O comentário a seguir é de autoria de Alan Lacerda de Souza, Advogado Público Federal em Brasília (DF):
É difícil explicar a alguns amigos advogados estrangeiros certas situações jurídicas e judiciais do Brasil. Eles têm muita dificuldade em entender, por exemplo, que o nosso sistema processual permita que literalmente qualquer processo chegue ao Supremo Tribunal Federal. Na maioria dos países democráticos a Corte Constitucional só é demandada em casos especialíssimos. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte julga 75-80 casos em Plenário ao ano. Quando falamos que um único ministro do STF julga 9 mil processos por ano, nossos colegas do exterior acham graça, pois é óbvio que é humanamente impossível a um ministro ler, estudar e decidir 24 processos por dia, que chegam ao Tribunal em grau recursal, e nos quais está se questionando a constitucionalidade da decisão.
Tenho certeza, por exemplo, que terei muita dificuldade em explicar a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus 176.320. O caso é o seguinte: cidadão é sentenciado por latrocínio, a 18 anos. O juiz, num erro material gritante, fixa o regime inicial de cumprimento da pena como aberto. Ok, erro crasso, o juiz da execução penal o corrige e determina o cumprimento da pena inicialmente em regime fechado, em respeito ao art. 33, § 2º, "a" do Código Penal.
Aí a defesa do cidadão recorre, alegando trânsito em julgado da sentença, e pasme, a 5ª Turma do STJ concorda, por maioria, com a alegação. Mesmo reconhecendo o erro material da sentença, entende que um condenado por latrocínio pode cumprir uma pena de 18 anos em regime aberto, devido ao trânsito em julgado. Dane-se a Lei e a credibilidade do Judiciário, lixe-se a dor da família da vítima, azar do cidadão pela insegurança, o que importa é manter (ainda que fundado em erro material reconhecido pela Corte) o direito do criminoso. Não interessa se, como bem lembrou o voto discordante do ministro Napoleão Nunes Maia, "a sentença está fazendo do círculo um quadrado".
É difícil explicar aos colegas estrangeiros como o reconhecimento e a correção de um erro crasso pode abalar a tal ponto a segurança das relações jurídicas e o Estado Democrático de Direito, que seja preferível manter o erro, descumprindo assim a Lei e fragilizando a credibilidade do Judiciário como instituição, ainda mais quando se está falando de um processo absolutamente corriqueiro e regular, no qual houve amplo direito de defesa e contraditório a o réu e onde há apenas um erro material na sentença, que se fosse corrigido não afetaria em nada a situação já atestada e comprovada nos autos.
Difícil explicar que um advogado possa livremente cometer perjúrio no processo. Difícil explicar que possa haver cinco recursos sobre um agravo de instrumento (uma situação que o Blog já abordou num post anterior), um dos quais é um recurso não previsto em lei. Difícil explicar que seja mais vantajoso negar sempre e recorrer infinitamente do que confessar e negociar a pena com a Promotoria.
Em suma, é difícil fazer justiça no Brasil, é difícil lutar pela justiça no Brasil, é difícil acreditar na justiça no Brasil...
blog do Fred
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