O que o país precisa saber, desde ontem, é quais crimes, em nome da liberdade de expressão, podem ser defendidos em praça púbica e quais não podem. Sempre se entendeu que o conteúdo do Artigo 287 do Código Penal — o que pune a apologia de prática considerada criminosa — estava dado no próprio Código Penal. Agora, não mais.
Não adianta os ministros ficarem olhando para o outro lado, fazendo de conta que o problema não existe. Os oito têm de responder algumas questões: é permitido, em nome da liberdade de expressão, defender a pedofilia, por exemplo? Como quase todos sugeriram ali, “defender” não é praticar. E defender a implementação de leis racistas? É bem verdade que os cotistas já fazem isso, eu sei… Mas me refiro àquele racismo reconhecido como tal também pelos politicamente corretos. E defender a descriminação da sonegação de impostos?
Ricardo Lewandowski, vivendo ontem o seu “patético momento”, como diria a querida Cecília Meireles (alguém a citou no tribunal), num dia “de onde vim, para onde vou?”, indagava: “Mas o que é droga? Café é droga?” E eu fiquei com receio de que ainda proíbam o café…
Mas volto à questão fiscal. Fico imaginando a praça tomada, como gostam os ministros Carmen Lúcia e Ayres Britto, com os brasileiros gritando:
“Sou sonegado-oooooo-orrrr/
Com muito or-gu-lhôôôôô/
Com muito amooooorrrrr”
Como os tarados adoram reler até a Bíblia para encontrar lá a justificação de seus vícios, alguns poderiam exibir em praça púbica a sua própria versão do “vinde a mim, as criancinhas”.
Ah, alguém dirá, calma aí, existem alguns valores que a sociedade não aceitaria porque chocantes etc e tal. É mesmo? Ela aceita a descriminação das drogas? Não se disse ontem que é justamente a expressão da minoria que prova a tolerância, ou não, da maioria? O princípio até está correto. Mas há de haver um limite? Qual é o limite?
O limite é aquilo que a sociedade democrática — e o Brasil é uma sociedade democrática — reconhece como crime. E daí que o Artigo 287 do Código Penal seja da década de 40? É o que temos e o que está abrigado pelo regime democrático. Se ele não é bom, que se recorra aos instrumentos que a própria democracia oferece para mudá-lo.
Eu estou pouco me lixando para os valores subjetivos de cada ministro. Isso é coisa de sua consciência, de quando põe a cabeça do travesseiro. Sua vida pregressa, anseios, sonhos, devaneios, não me interessam. Eu quero uma explicação técnica, jurídica.
Se é possível dizer na praça, em nome da liberdade de expressão, “Ei, polícia, maconha é uma delícia”, por que não se pode dizer: “Ei, polícia, pedofilia é uma delícia”? Aí grita o imbecil, depois de expelir a fumaça, com o juízo já tomado pelos fumos da idiotia: “Você está comparando o maconheiro a um pedófilo?” Não!!! Não estou!!! Não quero contato nem com um nem com outro, mas não estou.
Eu estou afirmando que se trata, nos dois casos, de apologia de conduta criminosa. O tribunal está obrigado a dizer por que um pode e por que o outro não. O tribunal está obrigado a dizer qual é a hierarquia dos crimes e quais podem ser objetos de apologia e quais não podem.
E sabem por que o tribunal não o fará? Porque está fora de sua competência; ele teria de passar a legislar. Assim, na impossibilidade de fazê-lo, então atribui a si mesmo poderes discricionários. De hoje em diante, não é mais crime o que o Código Penal define como crime. De hoje em diante, é crime o que o STF define como crime.
Quando “constitucionalizou” a união civil entre homossexuais, contra a letra da Constituição, estava claro que o STF não reconhecia mais limites para a sua atuação. E olhem que eu sou favorável à união civil, já disse aqui. Ocorre que o tribunal é uma corte constitucional, não um guia moral do povo. Ou bem se mudava o artigo da Constituição que define que a união civil é aquela que se dá entre “homem” (com bingolim) e “mulher” (com borboletinha), ou nada feito. O que temos hoje? A Constituição diz uma coisa, e o tribunal, outra. No caso da apologia da maconha, o Código Penal diz uma coisa, e o tribunal, outra. No primeiro caso, o subterfúgio foi afirmar que a restrição afetava o princípio da igualdade, garantido pela própria Constituição; no segundo, foi mudar o sentido da palavra “apologia”. O STF está tão poderoso que revoluciona também a semântica!
“Ah, não vamos responder porque esse Reinaldo é um provocador!”
Errado! Não vão responder porque não há resposta possível.
Errado! Não vão responder porque não há resposta possível.
Por Reinaldo Azevedo
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