Por: Alexandre Pereira da Rocha
As greves nas polícias não
sustaram as festas carnavalescas do Brasil. Mas o recado foi dado em
tom de ameaças e violências na Bahia. Em outros lugares foi feito de
modo sutil por meio de operações-padrão, nas quais os policiais só saem
às ruas com condições de trabalho, de segurança e em casos urgentes.
Assim ficou decidido no Distrito Federal pelos policiais militares.
Seja como for, tais movimentos grevistas indicam a insatisfação dos
policiais. Agora é ver se, uma vez passado o Carnaval, essa questão
será rediscutida ou se tudo terminará em samba.
A greve policial é assunto controverso, sobretudo
para as de caráter militar. Existem entendimentos jurídicos diversos.
Para alguns, as corporações policiais têm o direito à greve como
qualquer outra classe de trabalhadores. Para outros, tal direito é
negado, pois a polícia exerce função essencial. Independente desses
entendimentos, policiais civis e militares cada vez mais buscam
movimentos grevistas para reivindicar melhores salários.
Todavia, o que os governos não veem ou ignoram é que
as greves policiais significam mais do que lutas salariais. Elas
sinalizam o esgotamento de um sistema. Entre as instituições
brasileiras, a polícia é uma das que a sociedade menos confia. Dados
coletados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em
2010, para compor o Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips)
sobre Segurança Pública, evidenciam que a polícia brasileira não tem
boa imagem junto aos cidadãos. É lamentável, mas em nenhuma região do
País mais que 6% da população diz confiar muito no trabalho policial.
Além dessa desconfiança por parte dos cidadãos,
destaca-se outro agravante: a baixa eficiência do trabalho policial.
Analisando apenas o crime de homicídio – que tem maior repercussão e
mobiliza maiores esforços das polícias – o número de casos solucionados
é irrisório. Em média, 5% a 10% dos homicídios são esclarecidos pelas
polícias brasileiras. Tais cifras ficam piores quando se cogita outros
tipos de crimes de menor impacto junto à opinião pública.
A esse contexto de desconfiança e ineficiência se
soma o aumento da criminalidade. O medo de ser vítima do crime consome
milhares de brasileiros. Novamente, segundo dados Ipea/Sips, 78,6% dos
brasileiros têm muito medo de ser assassinado. Tudo isso gera uma
situação idiossincrática, pois embora a polícia seja vista com
descrédito por parte significativa da população e não seja exemplo de
eficiência, ela é reclamada como a exclusiva responsável para
solucionar o problema da criminalidade.
Tais fatos são graves, contudo representam só a ponta
do iceberg. Há outros submersos. Primeiro, constata-se a divisão
estanque dos tipos de polícia militar e civil, a qual só presta a
interesses corporativos. Segundo, a desvalorização da carreira policial
que desmotiva ou impele policiais para corrupção. Terceiro, estruturas
antiquadas e sucateadas, as quais não têm condições de lidar com o
crime organizado. Quarto, organizações montadas numa linha autoritária
de comando que não reconhece o policial de base. Quinto, populismo
barato nas discussões sobre segurança pública e polícia. Essa lista não
exaure aqui.
Nesse contexto, as greves policiais aparentemente
reclamam por salários, mas na essência o que elas dizem é que o sistema
policial brasileiro não serve aos policiais tampouco à sociedade. A
temática policial foi alijada das discussões da constituinte dos anos
1980, porque se preferiu esconder o passado das polícias junto ao
Regime Militar, em vez de tratá-lo abertamente. O Artigo 144, da
Constituição de 1988, que trata sobre Segurança Pública consolidou, na
democracia, polícias autoritárias. Ou seja, não se preparou as polícias
para a era democrática. Com efeito, traços autoritários se expressam
nas ações policiais corriqueiras.
A despeito das provas incontestáveis do esfacelamento
do sistema policial brasileiro, os governantes e os dirigentes das
polícias não encaram a questão policial de frente. Aliás, as próprias
polícias não abordam a questão com razoabilidade. Por exemplo, a PEC
300, que versa sobre piso salarial nacional, poderia trazer ganhos
imediatos, mas num futuro próximo engessaria ainda mais o sistema. É
mais do que justa a reivindicação por salários dignos, porém o tema
salarial não atinge todas as polícias da mesma forma. As carreiras de
comando, a elite policial, por exemplo, são remuneradas adequadamente.
Por outro lado, as deficiências do sistema policial atacam a todos.
O problema pior é que o debate público acerca da
questão policial dificilmente abrange aspectos qualitativos da função
policial. Ele se concentra nos recursos, nas estruturas e nas
atribuições das polícias. As soluções adotadas até agora para conter as
greves policiais não fogem à regra. Ou se cala os policiais com ações
judiciais e Exército nas ruas ou se concede alguns pífios reajustes
salariais. Enquanto isso, a questão policial sucumbe perante os sons de
tambores, cuícas, rajadas de metralhadoras, gritos de socorro.
Alexandre Pereira da Rocha é doutorando em Ciênciais
Sociais no Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas
(CEPPAC), da Universidade de Brasília. Tem Graduação e Mestrado em
Ciência Política pela UnB. Experiência na área de Ciência Política, com
ênfase em política brasileira, teoria geral do Estado, administração
pública, partidos políticos, legislativo, segurança pública, violência,
polícia, estudos comparados.
Fonte: Brasil 247
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