terça-feira, 12 de junho de 2012

CONJUR: Polícia Judiciária evoluiu com direitos fundamentais


Segurança pública

A presente matéria estuda a transformação da atividade desenvolvida pela Polícia Civil sob a óptica da evolução dos direito e garantias fundamentais. A Polícia Judiciária, em razão da natureza da atividade que exerce, acompanhou a evolução dos direitos e garantias fundamentais, com o objetivo de atender aos anseios da sociedade na área da segurança pública.

Evolução dos Direito Fundamentais
 
Antes de estudar a metamorfose da atividade exercida pela Polícia Judiciária é oportuno examinar a evolução dos direitos fundamentais. A doutrina[1] classifica os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração, com base na ordem histórica cronológica em que foram reconhecidos pelas Constituições.


Direitos Fundamentais e gerações
 
O conceituado constitucionalista Alexandre de Moraes[2] ensina que os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos individuais clássicos, chamados também de liberdades públicas, surgidos institucionalmente a partir da Magna Carta. A Carta Magna limitou, em 1215, o poder dos monarcas na Inglaterra e deu origem ao movimento denominado “constitucionalismo”.


Normalmente, são integrados pelos direitos civis e políticos, dos quais são exemplo o direito à vida, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio etc. Os direitos fundamentais de segunda geração são denominados direitos positivos, pois, ao invés de limitar o poder dos governantes, impõe ao Estado a obrigação de adotar medidas relacionadas à diminuição dos problemas sociais.

Finalmente, os direitos fundamentais de terceira geração defendem os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade. Os direitos de terceira geração abrangem, entre outros, o direito à paz social, à preservação do ambiente, ao desenvolvimento econômico.

Saliente-se que os direitos de terceira geração não se preocupam com um grupo determinado de pessoas, mas sim com a coletividade. Após estudar a evolução dos direitos fundamentais, indaga-se: Qual a relação existente entre a evolução dos direitos fundamentais e a transformação da atividade exercida pela Polícia Judiciária?

A resposta é simples: a Polícia Judiciária, na condição de Instituição responsável pela elucidação dos crimes e necessitando atender aos anseios da sociedade na área da segurança pública, foi obrigada a adaptar suas atribuições de acordo com o desenvolvimento dos direitos fundamentais, principalmente, no que se refere ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Extrai-se tal conclusão do confronto entre a transformação progressiva da atividade de Polícia Judiciária e a evolução histórica dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração.

Inicialmente, o trabalho executado pela Polícia Civil estava vinculado à imagem repressiva. Durante o período da ditadura militar, a atividade de Polícia Judiciária foi utilizada como instrumento político.

Posteriormente, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, conferiu expressamente à Polícia Civil a atribuição de elucidação dos delitos – investigação criminal. A Polícia Judiciária, então, assumiu o papel de guardiã da segurança pública, como gestora das atividades policiais repressivas do Estado.

Finalmente, com a adoção dos direitos fundamentais de terceira geração, descortina um novo horizonte para a Polícia Civil na área da paz social, atuando na superação da violência e dos conflitos.

Isto significa que, com a nova ordem jurídica constitucional, a Polícia Civil se prepara para assumir o papel de pacificadora social. Constata-se, portanto, que, em razão da evolução dos direitos fundamentais, as atribuições da Polícia Civil foram ampliadas.

Efetivamente, as atribuições da Polícia Judiciária, nos dias de hoje, não se resumem à investigação criminal - elucidação das circunstâncias e autoria dos crimes, abrangem, também, a atividade de mediação de conflitos decorrentes das infrações criminais de menor potencial ofensivo – pacificadora social.

Evolução do perfil do delegado de Polícia

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Por outro lado, o delegado de Polícia, para desempenhar o novo papel da Polícia Civil, precisou alterar seu perfil profissional. Antigamente, o delegado de Polícia era um servidor mais operacional, voltado somente à investigação criminal. Atualmente, o Delegado de Polícia é um profissional mais sofisticado, um verdadeiro operador do direito, que domina a ciência da investigação.


Ressalte-se que a inclusão da atividade exercida pelos Delegados de Polícia no rol das carreiras jurídica, além de atender aos interesses públicos, valorizou o trabalho desenvolvido pelas Autoridades Policiais. Neste sentido, registre-se que, recentemente, foi aprovada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a Emenda Constitucional 35/2012.

Os principais reflexos jurídicos da norma em tela são:

- atividade exercida pelos delegados de Polícia foi inserida no rol das carreiras jurídicas;
- a Polícia Judiciária passou a ser considerada atribuição essencial à função jurisdicional do Estado;
- os delegados de Polícia conquistaram a independência funcional, por intermédio da livre convicção motivada dos atos de Polícia Judiciária; e
- a exigência de dois anos de atividade jurídica para o ingresso à carreira de Delegado de Polícia proporcionará a seleção de candidatos com mais experiência e conhecimento na área do direito.

Valorização do Inquérito Policial

Ademais, o inquérito policial, principal ato de Polícia Judiciária, também, se amoldou à nova ordem jurídica constitucional. De fato, o inquérito policial era considerado um procedimento dispensável, de natureza inquisitiva, meramente preparatório da ação penal.

Acontece que a Constituição Federal adotou o princípio do devido processo legal, no inciso LIV, do art. 5º:
Art. 5º - (...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (grifei)
O princípio do devido processo legal é concebido como o conjunto de direitos, que garante uma investigação, instrução e julgamento justo ao acusado.

Por força deste princípio, o inquérito policial se transformou em um instrumento de defesa dos direitos e garantias individuais, por intermédio da busca da verdade real, tendo como destinatário o Poder Judiciário.

Vale lembrar que a Autoridade Policial, por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela causa investigada. Isto significa que o Delegado de Polícia não está vinculado à acusação ou à defesa, agindo como um magistrado, tem apenas compromisso com a verdade dos fatos. Conclui-se, portanto, que a Polícia Judiciária sofreu verdadeira metamorfose profissional, evoluindo de mero coadjuvante para assumir a condição de protagonista no cenário da segurança pública nacional.
Mário Leite de Barros Filho é delegado de Polícia do Estado de São Paulo, professor da Academia de Polícia de São Paulo, professor universitário e tutor do Ensino a Distância da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).

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