Quis custodiet ipsos custodes?
por EDUARDO MAHON
A campanha nacional deflagrada pelo Ministério Público
pela conquista de mais poder demonstra que o substancial calibre da comunicação
desta instituição inclina a mídia em benefício próprio. Sem qualquer receio de
polêmica e prosseguindo a dispensar citações enfadonhas de dispositivos legais
e do costumeiro juridiquês, nossa missão é fazer o democrático contraponto.
Gostaria de apresentar alguns argumentos que, pelo simples bom senso, conduzem
a um ponto de vista diverso do que as apocalípticas trombetas que foram soadas
contra o Projeto de Emenda Constitucional 37.
De fato, a investigação não é exclusividade
policial. Há vários tipos de prospecção de informações: parlamentar,
financeira, eleitoral, militar, administrativa e, entre outras, a policial. E a
multiplicidade investigativa é uma das falácias ministeriais que fundamenta
mais uma atribuição que está ausente na Constituição: o poder de conduzir
inquéritos. No entanto, é importante sublinhar que todas as formas de apuração
de ilícitos cíveis e penais estão plasmadas em lei, regulamentadas por procedimentos
específicos, com formalidades que atendem ao devido processo legal, o que não
ocorre com as investigações do Ministério Público. Talvez a sociedade não
saiba, mas não há qualquer regulação legislativa para a atuação indiciária de
promotores e procuradores. Estão desamarrados de qualquer limite, porque não há
prazos, não há começo, meio ou fim. Numa palavra – arbítrio.
Outra reflexão que gostaria de fomentar é, na
verdade, um apelo pela lógica sistêmica. O inquérito policial é dispensável
para a acusação. pode haver denúncia sem inquérito. No entanto, a lei
processual determina que, caso um promotor fique insatisfeito com as
investigações, requisitará (determinará) ao delegado que faça novas
diligências. O Código de Processo Penal em momento algum afirma que, caso fique
frustrado com as provas colhidas pela autoridade policial, possa o próprio
promotor conduzir novas investigações ou produzir provas, na fase preliminar. E
não prevê essa hipótese por um motivo simples: não pode presidir a investigação
o promotor que deve ficar distante. Isso porque deve o Ministério Público ser
imparcial, ou seja, ao mesmo tempo em que acusa, mantem-se fiscal externo da
atividade policial. De fora, supervisiona e fiscaliza a atividade policial,
mantendo-se equidistante.
Uma terceira questão interessante diz respeito à
seletividade probatória. Como o delegado não oferece acusação alguma, a
autoridade policial não dá opinião sobre o crime, apenas relata os fatos que
colheu no inquérito e encaminha os autos ao Ministério Público. Muito ao
contrário, os promotores são responsáveis pela promoção da ação penal. E daí?
Daí que, no atual sistema, o delegado não pode “selecionar” quais depoimentos
serão incluídos ou excluídos do inquérito, porque todo o conjunto probatório
deve ser apresentado. Caso haja investigação direta por promotores (repita-se:
não regulamentada por nenhuma lei brasileira), nada garante ao cidadão
indiciado e posteriormente acusado que haverá ali todos os depoimentos, todas
as provas, todos os documentos e não apenas aqueles selecionados pela acusação
a conduzir um quadro que se inclina à própria atividade acusatória.
À sombra do terrorismo panfletário que a campanha
do Ministério Público quer impor à sociedade brasileira, a verdade é bem
simples: o poder investigativo é mais uma atribuição que quer acumular uma das
instituições mais fortes do sistema jurídico brasileiro. Enquanto isso, a
polícia fica enfraquecida, desaparelhada, desestabilizada, sem planos de cargos
e salários, sem garantias constitucionais que permitam descolar do Poder
Executivo e que possibilitariam justamente o que o Ministério Público alardeia:
o descompromisso político, a independência pra investigar, o preparo técnico, o
uso da inteligência de informação.
Parece-me que o caso resume-se em cobrir a cabeça
de um santo com o chapéu do outro. Promotores não são nem mais sérios, nem mais
honestos, nem mais isentos do que delegados de polícia. Simplesmente, ganham
mais e têm mais vantagens. Apenas isso. Seria muito mais inteligente e econômico
aparelhar a polícia investigativa de ferramentas que possibilitem uma
investigação aprofundada de quem já é preparado para um inquérito, do que criar
divisões especiais, com redobrado investimento público. Já sabemos quem
fiscaliza a polícia. No caso de investigações diretas, quem fiscalizaria o
fiscal? Quem nos guardará dos guardiões? Essa pergunta que remete ao título
sugere a necessidade de limitação de poder, já sabida pelos romanos há mais de
dois mil anos.
Eduardo Mahon é advogado.
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