCP, mas o caput não! fere todos os princípios de direito e aplicá-lo nesses casos, isso sim é fazer média p imprensa! é querer aparecer às custas do sofrimento alheio. Perceba que o artigo que tratava de poluição sonora de forma taxativa foi VETADO! mas agradeço sua colaboração, críticas são necessárias para melhorar o trabalho.

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  7. JurisprudÊncia não é a única fonte do direito e por vezes é falha, também movida por aspectos extravagantes e midiáticos.
    Na atual conjectura garantista das ciências criminais soa como verdadeira aberração a prisão nas hipóteses explanadas pelo autor do texto e corrobora-se no sentido de se cobrar das Autoridades Policiais a análise desses casos com a propriedade devida de legitímos e capacitados operadores do direito.

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