sexta-feira, 3 de junho de 2011

Juíz ataca nova lei que reduz prisão preventiva




Com a autoridade de quem já bateu o martelo diante de Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, principal acusado da morte do jornalista Tim Lopes, e dos irmãos Natalino e Jerônimo Guimarães, chefes da milícia "Liga da Justiça", o juiz Fábio Uchoa, titular do 1º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, abandona a habitual reserva para fazer um alerta. Para ele, a Lei 12.403/2001, que entra em vigor no dia 5 de julho e cria novas medidas para reduzir os casos de prisão preventiva, será um estímulo à impunidade, pois vai tirar do juiz o poder de manter na cela aqueles que deveriam ser apartados do convívio social.


Sancionada pela presidente Dilma Rousseff no início do mês, a lei altera 32 artigos do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941). Por isso, fez parte do pacote de nove projetos de minirreforma do código. Um dos trechos mais polêmicos é o artigo 313, que passa a só admitir a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos.

 Formação de quadrilha entre os crimes afetados


Agora, nos casos de crimes de formação de quadrilha, porte ou disparo de arma de fogo, furto simples, receptação, apropriação indébita, cárcere privado, corrupção de menores, coação de testemunhas no curso do processo, falso testemunho e vários outros crimes punidos com até quatro anos de prisão, ninguém permanecerá preso - só se for reincidente.
  
- Se a superlotação das cadeias não está sendo controlada, não podemos resolver o problema abrindo a porta das celas e botando os marginais nas ruas. A crise carcerária é uma questão de política pública. Não é para ser resolvida pelo legislador processual - lamentou Uchoa.
  
O juiz disse que a crítica não parte do titular do 1º Tribunal do Júri, espécie de para-raios de alguns dos mais graves casos de violência carioca, mas de um "cidadão preocupado". Ele explicou que só resolveu se manifestar agora porque, até então, desconhecia a existência do projeto.
  
Motivada pelo princípio da presunção da inocência, a lei inova ao acrescentar, entre o conjunto de medidas cautelares alternativas à prisão, a extensão da fiança para crimes punidos com até quatro anos de prisão - situação que não era permitida desde 1940 pelo Código de Processo Penal. Em todos esses casos, o delegado poderá agora arbitrar fiança diretamente, sem análise do promotor e do juiz.
  
- Pela legislação atual, o juiz pode expedir mandado de prisão quando há indício de fuga do acusado. Porém, com a nova lei, ele perderá essa possibilidade. Terá de ficar em seu gabinete, esperando a apresentação espontânea do réu - disse Uchoa.
  
Para se livrar de eventual condenação, sustenta o juiz, bastará ao réu fornecer um endereço falso ou mesmo se mudar para outro lugar. Na impossibilidade de achá-lo, a Justiça não poderá dar continuidade ao processo e o crime ficará impune, garante:
  
- Que réu vai aparecer para ser processado?


Consciente de que, depois de passar pelo Legislativo e pelo Executivo, só resta aos magistrado aplicar a nova lei, Uchoa espera que a jurisprudência - interpretação reiterada que os tribunais dão à lei, nos casos concretos submetidos ao seu julgamento - minimize os seus efeitos.
  
O desembargador paulista Rui Stoco, integrante da comissão responsável pela minirreforma do código, explicou que o projeto foi proposto e aprovado para oferecer maiores garantias aos acusados e aos réus.
  
- Entendo perfeitamente as críticas do colega. Ele enfrenta uma realidade difícil, como titular de um tribunal do júri no Rio. Mas o que fizemos nada mais foi do que ir na esteira do que o Supremo já vem fazendo - afirmou Stoco.

 Um dos pontos destacados pelo desembargador como avanço da minirreforma é a instituição de medidas cautelares alternativas à prisão preventiva - são mecanismos usados pelo juiz no processo para garantir a devida condução da investigação criminal.
  
Desembargador diz que fiança inibe o criminoso


Alguns exemplos das novas medidas cautelares, garantidas pela nova lei, são o monitoramento eletrônico, o recolhimento domiciliar no período noturno, a suspensão do exercício de função pública ou de atividade econômica, a proibição de viajar e de frequentar lugares ou de manter contato com pessoas, determinadas pelo juiz.

 - A realidade das pessoas nas cadeias do Brasil é tenebrosa. Mais grave ainda é saber que dois terços estão lá sem sentença definitiva. Portanto, a prisão preventiva só deve valer para casos excepcionais - argumentou.
  
A prisão preventiva continua a ser a medida prevista para os processos que envolvam crimes mais graves, praticados com dolo e puníveis com pena de reclusão acima de quatro anos.
  
Stoco disse que, enquanto a reforma ampla do código não chega, a opção do legislador foi valorizar a fiança como uma das opções à prisão.

 - Como vai doer no bolso, o réu passará a ter mais cuidado - sustentou.
Fonte: O Globo

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