quarta-feira, 31 de agosto de 2011

NECRIM, exemplo a ser seguido


Bragança: Projeto da Polícia Civil ajuda a resolver pendências criminais
Desde junho a iniciativa já evitou que quase 150 processos chegassem ao Fórum
Credito: Reprodução / Rede VanguardaUm projeto implantando pela Polícia Civil em Bragança Paulista quer acabar com conflitos e desafogar o Poder Judiciário. Desde junho a iniciativa já evitou que quase 150 processos chegassem ao Fórum da cidade. E diminuiu a "dor de cabeça" dos envolvidos.

A professora Luci de Fátima Buozo mora ao lado de um sítio que é alugado para festas. Mas, o barulho a incomoda. “Barulho a noite e a gente não consegue dormir por causa de festas. É muito barulho”, reclama.

Já o também aposentado Benedito Ferreira é o dono da propriedade e lucra com a locação. Mas, também ganhou um boletim de ocorrência por perturbação de sossego. “Tinha uma festinha lá e eu nem sei a festinha, porque eu alugo e nem lá no sítio eu não vou. E diz que estava fazendo muito barulho, ela telefonou para mim, para ir lá, porque estava fazendo muito barulho e eu disse que não iria para ela chamar a polícia”, conta.

Para tentar resolver o conflito de interesses, os dois foram chamados para participar de uma audiência. A conciliação é acompanhada por duas advogadas, uma escrivã e o mediador é um delegado. “Os crimes de menor potencial ofensivo, como brigas, ameaças, perturbação da tranqüilidade, acidente de trânsito, são possíveis de conciliação”, explicou o delegado Lauro Melo de Almeida.

Credito: Reprodução / Rede VanguardaAs audiências acontecem 30 dias após o registro da ocorrência. O que é resolvido vai ajudar o trabalho da Justiça. O Necrim (Núcleo Especial Criminal) começou a funcionar em junho. Por dia são realizadas cinco audiências. 175 processos já foram avaliados. 149 deles terminaram em acordo. “A grande vantagem do Necrim é que, primeiro, nós vemos, não está acontecendo a repetição desses crimes. Os assuntos são efetivamente resolvidos aqui no Necrim. Estamos auxiliando tanto a polícia, numa questão de política criminal, como também ao Judiciário”, reitera o delegado.

Com o acordo os envolvidos assinam um termo e a ação penal é suspensa. A decisão é depois apresentada a um juiz. Enquanto isso, o aposentado já sabe o que terá que fazer antes de alugar o sítio. “No contrato, antes do cara alugar, eu falo para ele que não pode fazer barulho. Até as 22h ele toca um instrumento baixinho e após as 22h nem gente pode fazer barulho mais”, garantiu o aposentado.

“Entramos num acordo e eu acredito que isso vai resolver o problema, acredito mesmo”, disse a professora.
vnews.com.br

Como se pode verificar, acúmulo de trabalho não é privilégio de delegacias de polícia


De cada 100 processos que chegaram ao Judiciário, 70 ficaram sem solução

Reportagem: Catarina Alencastro Carolina Brígido
Levantamento divulgado ontem pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que a cada 100 processos que chegaram ao Judiciário em 2010, 70 terminaram o ano sem solução. Isso significa que a Justiça brasileira está mais lenta. Em 2009, a chamada taxa de congestionamento era de 67%. No ano passado, o maior acúmulo de processos foi verificado na Justiça Estadual – o ramo do Judiciário com maior demanda. No total, 72% dos processos nos tribunais dos estados permaneceram sem julgamento.
O estado em pior situação foi Pernambuco, onde 82,4% das ações não foram concluídas. O Rio vem em segundo lugar, com uma taxa de congestionamento de 78,7%.
- Todo mundo sabe que esses números não deixam nenhuma dúvida de que há um déficit muito grande em relação às demandas da sociedade e à capacidade do Judiciário de responder – ponderou Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ.
O número de casos pendentes aumentou 2,6% em 2010 em relação ao ano anterior. Em todo o Judiciário, havia 59,2 milhões de processos aguardando julgamento. Nos três ramos da Justiça – federal, estadual e trabalhista -, 83,4 milhões de processos tramitavam no ano passado. Na Justiça do Trabalho, 47,6% das ações não tiveram solução e na Justiça Federal, 69,5%.
O estudo revelou que o maior gargalo do Judiciário continua sendo as execuções fiscais, a parte conclusiva de uma ação por cobrança de dívida. Neste quesito, o congestionamento chegou a 91% no primeiro grau. Segundo Peluso, muitas vezes esses processos custam à Justiça muito mais do que o valor da dívida. Na Justiça estadual, onde quase metade dos processos (43%) se refere a execuções fiscais, os tribunais não conseguiram concluir 9 em cada 10 processos.
- Das chamadas execuções fiscais, a maioria delas é provocada por esses organismos profissionais, como conselhos, organizações. São inúmeras no país. Elas ocupam o Judiciário com um número elevadíssimo de demandas para cobrar as taxas de pagamento desses organismos, de valores baixíssimos, do qual a gente pode externar o seguinte dado: para cobrar R$1,5 mil eles provocam uma despesa ao Judiciário de R$4,5 mil – disse o ministro.
- Muitos desses processos são burocráticos. Em tese, poderiam ser resolvidos administrativamente, sem a necessidade de ingressar no juízo para solucioná-lo – avaliou José Guilherme Werner, conselheiro do CNJ.
Apesar da má notícia, há um dado alentador: pela primeira vez, desde 2004, os tribunais brasileiros receberam menos processos em relação ao ano anterior. Em todo o Judiciário, chegaram 24,2 milhões de novas ações em 2010, um milhão de processos a menos do que em 2009. A queda de 3,9% ocorreu em todos os ramos da Justiça. O número de sentenças proferidas foi de 22,2 milhões, cabendo, em média, 1,3 mil sentenças para cada magistrado do país. Ao todo foram resolvidos no ano passado 25,4 milhões de casos.
- Entraram menos casos, mas também menos casos foram solucionados. Infelizmente a solução não é tão simples – observou Werner.
A Justiça custou R$1,4 bilhão a mais aos cofres públicos em 2010, em relação a 2009. No ano passado, a despesa total da Justiça Estadual, Federal e Trabalhista somou R$41 bilhões, equivalentes a 2% dos gastos da União e dos Estados no ano. O valor corresponde a R$212,37 gastos por ano por habitante.
O número de magistrados aumentou 3,2%, chegando a 16.280. Isso quer dizer que para cada 100 mil habitantes havia nove magistrados. A quantidade de servidores do Judiciário também subiu 1,8%, a maior parte lotada na Justiça Estadual. O número é inferior à media dos outros países.
Fonte: Jornal O Globo
De cada cem processos que chegaram ao Judiciário, 70 ficaram sem soluçãoReportagem: Catarina Alencastro Carolina Brígido
Levantamento divulgado ontem pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que a cada 100 processos que chegaram ao Judiciário em 2010, 70 terminaram o ano sem solução. Isso significa que a Justiça brasileira está mais lenta. Em 2009, a chamada taxa de congestionamento era de 67%. No ano passado, o maior acúmulo de processos foi verificado na Justiça Estadual – o ramo do Judiciário com maior demanda. No total, 72% dos processos nos tribunais dos estados permaneceram sem julgamento.O estado em pior situação foi Pernambuco, onde 82,4% das ações não foram concluídas. O Rio vem em segundo lugar, com uma taxa de congestionamento de 78,7%.- Todo mundo sabe que esses números não deixam nenhuma dúvida de que há um déficit muito grande em relação às demandas da sociedade e à capacidade do Judiciário de responder – ponderou Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ.O número de casos pendentes aumentou 2,6% em 2010 em relação ao ano anterior. Em todo o Judiciário, havia 59,2 milhões de processos aguardando julgamento. Nos três ramos da Justiça – federal, estadual e trabalhista -, 83,4 milhões de processos tramitavam no ano passado. Na Justiça do Trabalho, 47,6% das ações não tiveram solução e na Justiça Federal, 69,5%.O estudo revelou que o maior gargalo do Judiciário continua sendo as execuções fiscais, a parte conclusiva de uma ação por cobrança de dívida. Neste quesito, o congestionamento chegou a 91% no primeiro grau. Segundo Peluso, muitas vezes esses processos custam à Justiça muito mais do que o valor da dívida. Na Justiça estadual, onde quase metade dos processos (43%) se refere a execuções fiscais, os tribunais não conseguiram concluir 9 em cada 10 processos.- Das chamadas execuções fiscais, a maioria delas é provocada por esses organismos profissionais, como conselhos, organizações. São inúmeras no país. Elas ocupam o Judiciário com um número elevadíssimo de demandas para cobrar as taxas de pagamento desses organismos, de valores baixíssimos, do qual a gente pode externar o seguinte dado: para cobrar R$1,5 mil eles provocam uma despesa ao Judiciário de R$4,5 mil – disse o ministro.- Muitos desses processos são burocráticos. Em tese, poderiam ser resolvidos administrativamente, sem a necessidade de ingressar no juízo para solucioná-lo – avaliou José Guilherme Werner, conselheiro do CNJ.Apesar da má notícia, há um dado alentador: pela primeira vez, desde 2004, os tribunais brasileiros receberam menos processos em relação ao ano anterior. Em todo o Judiciário, chegaram 24,2 milhões de novas ações em 2010, um milhão de processos a menos do que em 2009. A queda de 3,9% ocorreu em todos os ramos da Justiça. O número de sentenças proferidas foi de 22,2 milhões, cabendo, em média, 1,3 mil sentenças para cada magistrado do país. Ao todo foram resolvidos no ano passado 25,4 milhões de casos.- Entraram menos casos, mas também menos casos foram solucionados. Infelizmente a solução não é tão simples – observou Werner.A Justiça custou R$1,4 bilhão a mais aos cofres públicos em 2010, em relação a 2009. No ano passado, a despesa total da Justiça Estadual, Federal e Trabalhista somou R$41 bilhões, equivalentes a 2% dos gastos da União e dos Estados no ano. O valor corresponde a R$212,37 gastos por ano por habitante.O número de magistrados aumentou 3,2%, chegando a 16.280. Isso quer dizer que para cada 100 mil habitantes havia nove magistrados. A quantidade de servidores do Judiciário também subiu 1,8%, a maior parte lotada na Justiça Estadual. O número é inferior à media dos outros países.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Entrevista concedida pelo Promotor Marcelo Cunha À revista artigo 5º - Só é preso quem quer!


Caros amigos, 

compartilho no Blog entrevista que concedi à revista "Artigo 5º", editada pelos Delegados da Polícia Federal, e que acaba de ser publicada e distribuída nacionalmente (Ed. 21 - Jul/Ago2011). Efetivamente foi uma das maiores honras de minha atuação como Promotor de Justiça e também como Professor de Direito.
 

Artigo 5º - “Só é preso quem quer! - Impunidade e Ineficiência do Sistema Criminal Brasileiro”. Independentemente de ser uma grande obra, o título é uma provocação, um desabafo ou crua realidade? 

Acho que o título acaba tendo uma dose de provocação, uma dose de desabafo e uma dose de crua realidade. Depois de trabalhar muitos anos com a prática do Direito Criminal, percebi que, estatisticamente, além do sistema funcionar mal, apenas funciona minimamente para um certo grupo de “criminosos”. Ademais, sempre notei que existe um descompasso muito grande entre o que clama a população e o que nos “ensinam” nossos “sábios” juristas, como se o jurista fosse mais capacitado para entender quais os passos deve tomar nossa sociedade.
 

Logo, resolvi escrever uma obra, como um desabafo de um Promotor criminal cansado com a impunidade e os absurdos que acontecem no dia-a-dia, para despir a retórica jurídica e expor a todos, independentemente de conhecimento jurídico, os descalabros tão belamente justificados pelos nossos Tribunais. Essa “crua realidade”, das entranhas do não funcionamento de nosso sistema, mostrada transparentemente no livro, precisava vir como uma provocação em um título claramente paradoxal, afinal de contas: quem quer ser preso? Além disso, como podemos falar que o Brasil é o país campeão mundial da impunidade se existem, atualmente, aproximadamente 500 mil presos, inclusive com despautérios de excesso de punição sempre sendo veiculados pela mídia?
 

Numa entrevista o senhor disse que o título surgiu de uma brincadeira. Como se deu isso? 

Ao explicar aos meus alunos do curso de Direito da PUC-MG que o entendimento dos Tribunais, de tão leniente, acaba por gerar uma situação insólita, inimaginável nos próprios países que nos exportaram a base do entendimento garantista (ex. Itália, EUA, Alemanha, etc.), sempre afirmo que, no Brasil, a pessoa só fica presa se deixar de cumprir alguns requisitos: em primeiro lugar, ela deve fugir do flagrante. Diga-se de passagem, que, com a entrada em vigor da Lei 12.403, acho que poderemos abandonar esse primeiro ponto. Além disso, o criminoso que tem residência e emprego fixos não ficará preso. Por fim, não deixando o caso cair na mídia nacional, a impunidade estará garantida.
 

Essa brincadeira, que possui um fundo de verdade estatística, implica em que, caso o criminoso tenha emprego e residência fixas, não seja preso em flagrante e seu caso não caia na mídia nacional, ele poderá praticar qualquer crime no Brasil, desde que esteja disposto a pagar uma bela quantia por uma defesa jurídica proativa. Ou seja: cada brasileiro pode praticar pelo menos um crime em sua vida e ficar totalmente impune!
 

Dois pontos, entretanto, merecem destaque. Primeiramente, quando digo qualquer crime, o espectro é realmente assustador: desde homicídios aos campeões da impunidade – os crimes do colarinho branco. Nesses últimos, o grau de impunidade é tão assustador que desmotiva os agentes do Estado que atuam nessa frente. Noutro ponto, gostaria também de frisar que minhas críticas, quando digo que um bom advogado consegue emperrar o processo criminal por vários anos, dirigem-se ao sistema, e não ao advogado, que deve agir na melhor defesa de seu cliente de acordo com o sistema em vigor.
 

A tradição política brasileira é de que cadeia foi feita para os três “p”. Se eles um desses três “p” quiser pode também não ser preso? 

Apesar da impunidade no Brasil, comparado com os outros países, ser imensa, sempre que há punição, ela será no “p” de “pobre”. Explico: a impunidade no Brasil é ainda muito grande. Assim, de cada 1000 homicídios, aproximadamente 80 se convertem em denúncias ministeriais. Desses, o nível de condenação é de aproximadamente 2% do total. Dos condenados, menos de 0,5% do total chegam a cumprir a pena. Como se explica, então, nossa robusta população carcerária? O que ocorre é que punimos quase que exclusivamente os crimes de tráfico de drogas e crimes contra o patrimônio. Logo, a regra social é: se você é pobre e pratica certos crimes, como o homicídio, a direção embriagada, o homicídio culposo no trânsito, a lesão corporal, a ameaça, o desacato, entre outros, sua chance de contar com a impunidade ínsita ao sistema é ainda muito grande. Se o pobre, porém, pratica os crimes mais focados pelo sistema como o tráfico, o roubo, o latrocínio, a extorsão mediante seqüestro, a chance cai um pouco, mas, todavia, continua substancial. Lado outro, se o infrator é rico, a chance estatística de ser preso – e continuar preso – chega a ser estatisticamente nula.

No contexto da impunidade que comentários especiais o senhor reservaria aos criminosos do colarinho branco, os crimes de lesa-pátria. 

No meu entender, o sistema criminal atual deveria se focar em dois grandes grupos: os crimes violentos e os crimes do colarinho branco. Atualmente, há o foco tão somente na seara dos crimes violentos, o que acaba por unicamente punir a pobreza. O Direito Penal contribuiria à expansão da democracia e da cidadania se trouxesse o pressuposto de que, para o combate à miséria – como causa de criminalidade –, é necessário o investimento na erradicação dos bolsões de miséria. Entretanto, se a cada mil reais tributados, apenas cem chegam aos cofres públicos e desses cem reais, apenas um real se transforma efetivamente em investimento social, como conseguiremos, algum dia, ampliar a cidadania?
 
O senhor também já falou que leis de conteúdo explicitamente discriminatório são poucas, mas existem. Isso é simples força de expressão? 

Os exemplos de leis de conteúdo discriminatório são raros, como o absurdo do foro privilegiado, a contravenção da vadiagem – que diz claramente que não a comete quem tem recursos para se dedicar ao ócio – ou a prisão especial para quem possui curso superior. O maior problema, entretanto, é conseguir enxergar a discriminação oculta em leis que, aparentemente, são igualitárias. A lei 12.403/11, que trata das medidas cautelares e prisões provisórias, é um grande exemplo disso. Aparentemente essa lei se dirige a todos. Entretanto, com sua entrada em vigor, os casos de crimes do colarinho branco passaram a ter as prisões provisórias quase que impossibilitadas. Ademais, quando se traz para o texto penal o inadmissível entendimento do STF de que o recurso especial e extraordinário não permitem a execução da condenação já confirmada pelos Tribunais – ou seja, concede efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário –, tal traz um recado claro aos criminosos que respondem em liberdade: recorram e posterguem o processo o máximo possível, afinal, mesmo sendo os Tribunais Superiores exclusivamente destinados ao debate de teses jurídicas – e não de fatos – o mandado de prisão só será expedido ao fim da última possível e imaginável manifestação do último órgão do último tribunal. Essa norma (aparentemente isonômica) acaba beneficiando apenas àqueles que têm recursos suficientes para interpor, entre outros, por exemplo, embargos declaratórios e agravos regimentais em cascata – além, é claro, dos despachos e encontros diretamente realizados com Ministros e sustentações orais nas cortes, somente acessíveis aos escritórios de advocacia mais gabaritados e, evidentemente, mais caros.
 

Nesse contexto de anomalias, como fica tudo isso à luz do princípio da igualdade previsto na Constituição? 

O princípio da igualdade só tem sentido na realidade. Na prática, entretanto, as pessoas vêem diariamente que alguns são mais iguais que os outros. Acho que cabe aos agentes públicos responsáveis por implementar a isonomia na vida real dos cidadãos – como os Juízes, Promotores, Policiais, etc. – chamar para si a responsabilidade por uma interpretação mais comprometida com o país que vivemos.
 

No contexto de impunidade e de desigualdade o senhor tem falado não apenas de discriminação em termos de lei, mas também na forma de interpretação das leis. Dá para explicitar melhor essa idéia? 

A falácia do hipergarantismo brasileiro, como se fosse uma teoria para proteger o cidadão frente aos abusos do Estado, deve ser atacada imediatamente. A teoria do garantismo, apesar de ter sua fundamentação nas idéias das revoluções burguesas do séc. XVIII e na racionalidade italiana de Ferrajoli, foi importada por grupos de juristas brasileiros e modificada de forma a beneficiar certos interesses. Tanto é assim que as interpretações exageradas brasileiras são consideradas ridículas nos países de onde trouxemos essas idéias.
 

Um pequeno exemplo disso que posso apontar é que, nos outros países, nem se cogita que o “direito de não produzir prova contra si mesmo” (nemo tentetur se detegere) possa chegar a níveis estratosféricos e irresponsáveis, como na discussão se o réu deve ou não participar de um reconhecimento, reconstituição de crime, fornecer material genético ou mesmo deixar de soprar o bafômetro.
 

Existe uma realidade gritante, que nos leva a repetir uma mesma pergunta aos nossos entrevistados, com base num rol de medidas como quebra de sigilo, redução do tempo de monitoramente de telefones, restrição ao uso de algemas, às prisões temporárias, além do desaparelhamento dos setores competentes. Querem travar ou parar as polícias e o judiciário? 

Acredito que não há meias respostas para essa pergunta. Querem travar a atividade de investigação e instrução em certas áreas sem perder a “roupagem” de que vivemos numa democracia. Afinal de contas, quais os crimes são investigados quando há uma interceptação telefônica, acesso a dados bancários e fiscais, análise contábil e de informática, etc.? Esses “criminosos” são efetivamente mais iguais que os outros e, sempre, escondem-se atrás de uma retórica de que não pretendem impedir as investigações, e sim preservar a todos – e não apenas a eles mesmos – as garantias fundamentais que a “evolução da humanidade” levou séculos para consolidar.
 

Ainda dentro desse contexto de travamento da atividade persecutória, instrutória como fator de impunidade, o senhor tem citado a interpretação extremamente garantista na produção de provas. Dá para explicar melhor isso? 

Atualmente, toda prova produzida pode ser considerada, de uma forma ou de outra, ilícita. Mesmo investigações com autorização judicial (o que nem deveria ser necessário) são posteriormente desconstituídas, em sede de remédios imediatos como o HC – e não do processo em si – aos argumentos mais esdrúxulos possíveis. Logo, em virtude das “inovações” jurisprudenciais, não sabemos mais como usar a delação premiada, a notícia anônima, a extensão de provas de uma investigação autorizada em outra, as agências investigativas congêneres, o acesso do investigado às investigações, a participação do Ministério Público, a escuta telefônica, a escuta ambiental, entre outros. Tudo isso gera a total insegurança e o desestímulo dos responsáveis por essa seara, os quais, quase sempre, vêem suas árduas horas de trabalho – muitas vezes com sacrifício pessoal – caírem por terra, com uma simples “canetada” descompromissada com a realidade dos fatos e do país.
 

Esta não é, portanto, uma discussão meramente jurídica. Que interlocutores deveríamos trazer para o debate de forma a vislumbrar alguma saída? 

Creio que devemos consolidar uma união efetiva entre os agentes que realmente desejam e se vêem como parte da solução em oposição àqueles que são parte do problema. Dessa forma, uma interlocução e uma parceria maior entre a Polícia e o Ministério Público são fundamentais. Além disso, setores do judiciário e mesmo da seara política se mostram favoráveis e preocupados com uma atuação criminal responsável e comprometida com os objetivos maiores de nosso Estado. Por fim, o diálogo com a sociedade, principalmente as associações do terceiro setor que se debruçam nessa questão, deveriam ser mobilizadas para essa cruzada.
 

Creio, então, que o caminho seja a consolidação de um “núcleo duro” de instituições e pessoas que efetivamente tomam uma posição contrária ao hipergarantismo retórico que se consolida como justificante à impunidade direcionada. Acredito que o percurso para isso seja a tomada de posição formalizada e explícita da Polícia e do Ministério Público nessa linha, deixando de lado pequenas discordâncias que existem entre os órgãos. Após a clara união dos objetivos dessas instituições outros articuladores sociais se unirão à causa.
 

Para cada boca de fumo existe alguém mais poderoso e sofisticado que sem sujar as mãos consegue financiar o crime. Esta fala é sua. Qual a extensão dessa assertiva? 

A extensão é total. Não existe crime organizado sem financiamento de grandes quantias e ligações com o Estado institucionalizado. Além disso, devemos abandonar a idéia de que o crime organizado é só aquele realizado nas favelas e nos presídios com a ligação direta com o tráfico de drogas. As máfias das licitações, das obras públicas, dos cargos públicos, do tráfico de influência, das vendas de decisões, etc. também fazem parte do conceito de crime organizado e são tão ou mais perniciosos que o tráfico de drogas das periferias e da marginalidade. O interessante é que, para combatermos esse “outro” crime organizado, os instrumentos de investigação necessitam ser mais precisos e técnicos, exigindo material e pessoal mais capacitado. Além disso, necessitam de interpretações jurisprudenciais compatíveis com a importância da função.
 

Esse quadro já foi conceituado pelo senhor como teratológico, cuja lógica latente e fundante seria preciso encontrar. Alguma luz no fim do túnel? É possível explicitar melhor essa sua constatação? 

A lógica, conforme exponho em meu livro “Só é preso quem quer”, e que é jocosamente demonstrada na parábola quase que infantil da “Revolução dos Bichos” de George Orwell, é que devemos abandonar a ingênua noção de que o Direito é uma “ciência neutra” composta de postulados positivados que permitem ao cidadão utilizar-se do bem-estar geral em troca de uma parcela de sua soberania, cedida ao Estado. Na verdade, grupos de pessoas reais, com interesses reais, convivem em sociedade visando à prevalência de seus valores sem a destruição completa do sistema – o que, ao final, geraria mais prejuízos a esses mesmos grupos. Dessa forma, como disse antes, devemos efetivamente assumir nossa função como Policiais e Promotores de Justiça: a de, através do sistema criminal, tornar a sociedade brasileira mais democrática e cidadã.
 

A constituição de um grupo real nosso, unido nesse ideal claramente identificável, seria um primeiro ponto na estruturação de uma corrente que possa fazer frente ao momento atual. Apenas como ilustração, cito o caso do IBCCrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Esse instituto, apesar de aparentemente se dedicar ao estudo das ciências criminais – do ponto de vista da “Ciência”, acabou por levar os interesses daqueles que se aproveitam do hipergarantismo brasileiro a muitas searas.
 

Nesse sentido, atualmente, os grandes encontros e congressos de Direito Penal contam com palestras apenas daqueles que seguem a cartilha do garantismo irresponsável. Na senda acadêmica, a impregnação dessas idéias é tamanha que dificilmente um estudante de mestrado ou doutorado consegue defender impunemente uma tese contrária ao hipergarantismo. Eu mesmo já compareci a uma defesa de tese em que a candidata defendia a redução da maioridade penal para dezesseis anos. Poucas vezes tive o desprazer de presenciar um tão claro linchamento acadêmico como o que ocorreu naquele dia – e olhe que eu nem defendo essa tese – mas o patrulhamento ideológico garantista ficou evidente. Num aspecto mais importante, é notória a participação e influência do IBCCrim na facilitação da nomeação de advogados e mesmo Juízes e membros do MP aos Tribunais Superiores. Nessa trilha, um garantista “de carteirinha”, seja ele advogado, Juiz ou Promotor, tem mais chance de ser nomeado ao STJ e aos outros Tribunais.

Sem entrar na questão da legitimidade dos interesses defendidos pelo IBCCrim – já que, numa democracia, cada grupo legitimamente defende seus interesses – o que ocorre, e é preocupante, é que não temos a mínima coesão ideológica de grupo para nos opor a essa vertente. Nossas lideranças estão mais preocupadas com questões de vencimentos e aparelhamento das instituições. Frise-se que essas preocupações são importantíssimas, mas se não nos preocuparmos e também cuidarmos para desenvolvermos nosso papel fim, em pouco tempo estaremos novamente na mesma situação em que estávamos antes da Constituição de 1988 – a da mera existência justificada pelo funcionamento formal em uma “suposta” democracia.
 

O senhor concorda que se tudo isso sobrevive talvez tenha como motivo conveniente a uma determinada estrutura, quem sabe pessoas, grupo. O senhor já conseguiu diagnosticar a quem possa interessar e por que somos impotentes para enfrentar essa realidade? 

Creio que as pessoas mais interessadas em que o hipergarantismo continue a diminuir as funções da polícia e do MP são justamente aquelas que criam as normas e muitas daquelas que as interpretam. Agora, temos que reconhecer nossa parcela de culpa e responsabilidade por não conseguir efetivar uma corrente contrária que se oponha aos absurdos que estão ocorrendo. O caminho da criação desse “núcleo duro” contra a impunidade direcionada só pode ser logrado através do diálogo e da flexibilização e diminuição de nossas diferenças. Devemos ter a coragem de expor a que viemos, quem somos e o que defendemos, enxergando-nos como irmãos na busca de um ideal. Só se aproveita de nossas divergências o inimigo oculto que se esconde atrás da retórica hipergarantista

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Do Sinpol-MA


UM CRIME PREVISTO

O Sindicato já tinha comunicado através de ofícios e na mídia (ofícios abaixo) que o crime poderia ocorrer, como de fato ocorreu, se os indicadores da investigação concluir que os criminosos são traficantes com atuação principal na área do 20º DP e Vila São José I e II. É prematuro afirmar que a ex-companheira do policial seja a mandante do crime, apesar dos mesmos viverem constantemente em conflitos, ter brigas constantes e mandar executar seu ex-companheiro, tem uma imensa diferença, as investigações irão traçar a origem e a motivação do crime. Eu, particularmente acredito em um crime praticado por meliantes que atuam principalmente na área de circunscrição do Parque Vitoria.

Já há muito tempo aprendi que não adianta apenas falar, antes de tudo, se faz necessário comunicar por escrito, as relações que envolvem trabalhadores e o patronato é tênue e, portanto vulnerável, o que vale é o que esta escrito, e muitas vezes nem o que está escrito vale alguma coisa, ainda em 2010, no inicio do ano, comuniquei de oficio as ameaças que estavam sendo submetidos os dois policiais civis, isto, há mais de 16 meses, infelizmente o que eu previa, aconteceu.

Quem poderá garantir a nossa segurança e como poderemos dar segurança a sociedade, se nem ao menos nos sentimos seguros e protegidos, não existe solução quando a falência está estabelecida, o único caminho seria o recomeçar, o que nos dias atuais é totalmente impossível, distante e sem o equilíbrio necessário que gera a confiança mínima retirada das coisas mais simples e totalmente perdida no ambiente conspiratório da policia civil maranhense.

                                     
  “Enquanto  o  poço  não  seca,
                                        não sabemos dar valor a água"
                                                                   
                                                               Thomas Fuller

Amon Jessen
Presidente do SINPOL-MA
Investigador de Policia Civil
Data: 24/08/2011

cometário do blog:
são fatos como este que demonstram a fragilidade do sistema e o perigo que nós servidores da segurança pública corremos diariamente. A tentativa de assassinato (não morreu por milagre) do investigador foi covarde e brutal, ao menos foi dada uma respsota imediata. Em que pese os infortunios que passamos no combate a criminalida, o reconhecimento por parte do governo e até da sociedade é mínimo...cobranças, apenas cobranças nos restam!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Paroxismo do absurdo, prepotência, arrogância e irresponsabilidade


Arquivo da Representação em desfavor aos Promotores do Gama
Exmº. Sr. CORREGEDOR DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CNMP 
A Associação dos Delegados de Polícia do DF – ADEPOL/DF, CNPJ n.º 00.720.516/0001-00, sediada SCES TRECHO 2, LOTE 25, Brasília – DF; o Sindicato dos Delegados de Polícia do DF – SINDEPO/DF, CNPJ n.º 32.901.985/0001-12, sediado na CLSW 105 Bloco A, Ed. Espaço 105, Salas 132/133, Setor Sudoeste - Brasília/DF; e o Sindicato dos Policiais Civis do DF – SINPOL/DF, sediado na SCLRN 716, Bloco F, loja 59, entrada 61, Brasília/DF , CNPJ n.º 03.657.152/0001-50; vêm, por meio de seus representantes legais, com fulcro nos §§ 2º, III, e 3º, I, do art. 130-A da CF, apresentar


RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR
 
I – Dos Fatos 
Foi instaurado inquérito policial pela Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos da Polícia Civil do Distrito Federal – DRFV/PCDF para apurar a atuação de uma quadrilha voltada para o cometimento dos delitos de furtos, receptações e adulterações de sinais identificadores de veículos automotores no Distrito Federal, cujas subtrações ocorriam, principalmente, na Região Administrativa do Gama/DF, visando posterior comercialização nos Estados de Goiás e Bahia. 


No mês de maio de 2010, foi formulada representação por Autoridade Policial da Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos - DRFV/PCDF para que fosse autorizada a interceptação telefônica e quebra de sigilo de dados telefônicos das linhas utilizadas pelos suspeitos. Após parecer favorável do representante do MP, as medidas pleiteadas foram deferidas pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal do Gama, com a conseqüente expedição dos mandados judiciais correspondentes.
No decorrer das investigações, solicitou-se ao referido Juízo a prorrogação da interceptação telefônica dos prefixos utilizados pelos suspeitos, sendo todas as medidas prontamente deferidas, sempre com parecer favorável do Órgão Acusatório.
Ocorre que, na terceira fase do monitoramento, em novo pedido de prorrogação de lavra de Delegado de Polícia da DRFV/PCDF o Promotor de Justiça EDIMAR CARMO DA SILVA, que não vinha atuando no processo em questão, instado a se manifestar, foi contrário a todos os pedidos formulados, argumentando, em apertada síntese, que Delegado de Polícia não teria capacidade postulatória para requerer medidas cautelares (interceptação telefônica, prisão cautelar, bloqueio de contas bancárias etc.), em virtude de a nova ordem constitucional outorgar ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública e que, por tal motivo, toda medida necessária à apuração do fato delituoso deveria ser dirigida ao MPDFT, por ser o órgão detentor de legitimidade para provocar o Poder Judiciário.

Mesmo diante do parecer contrário de mencionado Promotor, os pedidos de prorrogação e interceptação telefônica dos suspeitos da quadrilha investigada foram deferidos pela Juíza de Direito com atuação na 2ª Vara Criminal do Gama/DF.
 
Não satisfeito, o aludido membro do Ministério Público, mesmo já estando em curso a interceptação, peticionou por reconsideração do decisum, para que a Magistrada  impedisse a continuidade das interceptações telefônicas, sem êxito, porém.
Em 03.02.2011, foi formulada representação pelo Delegado de Polícia que conduzia a investigação em tela para a decretação da prisão preventiva dos investigados e autorização para busca domiciliar em endereços a eles vinculados, vindo o representante do Parquet, Promotor de Justiça EDIMAR CARMO DA SILVA, a se manifestar apenas em 14.02.2011. Frise-se que os autos só foram restituídos pelo Parquet após requisição do Juízo da 2ª Vara Criminal do Gama/DF.
 Mesmo diante da manifestação ministerial contrária quanto à decretação das prisões preventivas, todos os pedidos foram deferidos pelo Judiciário local. Cabe destacar que o Promotor de Justiça que necessitou duas semanas para análise dos autos e manifestação, considerou que a apuração estava “por demais dilatada”.
Em razão da decretação da prisão preventiva dos investigados, o Promotor de Justiça  EDIMAR CARMO DA SILVA impetrou Habeas Corpus no TJDFT, em benefício dos presos, com pedido de liminar, alegando que a Juíza teria decretado as prisões de ofício, haja vista o não requerimento do titular da ação penal pública, bem como que o inquérito policial não seria concluído em tempo hábil. Todos os Desembargadores que participaram do julgamento denegaram a ordem, contando com parecer do Ministério Público atuante na 2ª instância no mesmo sentido.
 Cabe salientar que o Promotor de Justiça que consumiu duas semanas para apreciação dos autos do Inquérito Policial, e que só os restituiu após requisição judicial, precisou de apenas algumas horas para preparar e distribuir ao TJDFT habeas corpus preventivo em favor dos suspeitos, logo que tomou ciência da decretação das prisões. 
Em 17.02.2011, cumpriram-se os mandados respectivos, que resultaram na prisão preventiva de quase todos os acusados e apreensão de objetos que robusteceram a materialidade dos crimes por eles perpetrados, dentre os quais se destacam: 10 (dez) automóveis produto de crime; equipamentos empregados para adulteração de chassis; placas e demais sinais identificadores de veículos; cadernetas contendo anotações de dados de diversos carros, possivelmente a serem utilizados no processo de “clonagem” de veículos; extratos bancários contendo depósito de dinheiro na conta dos principais componentes da quadrilha. Foram lavrados, ainda, dois autos de prisão em flagrante pela prática de receptações de veículos automotores. 

Com a apresentação do relatório final do inquérito policial, dentro do prazo determinado pelo CPP, os autos foram encaminhados ao Ministério Público, tendo o promotor de justiça
 EDIMAR CARMO DA SILVA deixado de ofertar denúncia, pugnando pela realização de várias diligências, o que ensejou a aplicação do artigo 28 do CPP, ante a incidência do arquivamento implícito. 
Houve entendimento da Procuradoria Geral de que o inquérito tinha elementos suficientes à formação da opinio delecti, em razão do que outra Promotora foi designada para a oferta da ação penal e ela, inclusive, manifestou-se favoravelmente aos novos pedidos de prisão formulados pelo Delegado que conduzia a investigação. 

Ocorre que após o retorno dos autos da Procuradoria de Justiça, em que outra Promotora foi designada para a oferta da denúncia, o Promotor
 EDIMAR CARMO DA SILVA declarou-se suspeito e encaminhou os autos ao substituto legal, Dr. MAURO FARIA DE LIMA, o qual afirmou entender ser atribuição da Promotora que ofertou denúncia a atuação no processo.
Encaminhados os autos à Promotora denunciante, foram eles devolvidos com a determinação de que o substituto legal atuasse regularmente no feito.
O substituto legal indicado, Dr. MAURO FARIA DE LIMA, manifestou-se nos autos em 19.04.2011, tomando ciência dos atos praticados, nada alegando quanto à eventual impedimento ou suspeição.

Em razão da omissão quanto a pedidos anteriormente formulados, os autos retornaram ao Ministério Público em 25.04.2011, oportunidade em que Dr.
 MAURO FARIA DE LIMA, Substituto Legal que já atuara no processo, o encaminhou a outro Promotor, Dr. WANDERLEY FERREIRA DOS SANTOS.
Em sua manifestação, em 28.04.2011, véspera da audiência designada com antecedência, o Promotor de Justiça WANDERLEY FERREIRA DOS SANTOS requereu o adiamento da audiência, mesmo se tratando de processo de réus presos, sob o argumento de que não tivera tempo necessário para estudar o feito.

 Percebendo a existência de um, em tese, conluio entre os Promotores do Gama para procrastinar o andamento do processo e, assim, obrigarem o relaxamento da prisão dos acusados por excesso do prazo, intenção inicial do Promotor
 EDIMAR, outra alternativa não restou à Magistrada, senão a de determinar a soltura imediata dos réus, ante a impossibilidade da renovação da audiência no prazo legal. Vejamos excerto da decisão proferida pela referida Magistrada em que fica comprovado o descaso, a falta de compromisso, o desconhecimento de senso de prioridades de membros do Parquetcom atuação no Gama-DF ou, quando menos, a profunda desorganização administrativa daquela Promotoria: 
 Embora entenda que o Ministério Público é uno e que a gravidade dos fatos noticiados nestes autos ensejaria a priorização de seu andamento, até mesmo em detrimento de outros em que o órgão do MP atuasse, para que os prazos fossem obedecidos, por se tratar de réus presos, em razão da prática de diversos crimes graves em prejuízo do patrimônio de cidadãos de bem, não tem esta Magistrada o poder de obrigar a presença do membro do Ministério Público ao ato e nem mesmo deslocar tantos trabalhadores de seus postos, realizando gastos públicos com alimentação e segurança, ciente de que a audiência não será realizada, pois o Promotor alega que não teve tempo hábil para estudar o feito.
Nesta esteira, em razão do pleito de fls. 924/925, defiro o adiamento da audiência, designando-a para o dia 10 (dez) de junho de 2011, às 9h30min, a ser realizada no plenário do Tribunal do Júri do Gama/DF, tendo em vista o número de réus e a quantidade de testemunhas.
Enquanto os membros do Ministério Público divergem entre si, o prazo para a conclusão do processo vai seguindo e a intenção inicial do Promotor de Justiça, Dr. Edmar Carmo da Silva, que sempre se manifestou pela liberdade dos réus, impetrou habeas corpus e ensejou a incidência do artigo 28 do CPP, vai se confirmando. A justiça não socorre aos que dormem e, considerando o exaurimento dos prazos, nem sempre os atos podem ser realizados no tempo em que o Juiz deseja, dependendo ele da iniciativa e empenho do titular da ação penal.

Todos os esforços desta Juíza foram envidados para a realização do ato, mas o próprio Ministério Público acabou por ensejar, por sua e exclusiva ação ou omissão, a caracterização do excesso de prazo, pois já não haverá mais tempo hábil para a renovação do ato, no prazo legal.
Isto posto, tendo em vista a atual fase em que se encontra a ação penal e diante da certeza da demora de sua tramitação, causada por razões estranhas a vontade dos acusados, mesmo diante da gravidade da conduta a eles imputadas, com fundamento no art. 316 do Código de Processo Penal, CONCEDO, de ofício, a liberdade provisória aos denunciados    
Destaque-se que os réus estão em liberdade e, muito provavelmente, gozando o proveito de suas ações delituosas, eis que o Promotor EDIMAR CARMO DA SILVA inviabilizou o seqüestro dos valores disponíveis em suas contas bancárias, ao se recusar à manifestação em representação da Autoridade Policial por bloqueio judicial das contas. 
Ou seja, a seqüência de fatos acima descritos, determinados pela ação ou omissão dos membros do MP da Promotoria do Gama/DF, ocasionou que pessoas dedicadas ao cometimento de crimes patrimoniais, que ao longo do tempo amealharam, pelo menos, algumas centenas de milhares de reais, ficassem livres para evadir-se do distrito da culpa e gozar o proveito dos delitos cometidos. Considerando o que ordinariamente acontece, é praticamente certo que os réus não estarão à disposição da Justiça em 10/06/2011, data designada para a audiência de instrução.  
             2 – Do Direito
Em nosso sistema jurídico não há direitos absolutos.

 As prerrogativas e garantias postas à disposição dos membros do Ministério Público, até em sede constitucional, se prestam a garantir-lhes a liberdade de atuação, não para atender a caprichos oriundos de posicionamentos religiosos ou filosóficos que não encontram ressonância no ordenamento jurídico.
 O Promotor de Justiça não é um ente metajurídico, nem tem a prerrogativa de atuação supralegal. O Promotor de Justiça é servidor público, operador do direito essencial à realização da justiça, como os demais que compõem sistema macro de segurança pública, que engloba desde a polícia até o executor da pena. 

 Nada impede que membros do Parquet se filiem a correntes doutrinárias fundamentadas no abolicionismo de Louk Hulsman, para quem o Estado não tem o direito de encarcerar quem quer que seja. Com toda vênia, a sede para difundir essa verdadeira profissão de fé não é o processo criminal, mas o ambiente acadêmico. Politicamente, é legítimo que os abolicionistas tentem influenciar o Poder Legislativo a vazar regras que impeçam a prisão de criminosos. O que não se admite é que Promotores se escorem em suas garantias e prerrogativas para forçar uma mudança de paradigma para qual não têm legitimidade que, pelo Estado Brasileiro, foi cometida ao Poder Legislativo.

O entendimento do MPDFT não é consonante com o do grupo de Promotores que oficiam nas varas criminais do Gama-DF.
 

Houve duas manifestações decorrentes do imbróglio originado na conduta, sobretudo, do Promotor
 EDIMAR CARMO DA SILVA. Na primeira delas, o
 Procurador de Justiça se manifestou contrariamente a concessão de HC preventivo impetrado pelo citado Promotor, em benefício dos membros da quadrilha que era investigada; na segunda delas, o Procurador Geral valeu-se da medida extrema de determinar a outro membro do MP que atuasse como longa manus e oferecesse denúncia em lugar do Promotor (EDIMAR CARMO DA SILVA) que preferiu discutir teses acadêmicas, ao invés de cumprir o seu dever de ofício. Veja-se que um dos Promotores, que demorou quase metade de um mês para lançar manifestação de três laudas, arvora-se a condição de “coordenador de todos os atos da apuração criminal”.


 
 Não obstante o oferecimento da denúncia, houve um “jogo de empurra” entre os promotores do Gama-DF que ocasionou fossem os réus colocados em liberdade, ante o excesso de prazo no curso do processo criminal.
Resta evidente, em relação à Promotoria Criminal do Gama, a faute du service.

 Essa falha, gerando excesso de prazo no desenrolar do processo, pode ser decorrente de um dos seguintes fatores:

a)
      Uma desorganização administrativa da Promotoria que impede que os membros saibam quais são os casos que merecem especial atenção. In casu, é improvável que naquela Promotoria houvesse processos com maiores implicações que esse (oito réus presos, centenas de milhares de reais em bens apreendidos, dezenas de testemunhas a serem ouvidas, enorme estrutura de logística para realização da audiência inicialmente designada para 29/04/2011);

b)
      Os promotores chamados a participar da instrução do processo, sponte propria, ocasionaram o excesso de prazo, eventualmente como forma de demonstrar solidariedade ao Promotor que se recusava a oferecer a denúncia, para tanto se valendo de um “jogo de empurra”; e

c)
      Os Promotores trabalharam mal, não com intuito de ocasionar o excesso de prazo, mas apenas por falta de compromisso para com seus deveres funcionais. 
Para compreender quais razões ocasionaram os absurdos decorrentes da atuação dos promotores do Gama, renovada vênia, entendemos que o caso é de realização de correição geral naquela Promotoria, nos termos do que prevê o artigo 68 c/c 74 §7º inciso IV, todos do RICNMP.            

Temos notícias que dão conta de grande quantidade de arquivamento de inquéritos policiais por iniciativa, especialmente, do Promotor
 EDIMAR CARMO DA SILVA. Desconhecemos em quais outros casos houve denúncia ordenada pelo Procurador Geral em substituição ao promotor omisso. Não há notícia de que tenha havido atuação do órgão disciplinar local. 
Os representantes entendem que as condutas adotadas pelos promotores de justiça EDIMAR CARMO DA SILVA, MAURO FARIA DE LIMA e WANDERLEY FERREIRA DOS SANTOS, em tese, configuraram transgressão disciplinar, por ferimento dos deveres funcionais previstos nos artigo 236, I e IX, da Lei Complementar nº 75/1993.
Os indícios preliminarmente recolhidos, ainda em tese, estão a indicar que os promotores MAURO FARIA DE LIMA e WANDERLEY FERREIRA DOS SANTOS, após a recusa do PromotorEDIMAR CARMO DA SILVA em oferecer denúncia em relação a componentes de uma quadrilha especializada na subtração de veículos e outros delitos a essa prática relacionados, buscaram inviabilizar o andamento regular do processo, cujo início decorreu de denúncia ofertada por determinação da Sra. Procuradora Geral do MPDFT, nos termos do previsto no artigo 28 do CPP.
Nessa linha, caso comprovados os fatos, pode-se deduzir que os três promotores atuaram em conduta concertada para ocasionar o excesso de prazo na instrução criminal, com vistas a que os réus presos fossem colocados em liberdade.
Ainda que assim não se considere, resta induvidoso que, quando menos, somos forçados a entender que a administração da Promotoria do Gama encontra-se caótica, a ponto de não se tratar como prioritário processo criminal com oito réus presos, milhares de reais em bens apreendidos e enorme logística preparada para possibilitar a realização de audiência de instrução e julgamento.

Não conseguimos vislumbrar outra possibilidade, que não as duas aventadas, que possa explicar a inércia do Órgão Acusador, a ponto de provocar a indignação por parte da Magistrada que exarou a decisão interlocutória ao conceder liberdade provisória aos acusados.

Nem se fale da recusa do Promotor
 EDIMAR CARMO DA SILVA em se manifestar a respeito de representação por bloqueio de contas bancárias.
O interesse das entidades de classe que subscrevem, por seus dirigentes, a presente reclamação prende-se aos seguintes:

a)
      A conduta dos Promotores reclamados, seja qual for o desígnio ou por ineficiência, ocasionou que centenas de horas de trabalho de delegados de polícia e policiais civis fossem solenemente desprezadas, eis que a ausência de articulação voltada ao atendimento do interesse público primário teve por conseqüência o aumento da sensação de impunidade. Essa sensação de impunidade contagiará outros delinqüentes, da mesma cepa daqueles postos em liberdade no curso do processo, a encetarem novas cirandas criminosas na Região Administrativa do Gama-DF;
b)      Além da sensação de impunidade que animará os delinqüentes, os desdobramentos da faute du service da Promotoria funcionarão como elemento a causar falta de motivação aos encarregados da produção da prova inquisitorial, condição ordinária para atuação do MP;

c)
      A comunidade do Gama-DF ficará exposta a tornar-se um reduto seguro, pela impunidade, para o cometimento de crimes. Parece que os promotores com atuação ali têm um sentimento libertário que não se verifica nas demais promotorias. A notícia da impunidade tem se alastrado no meio criminoso e pode lavar aquele que tiver o comportamento voltado para o cometimento do delito, a escolher Gama-DF como base de atuação, eis que tudo leva a crer que grande será a possibilidade de escapar da punição – porque, com tais atitudes, transparece para a população que a Promotoria do Gama venha a ser ineficiente e desorganizada administrativamente ou que ali estão lotados abolicionistas empedernidos. Esse deslocamento de criminosos para o Gama-DF, que inexoravelmente ocorrerá se medidas não foram adotadas em relação às citadas condutas, exporá a riscos exponenciais o cidadão residente no Gama-DF e ampliará o ordinário risco de mote para os Delegados e seus Agentes que tiverem o “azar” de ali exercerem seus misteres.           

Não se trata, Excelência, de debate sobre teses jurídicas. Muito pelo contrário, trata-se de cobrar do Ministério Público a mesma transparência que esse organismo exige e, faz bem em exigir, de todo agente público.
  2.1 – Das Provas  
Junto à representação encaminhamos os documentos aos quais tivemos acesso, com vistas a subsidiar a análise inicial da reclamação disciplinar, e permitir que essa Corregedoria Nacional tenha as informações que possibilitarão requisitar tudo mais quanto for necessário à apuração das responsabilidades pelos eventos descritos no item 1.
Tendo em vista notícias de que o tipo de atuação dos promotores do Gama-DF que resultou na presente reclamação não é excepcional, mas recorrente, sugerimos a realização de correição especial naquela Promotoria, bem como que se tragam a lume os casos de arquivamento implícito ou explícito de responsabilidade dos promotores mencionados nos itens anteriores.
Sugerimos a oitiva por esse Conselho dos Delegados de Polícia e dos Magistrados que tiveram atuação no Gama-DF nos últimos anos, bem como a juntada das representações disciplinares eventualmente encaminhados ao órgão correcional local.
Para melhor compreensão do tumulto processual que redundou no excesso de prazo, acreditamos ser necessário ao Conselho ter acesso à cópia dos autos do processo principal, bem assim dos procedimentos de interceptação por comunicações telefônicas, representações por busca e apreensão, por decretação de prisão preventiva e pelo bloqueio de contas bancárias.

 Brasília, 09 de maio de 2011.   José Werick de Carvalho            Benito A. G. Tiezzi                 Ciro J. de FreitasPresidente da ADEPOL-DF     Presidente do SINDEPO-DF    Presidente do SINPOL-DF