domingo, 7 de abril de 2013

À sombra do terrorismo panfletário que a campanha do Ministério Público quer impor, a verdade é bem simples: promotores não são nem mais sérios, nem mais honestos, nem mais isentos do que delegados de polícia. Simplesmente, ganham mais e têm mais vantagens. Apenas isso.



Eduardo Mahon argumenta que "todas as formas de apuração de ilícitos cíveis e penais estão plasmadas em lei, regulamentadas por procedimentos específicos, com formalidades que atendem ao devido processo legal, o que não ocorre com as investigações do Ministério Público"

Quis custodiet ipsos custodes?
por EDUARDO MAHON
A campanha nacional deflagrada pelo Ministério Público pela conquista de mais poder demonstra que o substancial calibre da comunicação desta instituição inclina a mídia em benefício próprio. Sem qualquer receio de polêmica e prosseguindo a dispensar citações enfadonhas de dispositivos legais e do costumeiro juridiquês, nossa missão é fazer o democrático contraponto. Gostaria de apresentar alguns argumentos que, pelo simples bom senso, conduzem a um ponto de vista diverso do que as apocalípticas trombetas que foram soadas contra o Projeto de Emenda Constitucional 37.
De fato, a investigação não é exclusividade policial. Há vários tipos de prospecção de informações: parlamentar, financeira, eleitoral, militar, administrativa e, entre outras, a policial. E a multiplicidade investigativa é uma das falácias ministeriais que fundamenta mais uma atribuição que está ausente na Constituição: o poder de conduzir inquéritos. No entanto, é importante sublinhar que todas as formas de apuração de ilícitos cíveis e penais estão plasmadas em lei, regulamentadas por procedimentos específicos, com formalidades que atendem ao devido processo legal, o que não ocorre com as investigações do Ministério Público. Talvez a sociedade não saiba, mas não há qualquer regulação legislativa para a atuação indiciária de promotores e procuradores. Estão desamarrados de qualquer limite, porque não há prazos, não há começo, meio ou fim. Numa palavra – arbítrio.
Outra reflexão que gostaria de fomentar é, na verdade, um apelo pela lógica sistêmica. O inquérito policial é dispensável para a acusação. pode haver denúncia sem inquérito. No entanto, a lei processual determina que, caso um promotor fique insatisfeito com as investigações, requisitará (determinará) ao delegado que faça novas diligências. O Código de Processo Penal em momento algum afirma que, caso fique frustrado com as provas colhidas pela autoridade policial, possa o próprio promotor conduzir novas investigações ou produzir provas, na fase preliminar. E não prevê essa hipótese por um motivo simples: não pode presidir a investigação o promotor que deve ficar distante. Isso porque deve o Ministério Público ser imparcial, ou seja, ao mesmo tempo em que acusa, mantem-se fiscal externo da atividade policial. De fora, supervisiona e fiscaliza a atividade policial, mantendo-se equidistante.
Uma terceira questão interessante diz respeito à seletividade probatória. Como o delegado não oferece acusação alguma, a autoridade policial não dá opinião sobre o crime, apenas relata os fatos que colheu no inquérito e encaminha os autos ao Ministério Público. Muito ao contrário, os promotores são responsáveis pela promoção da ação penal. E daí? Daí que, no atual sistema, o delegado não pode “selecionar” quais depoimentos serão incluídos ou excluídos do inquérito, porque todo o conjunto probatório deve ser apresentado. Caso haja investigação direta por promotores (repita-se: não regulamentada por nenhuma lei brasileira), nada garante ao cidadão indiciado e posteriormente acusado que haverá ali todos os depoimentos, todas as provas, todos os documentos e não apenas aqueles selecionados pela acusação a conduzir um quadro que se inclina à própria atividade acusatória.
À sombra do terrorismo panfletário que a campanha do Ministério Público quer impor à sociedade brasileira, a verdade é bem simples: o poder investigativo é mais uma atribuição que quer acumular uma das instituições mais fortes do sistema jurídico brasileiro. Enquanto isso, a polícia fica enfraquecida, desaparelhada, desestabilizada, sem planos de cargos e salários, sem garantias constitucionais que permitam descolar do Poder Executivo e que possibilitariam justamente o que o Ministério Público alardeia: o descompromisso político, a independência pra investigar, o preparo técnico, o uso da inteligência de informação.
Parece-me que o caso resume-se em cobrir a cabeça de um santo com o chapéu do outro. Promotores não são nem mais sérios, nem mais honestos, nem mais isentos do que delegados de polícia. Simplesmente, ganham mais e têm mais vantagens. Apenas isso. Seria muito mais inteligente e econômico aparelhar a polícia investigativa de ferramentas que possibilitem uma investigação aprofundada de quem já é preparado para um inquérito, do que criar divisões especiais, com redobrado investimento público. Já sabemos quem fiscaliza a polícia. No caso de investigações diretas, quem fiscalizaria o fiscal? Quem nos guardará dos guardiões? Essa pergunta que remete ao título sugere a necessidade de limitação de poder, já sabida pelos romanos há mais de dois mil anos.
Eduardo Mahon é advogado.

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