A ausência de regulamentação do ato de indiciamento no inquérito policial sempre causou grande polêmica no cenário jurídico. Conceituado por Julio Fabbrini Mirabete como sendo “a imputação a alguém, no inquérito policial, da prática do ilícito penal” [1], o indiciamento caracteriza-se pelo momento em que o Estado - Investigação passa a chancelar o investigado de um crime como possível autor da infração. “Cuida-se de um aviso de garantia, que se resume à prática de cinco atos: identificação (civil ou criminal) com observância da Lei 12.037/2009, qualificação (direta ou indireta), tomada de informações sobre a vida pregressa, interrogatório e inclusão do nome do indiciado em cadastro próprio da Polícia Judiciária”[2], conforme definição de Luis Fernando de Moraes Manzano.
O atual Código de Processo Penal aponta o inquérito policial como procedimento próprio de investigação criminal, e dispõe em seu artigo 6º, inciso V, a oportunidade da autoridade policial em ouvir o indiciado, aplicando-se as regras do interrogatório judicial, naquilo que for aplicável.
Durante a instrução do inquérito policial, quando se decide pelo indiciamento de alguém, “saímos do juízo de possibilidade para o de probabilidade e as investigações são centradas em pessoa determinada”.[3] Apesar da importância do indiciamento para o curso da atividade pré processual do Estado, a sua formalização não está regulamentada em lei. Pouco se extrai das lições da lei adjetiva. Na verdade, a prática policial judiciária traçou algumas regras que são seguidas pelos delegados de polícia quando decidem pelo ato. Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar apontam que “o indiciamento não pode se consubstanciar em ato de arbítrio. Se feito sem lastro mínimo, é ilegal, dando ensejo à impetração de habeas corpus para ilidi-lo ou até mesmo para trancar o inquérito policial iniciado.” [4]
A decisão em transformar o investigado em indiciado faz nascer graves conseqüências ao individuo suspeito pela prática da conduta criminosa. Aury Lopes Júnior dispõe que “a situação de indiciado supõe um maior grau de sujeição à investigação preliminar e aos atos que compõem o inquérito policial. Também representa uma concreção da autoria, que será de grande importância para o exercício da ação penal. Logo, é inegável que o indiciamento produz relevantes conseqüências jurídicas.” [5]
Diante da importância do indiciamento no transcorrer da persecução penal, questiona-se qual será o momento oportuno para a sua realização.
Pela lógica, por surgir durante a investigação criminal, conforme estabelece o atual Código de Processo Penal, o indiciamento deverá ocorrer durante a tramitação do inquérito policial. Aliás, em julgado proferido em 24 de novembro de 2010 pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça[6], o ministro Napoleão Nunes Maia, decidiu que o indiciamento não poderá ser feito após o recebimento da denúncia. Em seu voto o ministro Nunes Maia afirmou que o ato de indiciamento após o recebimento da denúncia é formal e potencialmente constrangedor à liberdade de locomoção, sendo, portanto, circunstância sanável via habeas corpus. Ainda, afirmou que o acusado é submetido a constrangimento ilegal e desnecessário.
Ora, o indiciamento deverá ocorrer durante a instrução do inquérito policial e por decisão da autoridade policial. Aliás, o artigo 8º do Projeto de Lei 4.209/2001, que trata da reforma do Código de Processo Penal, em tramitação no Congresso Nacional, disciplina que “reunidos elementos informativos tidos como suficientes, a autoridade policial cientificará o investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a situação jurídica de indiciado, com as garantias dela decorrentes.” Nota-se que a futura legislação, se assim for aprovada, deverá solucionar a questão do ato de indiciamento, confirmando a atribuição apenas da polícia judiciária para a sua execução.
Sendo assim, acertou o Superior Tribunal de Justiça em conceder a ordem de Habeas Corpus no caso ora citado, uma vez que se a autoridade policial que presidiu o inquérito policial não deliberou pelo indiciamento do investigado, tal ato não poderá mais ocorrer, ficando preclusa tal medida policial, não podendo ser suprida por nenhuma outra autoridade.
Referências bibliográficas
[1] MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 14.a Ed. São Paulo: Ed Atlas, 2003. P. 89
[2] MANZANO, Luis Fernando de Moraes. Curso de Processo Penal. São Paulo: Ed. Atlas, 2010, p. 143
[3] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3. ed. Salvador: Ed Juspodivm, 2009, p. 94
[4] Op. cit., p. 94
[5] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris. 2010. P. 316/317
[6] HC: 165600
conjur
Sobre o autor
Paulo Henrique de Godoy Sumariva é delegado de Polícia de São Paulo, mestre em Direito Público pela Universidade de Franca, professor de Direito Penal e Processo Penal.
O atual Código de Processo Penal aponta o inquérito policial como procedimento próprio de investigação criminal, e dispõe em seu artigo 6º, inciso V, a oportunidade da autoridade policial em ouvir o indiciado, aplicando-se as regras do interrogatório judicial, naquilo que for aplicável.
Durante a instrução do inquérito policial, quando se decide pelo indiciamento de alguém, “saímos do juízo de possibilidade para o de probabilidade e as investigações são centradas em pessoa determinada”.[3] Apesar da importância do indiciamento para o curso da atividade pré processual do Estado, a sua formalização não está regulamentada em lei. Pouco se extrai das lições da lei adjetiva. Na verdade, a prática policial judiciária traçou algumas regras que são seguidas pelos delegados de polícia quando decidem pelo ato. Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar apontam que “o indiciamento não pode se consubstanciar em ato de arbítrio. Se feito sem lastro mínimo, é ilegal, dando ensejo à impetração de habeas corpus para ilidi-lo ou até mesmo para trancar o inquérito policial iniciado.” [4]
A decisão em transformar o investigado em indiciado faz nascer graves conseqüências ao individuo suspeito pela prática da conduta criminosa. Aury Lopes Júnior dispõe que “a situação de indiciado supõe um maior grau de sujeição à investigação preliminar e aos atos que compõem o inquérito policial. Também representa uma concreção da autoria, que será de grande importância para o exercício da ação penal. Logo, é inegável que o indiciamento produz relevantes conseqüências jurídicas.” [5]
Diante da importância do indiciamento no transcorrer da persecução penal, questiona-se qual será o momento oportuno para a sua realização.
Pela lógica, por surgir durante a investigação criminal, conforme estabelece o atual Código de Processo Penal, o indiciamento deverá ocorrer durante a tramitação do inquérito policial. Aliás, em julgado proferido em 24 de novembro de 2010 pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça[6], o ministro Napoleão Nunes Maia, decidiu que o indiciamento não poderá ser feito após o recebimento da denúncia. Em seu voto o ministro Nunes Maia afirmou que o ato de indiciamento após o recebimento da denúncia é formal e potencialmente constrangedor à liberdade de locomoção, sendo, portanto, circunstância sanável via habeas corpus. Ainda, afirmou que o acusado é submetido a constrangimento ilegal e desnecessário.
Ora, o indiciamento deverá ocorrer durante a instrução do inquérito policial e por decisão da autoridade policial. Aliás, o artigo 8º do Projeto de Lei 4.209/2001, que trata da reforma do Código de Processo Penal, em tramitação no Congresso Nacional, disciplina que “reunidos elementos informativos tidos como suficientes, a autoridade policial cientificará o investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a situação jurídica de indiciado, com as garantias dela decorrentes.” Nota-se que a futura legislação, se assim for aprovada, deverá solucionar a questão do ato de indiciamento, confirmando a atribuição apenas da polícia judiciária para a sua execução.
Sendo assim, acertou o Superior Tribunal de Justiça em conceder a ordem de Habeas Corpus no caso ora citado, uma vez que se a autoridade policial que presidiu o inquérito policial não deliberou pelo indiciamento do investigado, tal ato não poderá mais ocorrer, ficando preclusa tal medida policial, não podendo ser suprida por nenhuma outra autoridade.
Referências bibliográficas
[1] MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 14.a Ed. São Paulo: Ed Atlas, 2003. P. 89
[2] MANZANO, Luis Fernando de Moraes. Curso de Processo Penal. São Paulo: Ed. Atlas, 2010, p. 143
[3] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3. ed. Salvador: Ed Juspodivm, 2009, p. 94
[4] Op. cit., p. 94
[5] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris. 2010. P. 316/317
[6] HC: 165600
conjur
Sobre o autor
Paulo Henrique de Godoy Sumariva é delegado de Polícia de São Paulo, mestre em Direito Público pela Universidade de Franca, professor de Direito Penal e Processo Penal.
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