sexta-feira, 22 de abril de 2011

Delegado de polícia como fiscal externo do MP


JURÍDICO

Por Vinicios Batista do Valle

O presente artigo tem por escopo apresentar a possibilidade de controle externo realizado pelo Delegado de Polícia em relação ao Ministério Público para, no mínimo, assegurar proteção a direito fundamental, já que a ação penal privada subsidiária da pública possui matriz no texto constitucional, conforme disposto no art. 5º inc. LIX da CF/88. A despeito da temática ora proposta, procurou o autor discorrer sobre os assuntos conexos como forma de esclarecer melhor, enfatizar o contexto no direito pátrio e reagir com argumentos sobre a constitucionalidade e eficácia deste dispositivo para o desempenho das atividades do Delegado de Polícia, e por fim, a necessidade de ser legitimada tal conduta para que suas atribuições sejam cumpridas à luz da CRFB/88 e do Código de Processo Penal. A exposição se deu de forma clara e objetiva com o intuito de servir como argumento e fonte de pesquisa para o tema. Utilizou-se de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, sendo levantado um material, em que trouxe a tona algumas ideias e a que deve prevalecer pelo entendimento do deste autor.

Palavras-chave: Delegado de Polícia1. Controle Externo2. Ministério Público 3. Ação Penal Privada Subsidiária da Pública4. Código de Defesa do Consumidor5.


1- INTRODUÇÃO

Em nosso ordenamento jurídico há várias formas de controle/fiscalização das ações estatais, onde o presente estudo jurídico tem por tema demonstrar a possibilidade de exercício do controle externo realizado pelo Delegado de Polícia em relação ao Ministério Público inerte, quando da propositura da ação penal pública, em apreço ao Princípio da Obrigatoriedade, pois se presentes suas condições e pressupostos para o regular exercício do direito de ação, o órgão ministerial deverá promovê-la, conforme art. 129, inc. I da CRFB/88 e art. 24 do CPP.

Entretanto, também a CRFB/88, excepcionaliza-se e permite a ampliação do pólo ativo da demanda, para suprir tal desídia do MP e viabilizar a ação penal privada subsidiária da pública, bem como o Código de Defesa do Consumidor, na harmonia com o texto constitucional, faculta, para além do ofendido ou representante legal, a outros órgãos estatais, reforçando e maximizando os direitos fundamentais.

Dentro destes órgãos estatais, sem dúvida está a Polícia Civil, que desempenha papel social de relevância ao cumprimento do ordenamento jurídico, tendo sua missão precípua estabelecida na CRFB/88, em seu art.144, inc. IV e normas infraconstitucionais.

2- BREVES CONSIDERAÇÕES DA AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA

Temos por regra, a legitimação do ofendido ou representante legal, para a propositura da ação penal privada subsidiária da pública, tendo inclusive matriz constitucional – art. 5º inc. LIX da CF/88 – traduzindo-se em direito fundamental, onde a vítima passou a ter legitimidade quando ocorrer inércia do órgão do MP, ou seja, quando ele, no prazo legal que lhe é concedido para oferecer a denúncia, não a apresenta, não requer diligência, nem pede o arquivamento, dessa forma, a vítima ou ofendido, que maior interesse tem na fiscalização da atuação do órgão acusador, promoverá a respectiva ação penal, através da queixa-crime.

Com isso, surge a legitimidade extraordinária, que decorre de casos excepcionais e expressamente previstos em lei, onde se admite que alguém vá a juízo, em nome próprio, para defender interesses alheios.

É de bom alvitre destacar que nesta hipótese de ação penal, o ofendido não é substituto processual, pois não excluirá a legitimação ordinária do MP (são legitimidades que co-existem), havendo litisconsórcio ativo, tanto é verdade que pela negligência do ofendido, o MP retomará como parte principal, pois a ação penal não perde sua natureza jurídica de ação penal pública.

Ademais, o ofendido se sujeita ao prazo fatal e improrrogável da decadência, porém não extingue a punibilidade, só extinguindo o direito de ação, portanto, este instituto não atinge o órgão ministerial que pode oferecer a denúncia a qualquer tempo, mesmo após os seis meses, observando para tanto o prazo prescricional.


3- AMPLIAÇÃO DA LEGITIMIDADE NA PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL

Quis o legislador infraconstitucional ampliar tal forma de controle externo do MP, nas hipóteses inerentes a Defesa do Consumidor, facultando legitimidade para outras pessoas, bem como a certos órgãos estatais, conforme percebemos na combinação dos art. 80 e 82, inc. III, ambos do CDC, in verbis :

Art. 80. No processo penal atinente aos crimes previstos neste código, bem como a outros crimes e contravenções que envolvam relações de consumo, poderão intervir, como assistentes do Ministério Público, os legitimados indicados no art. 82, inciso III e IV, aos quais também é facultado propor ação penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código(grifo nosso)

Dessa forma, em apreço ao Princípio da Legalidade – art. 37 caput da CF/88, está a Administração Pública incumbida da análise facultativa em promover a ação penal privada subsidiária da pública, na hipótese disposta no art. 29 do CPP.

Com isso, será inevitável, se exercido pelo órgão estatal, o controle externo realizado pela Administração Pública ao Ministério Público, que ao nosso sentir, também é salutar dentro de nosso sistema de freios e contrapesos – Checks and Balances, que obsta a centralização onipresente de forças a qualquer órgão ou poder estatal.

4- O DELEGADO DE POLÍCIA COMO FISCAL EXTERNO DO MP

A Polícia Civil, órgão da Administração Pública, dentro de seu mister constitucional - o exercício de polícia judiciária e investigativa - recebeu mais uma missão do legislador, conforme se depreende pela simples leitura dos dispositivos legais acima apresentados, ou seja, tem a possibilidade de promover a ação penal privada subsidiária da pública nos casos em que, especificamente, estiver destinado à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, ou seja, nos crimes inerentes a relações de consumo.

Destaca-se, o que nos afirma o festejado Guilherme de Souza Nucci, que:

“Estão legitimados outros entes, que não o Ministério Público, para a proteção do consumidor em juízo, inclusive na esfera criminal.”

Assim, dentro de todos os órgãos da Polícia Civil, temos a Delegacia de Defesa do Consumidor – DECON, que está diretamente afeta ao disposto no CDC, cabendo ao seu Delegado de Polícia Titular, investido de atribuições legais, especialmente ao tema consumerista, dentro de sua análise, a faculdade de promover ou não a ação penal privada subsidiária da pública e ao exercê-la, teremos o consequente exercício do controle externo ao órgão ministerial, já que suprirá, através da queixa-crime, a inércia do MP que não cumpriu o Princípio da Obrigatoriedade.

Dentre outras situações, tal fiscalização externa é importante ser realizado pelo titular do órgão policial - DECON, pois levando em consideração, principalmente, sob dois prismas:

§  Na ótica da vítima, que dificilmente, acompanha o desenrolar do Inquérito Policial e Termo Circunstanciado, ou até mesmo por sua ignorância jurídica, além da proteção feita pelo Delegado de Polícia a direito fundamental não exercido pela vítima;
§  Pelo prisma do infrator que se beneficiaria do fatal instituto da decadência, retirando um dos legitimados inertes, e a possibilidade de prescrição, se ninguém a promover no respectivo prazo legal.

CONCLUSÃO

A ação penal privada subsidiária da pública é um direito fundamental consagrado pela nossa CF/88, permitindo, na sua interpretação, a sua máxima efetividade, onde o legislador infraconstitucional caminhou bem, não apenas deixando ao ofendido a legitimidade da ação penal, mais a ampliando para os direitos de defesa do consumidor - direitos de 3ª dimensão, onde há uma gama enorme de relações jurídicas em nosso dia-a-dia, que por diversas razões, principalmente, pela globalização e a veloz capacidade de consumo da sociedade brasileira, em decorrência do aumento/facilidade do crédito faz crescer os conflitos nesta seara jurídica.

Por fim, o exercício dessa fiscalização externa realizada pela Autoridade Policial titular da DECON ao órgão do Ministério Público, proporciona uma melhor prestação do serviço público, permitindo com que a vítima tenha a certeza de que o autor da infração penal responderá pela sua conduta delituosa perante o Poder Judiciário (ainda que ela fique inerte), além de causar a redução da certeza de impunidade pelo infrator, nos delitos relacionados ao consumidor, já que haverá mais um fiscal dos direitos fundamentais - o Delegado de Polícia.

BIBLIOGRAFIA

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 12ª edição; Editora RT 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=a%E7%E3o+penal+privada+subsidi%E1ria+da+p%FAblica&base=baseAcordaos, acessado em 14/04/11.

Sobre o autor
Vinicios Batista do Valle é Delegado de Polícia e Especialista em Processo Penal e Penal



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