CNJ decide onde sentam MP e defesa em audiência
Imediatamente
à direita do juiz ou no mesmo nível da defesa? A discussão sobre a
cátedra mais apropriada ao membro do Ministério Público, que à primeira
vista pode parecer secundária, será analisada na terça-feira (28/2) pelo
Conselho Nacional de Justiça. Até agora, o que se tem é uma liminar a favor do parquet no curso de um procedimento de controle administrativo relatado pelo conselheiro Marcelo Nobre, relator da consulta.
O debate chegou ao CNJ porque, em 2011, dois juízes — Ben-Hur Viza e Fábio Martins de Lima — mudaram o layout de suas salas de audiência de modo a situar defesa e acusação no mesmo plano. Acontece que, de acordo com a da Lei Complementar 75, de 1993, promotores têm a prerrogativa de se sentaram no mesmo nível da magistratura durante as sessões. Eles são, respectivamente, do 2º Juizado Especial Cível, Criminal e de Violência Doméstica e Familiar do Núcleo Bandeirante e do 1º Juizado Especial Criminal e de Violência Doméstica e Familiar de Planaltina.
Alegando descumprimento do artigo 18, inciso I, alínea a, da Lei Complementar 75, o Ministério Público do Distrito Federal apresentou pedido requerendo o restabelecimento da disposição de assentos. De acordo com o órgão, os juízos que modificaram o layout das salas de audiências são de juízos criminais, onde a atuação do Ministério Público como órgão de Estado é obrigatória e não de representação do réu ou a vítima, como o faz o advogado.
Acontece que a Lei Orgânica da Defensoria Pública prevê justamente que o defensor público deve se sentar exatamente no mesmo plano da promotoria. Foi isso, inclusive, que ensejou a opção dos julgadores em deslocar os promotores para um plano abaixo deles.
As opiniões sobre o embate se dividem. Enquanto o Ministério Público invoca a "tradição consagrada em todas as instâncias judiciárias" do assento diferenciado, membros da Defensoria Pública e advogados pedem a paridade de armas.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a fim de chegar a um consenso, realizou uma consulta com diversas entidades envolvidas no assunto. Na terça, o Plenário do CNJ decide se o dispositivo merece questionamento e se a moderna configuração da Justiça impõe quebra de paradigma e mudança.
Na inicial da consulta pública, o TJ-DF lembra que o tema envolve duas possibilidades: a atuação do Ministério Público como parte ou, ainda, como fiscal da lei, o custus legis. "Existem posicionamentos no sentido de que a incidência da prerrogativa legal ocorre apenas quando o parquet oficia como custus legis", declara o tribunal, em documento assinado pelo corregedor de Justiça, desembargador Sérgio Bittencourt.
Na qualidade de amicus curiae, a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) vai fazer sustentação oral defendendo a Lei Complementar 132, que estabelece as prerrogativas dos defensores. Em conversa com a Consultor Jurídico, o vice-presidente da entidade, o defensor público Antônio Maffezoli, lembrou que a Anadep defende a paridade de armas, sobretudo nas ações criminais, quando o Ministério Público acusa.
Para ele, "a colocação do órgão acusador em lugar de destaque passa a impressão de que acusação tem credibilidade maior, porque está acima do nível". Ele diz ainda que a intenção da entidade, que ingressou como amicus curiae no começo do mês, não é se sentar ao lado da magistratura. "Queremos o cumprimento da lei, não nos sentar no mesmo nível do juiz. Não queremos essa posição diferenciada", diz.
O presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), desembargador Cláudio dell'Orto, acredita que a simbologia do layout pode afetar o entendimento dos jurados acerca do julgamento. "Essa composição cênica da sala de julgamento causa uma influência no público, nos jurados", diz ele, que atou em Tribunal do Júri por cinco anos.
"Com o passar dos anos, o juiz do tribunal de júri e o promotor, principalmente no interior, acabam conversando. O jurado está vendo. O juiz às vezes conta uma história, o telefone toca, mostra quem é que mandou uma mensagem, coisas desse tipo. Então, revela para o jurado uma certa intimidade entre o juiz. Acho que seria bom para o Ministério Público abrir mão dessa posição do lado do juiz e vir para uma posição mais do povo, mas é difícil convencer o Ministério Público disso", declara.
O desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é avesso à ideia. Para ele, "essa é uma bobagem que inventaram, de que a disposição geográfica influencia psicologicamente os jurados". Segundo ele, que também atuou em Tribunal do Júri, "o jurado, quando vai à audiência, já sabe o que vai fazer. O problema não é onde estão sentados promotor e advogado, mas sim a forma como o juiz vai conduzir a audiência, se ele é mais liberal ou reacionário".
Ao prestar informações, a Associação dos Defensores Públicos do Distrito Federal (Adepdf) declarou que "a isonomia de tratamento entre todos os operadores do Direito é premissa fundamental ao bom funcionamento da atividade jurisdicional do Estado, sobretudo, diante da moldura democrática estabelecida por nossa Constituição Federal".
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), desembargador Henrique Nelson Calandra, diz não acreditar na alegação de que o lugar do promotor, ao lado e no mesmo nível do julgador, atrapalhe o juízo que os jurados fazem da cena. "Isso se encontra superado", diz.
Ainda assim, declarou que "as vaidades têm de ceder espaço à modernidade, e na modernidade, promotoria e defesa se sentam no mesmo nível". "Advogados e promotores, com todo respeito, apenas passam pela sala de audiência", conta, enfatizando que o promotor querer se sentar ao lado do juiz "é algo que não se coaduna com os dias atuais".
Para Calandra, todas as partes devem ter posição de conforto, destaque e respeito na sala. "Não é a posição que vai oferecer um tratamento melhor ou pior." Ainda assim, defende que "o magistrado deve ficar acima por causa da missão que ele desenvolve em prol da sociedade".
Segundo o desembargador, "nos países com mais tempo de história de Constituição republicana, existe o mesmo nível físico entre advogados e acusação". Ele ressalva, ainda, que, em muitos casos, as salas de audiência sequer têm espaço para comportar o assento da magistratura, que dirá, um de cada lado, defensor e acusação. "Alguém vai cair de cima do tablado", diz.
O promotor Antonio Suxberger, assessor de controle de constitucionalidade do Ministério Público do Distrito Federal, conta que o ato dos juízes contraria a lei. "Falta uma melhor compreensão sobre o papel do promotor. Ele não é um acusador implacável. Essa interpretação é equivocada. O jurado é leigo, mas não por isso menos inteligente e não se impressiona com a colocação dos assentos", diz.
Ao prestar informações, o Ministério Público do Distrito Federal disse que "se por um lado pretensões de retirar o assento do Ministério Público têm sido densificadas em forma de discurso argumentativo, por vezes com a utilização da polissemia e ambiguidade do conceito doutrinário de parte, por outro lado deve-se atentar que não falta densificação muito mais sólida e profunda, tanto nacional como comparada, sobre a natureza diferenciada das funções de Estado exercidas pelo Ministério Público".
Caso paulista
Antes de chegar ao Conselho Nacional de Justiça, o caso já estava sob análise dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Por meio de Reclamação, o juiz Ali Mazloum pede que a corte reconheça a validade da mudança que fez na sua sala de audiências e adota a portaria que as efetivou como "modelo válido para toda a magistratura, com vistas a assegurar paridade de tratamento entre acusação e defesa durante as audiências criminais".
O juiz contesta liminar concedida pela desembargadora Cecília Marcondes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo), que determinou que o procurador da República permanecesse sentado "ombro a ombro" com o juiz durante audiências na Justiça Federal. A liminar foi concedida em Mandado de Segurança apresentado por 16 membros do Ministério Público Federal de São Paulo.
Os procuradores da República recorreram ao TRF-3 depois que Mazloum mudou a disposição da sala. Até então, os procuradores sentavam-se no mesmo estrado do juiz federal, à sua direita, colado à sua mesa. O juiz determinou a retirada do estrado. Todos ficaram no mesmo plano e colocou-se o assento do MPF ao lado do assento reservado à defesa, feita por advogados ou por defensores públicos.
Além de Mazloum, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça levou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ao Supremo, questiona a constitucionalidade do dispositivo que confere a prerrogativa do assento diferenciado aos membros do Ministério Público. Há ainda uma ADI proposta pelo Conselho Federal da OAB.
PCA 0001023-25.2011.2.00.0000
Consulta 0000422-19.2011.2.00.0000
Reclamação 12.011
Não há lógica, a não ser pura vaidade, na exigência do MP exigir sentar-se no mesmo plano do magistrado, é óbvio que isso passa a "falsa idéia" de que a acusação detém privilégios e até mesmo mais força no curso de um julgamento. Como bem afirmou um magistrado, há uma tendência natural dos juízes e promotores, mormente nos interiores dos estados, em se aproximarem de tal forma que em muitos casos requisições absurdas e com nítido desiderato de postergar o início da ação penal são deferidas pelo juíz sem qualquer análise prévia.
O debate chegou ao CNJ porque, em 2011, dois juízes — Ben-Hur Viza e Fábio Martins de Lima — mudaram o layout de suas salas de audiência de modo a situar defesa e acusação no mesmo plano. Acontece que, de acordo com a da Lei Complementar 75, de 1993, promotores têm a prerrogativa de se sentaram no mesmo nível da magistratura durante as sessões. Eles são, respectivamente, do 2º Juizado Especial Cível, Criminal e de Violência Doméstica e Familiar do Núcleo Bandeirante e do 1º Juizado Especial Criminal e de Violência Doméstica e Familiar de Planaltina.
Alegando descumprimento do artigo 18, inciso I, alínea a, da Lei Complementar 75, o Ministério Público do Distrito Federal apresentou pedido requerendo o restabelecimento da disposição de assentos. De acordo com o órgão, os juízos que modificaram o layout das salas de audiências são de juízos criminais, onde a atuação do Ministério Público como órgão de Estado é obrigatória e não de representação do réu ou a vítima, como o faz o advogado.
Acontece que a Lei Orgânica da Defensoria Pública prevê justamente que o defensor público deve se sentar exatamente no mesmo plano da promotoria. Foi isso, inclusive, que ensejou a opção dos julgadores em deslocar os promotores para um plano abaixo deles.
As opiniões sobre o embate se dividem. Enquanto o Ministério Público invoca a "tradição consagrada em todas as instâncias judiciárias" do assento diferenciado, membros da Defensoria Pública e advogados pedem a paridade de armas.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a fim de chegar a um consenso, realizou uma consulta com diversas entidades envolvidas no assunto. Na terça, o Plenário do CNJ decide se o dispositivo merece questionamento e se a moderna configuração da Justiça impõe quebra de paradigma e mudança.
Na inicial da consulta pública, o TJ-DF lembra que o tema envolve duas possibilidades: a atuação do Ministério Público como parte ou, ainda, como fiscal da lei, o custus legis. "Existem posicionamentos no sentido de que a incidência da prerrogativa legal ocorre apenas quando o parquet oficia como custus legis", declara o tribunal, em documento assinado pelo corregedor de Justiça, desembargador Sérgio Bittencourt.
Na qualidade de amicus curiae, a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) vai fazer sustentação oral defendendo a Lei Complementar 132, que estabelece as prerrogativas dos defensores. Em conversa com a Consultor Jurídico, o vice-presidente da entidade, o defensor público Antônio Maffezoli, lembrou que a Anadep defende a paridade de armas, sobretudo nas ações criminais, quando o Ministério Público acusa.
Para ele, "a colocação do órgão acusador em lugar de destaque passa a impressão de que acusação tem credibilidade maior, porque está acima do nível". Ele diz ainda que a intenção da entidade, que ingressou como amicus curiae no começo do mês, não é se sentar ao lado da magistratura. "Queremos o cumprimento da lei, não nos sentar no mesmo nível do juiz. Não queremos essa posição diferenciada", diz.
O presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), desembargador Cláudio dell'Orto, acredita que a simbologia do layout pode afetar o entendimento dos jurados acerca do julgamento. "Essa composição cênica da sala de julgamento causa uma influência no público, nos jurados", diz ele, que atou em Tribunal do Júri por cinco anos.
"Com o passar dos anos, o juiz do tribunal de júri e o promotor, principalmente no interior, acabam conversando. O jurado está vendo. O juiz às vezes conta uma história, o telefone toca, mostra quem é que mandou uma mensagem, coisas desse tipo. Então, revela para o jurado uma certa intimidade entre o juiz. Acho que seria bom para o Ministério Público abrir mão dessa posição do lado do juiz e vir para uma posição mais do povo, mas é difícil convencer o Ministério Público disso", declara.
O desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é avesso à ideia. Para ele, "essa é uma bobagem que inventaram, de que a disposição geográfica influencia psicologicamente os jurados". Segundo ele, que também atuou em Tribunal do Júri, "o jurado, quando vai à audiência, já sabe o que vai fazer. O problema não é onde estão sentados promotor e advogado, mas sim a forma como o juiz vai conduzir a audiência, se ele é mais liberal ou reacionário".
Ao prestar informações, a Associação dos Defensores Públicos do Distrito Federal (Adepdf) declarou que "a isonomia de tratamento entre todos os operadores do Direito é premissa fundamental ao bom funcionamento da atividade jurisdicional do Estado, sobretudo, diante da moldura democrática estabelecida por nossa Constituição Federal".
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), desembargador Henrique Nelson Calandra, diz não acreditar na alegação de que o lugar do promotor, ao lado e no mesmo nível do julgador, atrapalhe o juízo que os jurados fazem da cena. "Isso se encontra superado", diz.
Ainda assim, declarou que "as vaidades têm de ceder espaço à modernidade, e na modernidade, promotoria e defesa se sentam no mesmo nível". "Advogados e promotores, com todo respeito, apenas passam pela sala de audiência", conta, enfatizando que o promotor querer se sentar ao lado do juiz "é algo que não se coaduna com os dias atuais".
Para Calandra, todas as partes devem ter posição de conforto, destaque e respeito na sala. "Não é a posição que vai oferecer um tratamento melhor ou pior." Ainda assim, defende que "o magistrado deve ficar acima por causa da missão que ele desenvolve em prol da sociedade".
Segundo o desembargador, "nos países com mais tempo de história de Constituição republicana, existe o mesmo nível físico entre advogados e acusação". Ele ressalva, ainda, que, em muitos casos, as salas de audiência sequer têm espaço para comportar o assento da magistratura, que dirá, um de cada lado, defensor e acusação. "Alguém vai cair de cima do tablado", diz.
O promotor Antonio Suxberger, assessor de controle de constitucionalidade do Ministério Público do Distrito Federal, conta que o ato dos juízes contraria a lei. "Falta uma melhor compreensão sobre o papel do promotor. Ele não é um acusador implacável. Essa interpretação é equivocada. O jurado é leigo, mas não por isso menos inteligente e não se impressiona com a colocação dos assentos", diz.
Ao prestar informações, o Ministério Público do Distrito Federal disse que "se por um lado pretensões de retirar o assento do Ministério Público têm sido densificadas em forma de discurso argumentativo, por vezes com a utilização da polissemia e ambiguidade do conceito doutrinário de parte, por outro lado deve-se atentar que não falta densificação muito mais sólida e profunda, tanto nacional como comparada, sobre a natureza diferenciada das funções de Estado exercidas pelo Ministério Público".
Caso paulista
Antes de chegar ao Conselho Nacional de Justiça, o caso já estava sob análise dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Por meio de Reclamação, o juiz Ali Mazloum pede que a corte reconheça a validade da mudança que fez na sua sala de audiências e adota a portaria que as efetivou como "modelo válido para toda a magistratura, com vistas a assegurar paridade de tratamento entre acusação e defesa durante as audiências criminais".
O juiz contesta liminar concedida pela desembargadora Cecília Marcondes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo), que determinou que o procurador da República permanecesse sentado "ombro a ombro" com o juiz durante audiências na Justiça Federal. A liminar foi concedida em Mandado de Segurança apresentado por 16 membros do Ministério Público Federal de São Paulo.
Os procuradores da República recorreram ao TRF-3 depois que Mazloum mudou a disposição da sala. Até então, os procuradores sentavam-se no mesmo estrado do juiz federal, à sua direita, colado à sua mesa. O juiz determinou a retirada do estrado. Todos ficaram no mesmo plano e colocou-se o assento do MPF ao lado do assento reservado à defesa, feita por advogados ou por defensores públicos.
Além de Mazloum, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça levou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ao Supremo, questiona a constitucionalidade do dispositivo que confere a prerrogativa do assento diferenciado aos membros do Ministério Público. Há ainda uma ADI proposta pelo Conselho Federal da OAB.
PCA 0001023-25.2011.2.00.0000
Consulta 0000422-19.2011.2.00.0000
Reclamação 12.011
Não há lógica, a não ser pura vaidade, na exigência do MP exigir sentar-se no mesmo plano do magistrado, é óbvio que isso passa a "falsa idéia" de que a acusação detém privilégios e até mesmo mais força no curso de um julgamento. Como bem afirmou um magistrado, há uma tendência natural dos juízes e promotores, mormente nos interiores dos estados, em se aproximarem de tal forma que em muitos casos requisições absurdas e com nítido desiderato de postergar o início da ação penal são deferidas pelo juíz sem qualquer análise prévia.
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