Antes
de qualquer posicionamento é imperativo que se estabeleça a real dimensão e
conteúdo desta discussão. Sem sofismas e sem terrorismo midiático.
Frise-se,
por oportuno, que a PEC em nada altera os poderes e atribuições do MP,
apenas deixa explícito o que já dispõe a legislação pátria, conforme tem
afirmado ampla comunidade jurídica (OAB
nacional e várias seccionais, AGU, Defensorias, juristas como Luis Flávio
Gomes, Luís Roberto Barroso, Ives Gandra, Guilherme Nucci, César R. Bitencourt
e outros)
Sabe-se
que o direito é pura interpretação e que a interpretação não se esgota, mas
veremos mais à frente que em determinadas áreas a interpretação deva ser
restrita, não comporta devaneios e contorcionismos jurídicos a fim de
satisfazer a gana por poder de uma instituição ou outra.
Não olvidar que o MP já tentou por sete
vezes aprovar emendas à Constituição e todas foram rejeitadas pelo legislador,
de forma que esse poder que hoje eles alegam possuir, não parece ser tão claro.
Mas
afinal se está discutindo? Se o MP é melhor ou pior que a polícia? Se é mais
eficiente ou ineficiente?
Na
verdade a discussão tem como foco saber, com base na técnica jurídica, SE dentro
do sistema legal vigente NESTE PAÍS, SE dentro do atual Estado Democrático de Direito
(Estado regido por LEIS) a investigação criminal autônoma realizada pelo MP é
LEGAL. A resposta que se impõe é única: NÃO!
O
enfoque aqui será dado basicamente aos pontos que o MP tem batido
constantemente: 1 - A PEC de alguma
forma interfere nas atribuições de órgãos como BACEN, IBAMA, RECEITA e CPI´s? 2
- A PEC interfere nas atribuições constitucionais do MP, haverá prejuízo ao
combate à corrupção? 3 - As
investigações criminais realizadas pelo MP são válidas? 4 - A nível
internacional como se dá a persecução criminal? 5 - Qual entendimento hoje da
jurisprudência? 6 – A PEC 37 é incompatível com o propósito de compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil?
1 - A PEC não interfere no funcionamento
de órgãos como Receita, Ibama e outros. Todos continuarão com suas
atribuições normais. Tais órgãos não desempenham e nunca desempenharam
investigações criminais, suas
fiscalizações e relatórios administrativos, no entanto, poderão continuar sendo
feitos e encaminhados diretamente ao MP ( ou mesmo á polícia), o qual poderá
optar entre denunciar ou requisitar mais diligências policiais. Portanto, não é verdade que a PEC proibirá
a fiscalização administrativa desses entes. Prevê, ainda, a PEC em um de seus
substitutivos que todas as investigações (ilegais) realizadas pelo MP até a
aprovação da Emenda serão convalidas.
2 - A PEC em absoluto interfere em
qualquer atribuição constitucional ou legal do MP.
Art. 129. São funções institucionais do
Ministério Público:
I - promover,
privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - ...
III - promover
o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos
A
Carta Magna não fala em momento algum que o MP poderá iniciar investigações sponte própria, atribui apenas a
importante missão de promover o inquérito
civil e a ação civil, que por óbvio não se confundem com investigação criminal,
de sorte que onde há definição de
atribuições explícitas não pode haver interpretações implícitas e extensivas,
especialmente quando se está tratando de restrições às garantias individuais.
É
exatamente o alargamento (ilegal) dessa interpretação de que se vale o MP a fim
de justificar sua pretensa investigação criminal.
Em
resumo, o MP continuará podendo desempenhar toda a gama de atribuições
previstas na Constituição, Lei Orgânica e LC.
A
aprovação da PEC 37 não acarreta qualquer prejuízo ao combate à corrupção.
Como bem dito pelo cidadão Pedro Magalhãe "O MP
confunde o povo leigo fazendo parecer ser a mesma coisa as práticas de
corrupção elencadas no Código Penal (investigação CRIMINAL) e os atos de
corrupção referentes à improbidade administrativa os quais devem ser apurados
através de investigação CIVIL. Quem apura a corrupção como crime é a polícia,
mas quem apura a corrupção administrativa (o desvio de verba pública, o uso
indevido de bens públicos, o mal uso do dinheiro do erário, a imoralidade
administrativa etc.) é o MP através da Ação Civil Pública de apuração de ato de
improbidade administrativa – condição esta que a polícia NÃO pode exercer
porque não está autorizada por lei. Enquanto a polícia investiga com o
Inquérito Policial o MP investiga com o Inquérito Civil (exclusividade dele). E
a PEC37 não quer tirar esse poder do MP.
A
investigação criminal muitas das vezes esbarra no foro privilegiado, não
importa se Delegado ou promotor, é preciso que o Tribunal de Justiça autorize
uma investigação contra um deputado ou prefeito, por exemplo. Portanto é muito
mais eficaz o combate a corrupção quando se utiliza de ações de improbidade
administrativa.
3 - Em relação à validade das investigações
realizadas pelo MP, sabe-se que hoje só no STF há mais de 100
ações contestando a legalidade dos atos praticados pelos promotores.
Um
dos maiores problemas nas investigações ministeriais deve-se ao fato de que tal
procedimento não é regulamentado por LEI.
Restrições às liberdades públicas
precisam ser feitas sob o pálio da legalidade estrita e não com base em
resoluções que extrapolam e muito o seu poder regulamentar, como é o caso da
resolução nº 13 do CNMP.
A resolução nº 13 pela qual o MP tentou
regulamentar essa investigação sui
generis é flagrantemente inconstitucional, mas a despeito de tal discussão,
a elaboração do ato normativo visou em verdade regulamentar o art. 8º da LC
75/93 e o art. 26 da Lei 8.625/93. Ocorre que os citados dispositivos
referem-se ao inquérito civil, o que faz crer que o ato normativo
regulamentador inova na ordem jurídica, concedendo atribuições ao parquet onde
a própria Lei Maior não a fez. Desta forma, uma investigação sem prazo, sem
forma e o que é pior: sem controle.
Quando
um agente público se torna responsável pela investigação criminal e pela ação
penal, podemos ter o que em direito chama-se de “lógica da conclusão desejada”, o MP escolhe quem vai perseguir e
direcionar seus atos à satisfação de uma futura denúncia, sem fiscalização, sem
controle, nada o impedirá de arquivar o que lhe for conveniente. Quem é parte no processo deve trabalhar com
os autos.
4 -
A persecução Criminal no Direito comparado.
Podemos
começar afirmando que no CONGO, NIGER,
BURUNDI E MOÇAMBIQUE não há inquérito policial e nesses países a
investigação pertence ao MP. Ocorre senhores que tais países detém os piores
IDH´s, além do alto índice de corrupção, segundo a ONU. Não há, desta forma,
relação alguma entre índice de desenvolvimento humano e a forma de persecução
criminal adotada por um país.
Um
dos primeiros argumentos do MP contra a "PEC da Legalidade" é apontar
a Itália, França, Portugal, Alemanha como modelos. Alguém já pensou porque não
falam da Inglaterra?
Na
Inglaterra o MP não investiga. Até 1986 sequer o MP podia denunciar Hoje ainda
é assistido por Advogado quando denuncia. Lá é a POLÍCIA o órgão que dirige e
até auxilia a denúncia.
Se
for acusado, o suspeito terá direito a receber detalhes escritos sobre o delito
imputado, que poderá encontrar-se em uma ‘lista de acusações no juizado de
polícia’. A Polícia entrega então o caso ao Serviço da Promotoria da Coroa
(‘Crown Prosecution Service’), o qual notifica e prepara o caso para o
julgamento. É dever da polícia, com o conselho do serviço da Promotoria da
Coroa, reunir as provas para sustentar uma acusação. Lá o serviço da promotoria
é realizado por advogados assalariados, o seu papel é o de aconselhar a
polícia, revisar a decisão de acusação e preparar os casos para julgamento e
apresentá-los aos Tribunais.
Nos
Estados Unidos, por sua vez, a investigação ministerial deve ser em conjunto
com a polícia, o promotor nos EUA pode ser sumariamente exonerado do cargo pelo
prefeito! Portanto, não há razoabilidade em tal comparação. Nos Estados Unidos
da América, não existe um juiz investigador ou um juiz de instrução (sistema em
declínio). A fase da investigação inicial está confiada aos agentes policiais e
às agências federais de investigação, que logo entregam o informe (nada mais
que o nosso inquérito policial) ao Promotor e este então determina se há ou não
elementos para apresentar a prova ante o ‘Grand Jury’.
A
Europa "continental" tem ora um promotor ora um juiz investigador por
um motivo simples: sofreu regimes totalitários, diferentemente da Inglaterra
Da
Alemanha de Hither, o promotor investiga; na França o juizado de instrução (já
em falência) tem nascedouro em Napoleão, invejado por Hitler que também queria
dominar o mundo; na Itália de Mussoline, o juiz investigava até há pouco, mas em
1988 passou para o promotor (que também é juiz), porém, os promotores
praticaram tantos abusos que editaram em 1996 a Lei da Investigação Defensiva
(extremamente custosa para o investigado, mas foi um paliativo); em Portugal e
França temos os regimes totalitários conhecidos por nós, pois o vivemos aqui.
O
que deu o poder de investigação aos promotores na Europa CONTINENTAL, a
história mostra isso, foi o totalitarismo, as ditaduras. (ler o artigo: Os arquivos da ditadura guardam segredos incômodos para
o MP)
Comparem
o humanismo do Brasil com a Inglaterra e não com UGANDA. A Inglaterra tem sua
origem constitucional da famosa Carta de João Sem Terra de 1215.
Nosso
Constituinte Originário afastou há época o Delegado do processo. Antes dela, o
delegado podia "oferecer denuncia" nas contravenções. O constituinte
viu o absurdo e deu ao MP a ação penal com exclusividade para evitar os
excessos dos delegados, assim, não podemos agora inverter as regras e conceder
ao MP poderes de investigação, instituição que hoje detém atribuições como em
nenhum outro país.
“Ressalte-se
que, nos mencionados países europeus, mesmo sendo o Ministério Público quem
dirige as forças policiais durante toda a duração da fase preparatória, na
prática, porém, constata-se, amiúde, que esta dependência funcional é mais
teórica que real, e que a polícia goza freqüentemente, de fato, de uma
verdadeira autonomia”( http://www.abjt.org.br/index.php?id=99&n=92-)
Como
podemos perceber a persecução criminal possui diferentes matizes, aqui temos
uma estrutura organizacional concursada, lá os chefes de polícia não são
graduados em direito, não há muita similitude no critério de seleção, é tudo
bem diverso do que acontece no Brasil, portanto, totalmente desarrazoado o
paradigma.
5 -
A jurisprudência ainda vacila, só no STF, repito, mais de
100 (cem) ações contestam a legalidade do poder de investigação do MP.
Encontra-se
suspenso no plenário do STF a decisão acerca do poder de investigação do MP.
Até o memento votaram seis juízes, sendo 4 (Joaquim Barbosa – oriundo do MP, Gilmar Mendes – oriundo do MP, Celso
de Melo – oriundo do MP e Aires Brito) favoráveis à investigação do MP e 2
contrários ( Ricardo Lewandowski e César Peluso). Nos votos favoráveis ao MP,
todos foram com restrições, à exceção do min. Joaquim Barbosa.
Restam
os votos de Luiz Fux (oriundo do MP
e a favor, com restrições às investigações pelo MP), as ministras Rosa Weber e
Cármen Lúcia, e os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio (estes dois últimos
já se manifestaram contrários à investigação direta pelo MP). O ministro Teori
Zavascki não vota porque ocupa o lugar de Cezar Peluso, que já votou. Portanto,
a decisão será apertada, o que justifica ainda mais que o legislador se
manifeste acerca da aprovação da PEC 37.
Ainda
que esteja no plenário do STF tal discussão, essa matéria é atribuição do
Congresso Nacional, onde democraticamente será estabelecido o real equilíbrio
de forças.
6 – Compromissos internacionais
assumidos pelo Brasil e a PEC 37. Em relação ao estatuto de
Roma e outros tratados internacionais saiba que As convenções de Palermo
(contra o crime organizado), de Mérida (contra a corrupção) e a das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional determinam tanto a participação
do Ministério Público quanto da Polícia Judiciária no combate a esses crimes.
Mas frisa que a atuação de cada um, assim como das demais autoridades, está
regulada no ordenamento jurídico pátrio que não contempla a investigação
criminal autônoma produzida diretamente pelos membros do Ministério Público.
CONCLUSÃO
“Triste do povo que ainda precisa de
heróis” – a frase do distinto revolucionário vem a calhar com o
espírito do MP sob a luz da estrutura do Estado Democrático de Direito. Na visão do MP algumas instituições são
“essencialmente boas” e outras “nem tanto” em que pese sejam ambas formadas
pelos mesmos seres humanos falíveis.
Em
nome de um suposto combate ao crime organizado, não podemos permitir a
investigação criminal pelo MP sem que haja previsão legal e constitucional,
caso contrário, este será, certamente, o primeiro passo para abrir mão de
garantias constitucionais sedimentadas por séculos de lutas populares.
A
título de exemplo Uma pesquisa realizada pelo Gabinete do Senador Ivo Cassol,
de Rondônia revelou que de cada 10 casos
de ajuizamento de ações do MP, pelo menos em 8 deles os agentes públicos foram
absolvidos. A pesquisa com o fim de obter informações de atuais prefeitos e
ex-prefeitos sobre a atuação do MP ouviu aleatoriamente 248 prefeitos em todos
os Estados brasileiros.
Na
opinião do senador, “os resultados foram impressionantes para revelar que
membros do MP têm atuado de forma política - buscando satisfazer interesses distintos
daqueles relativos ao desempenho estrito de suas funções. Buscam os holofotes
da mídia e fazem verdadeiras devassas na vida de pessoas públicas. A lei
precisa criar medidas mais práticas para que esses maus operadores públicos do
direito sejam eles mesmos colocados sob os holofotes de seus superiores e da
sociedade.”
O MP
é hoje uma instituição hipertrofiada o que tem prejudicado sua atuação em áreas
tão importantes quanto a criminal. Não se deseja alijar o MP das investigações
criminais realizadas pela Polícia Judiciária, ao contrário, deseja-se que essa
instituição trabalhe em parceria, mas que
sejam obedecidos os ditames legais do ordenamento pátrio.
Ressalte-se
a importância do pronunciamento do o Subprocurador Geral da República e atual
Corregedor Geral do MPF Eugênio Aragão à tentativa maniqueísta da
instituição (ou parte dela) de se apresentar como agente exclusivo do bem,
contrapondo-se a outras autoridades, em especial do Poder Executivo, condenadas
a encarnarem o mal:
“A relação entre o Ministério Público e
o governo (ou Poder Executivo) passou a ser, ao longo dos últimos anos, muito
conflitiva. Abandonando a postura de parceiro, a instituição passou a ser
vista, pelo administrador, como risco à governabilidade”.
A
ADEPOL assim propõe um pacto pela legalidade e a defesa da PEC 37.
Márcio Dominici
Vice presidente região leste – ADEPOL-MA
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