A gravidade do movimento grevista dos policiais
militares iniciado na Bahia tornou o ambiente político na Câmara dos
Deputados mais desfavorável à votação, em segundo turno, da Proposta de
Emenda Constitucional que determina a fixação de um piso salarial
nacional para policiais civil e militares, além de bombeiros.
Bandeira dos movimento policial do país todo, a
proposta continua sendo conhecida como "PEC 300", embora o substitutivo
aprovado em primeiro turno na Câmara em 2010 (na verdade, PEC 446)
tenha um texto bem diferente do original, que não produz efeito prático
imediato.
Lideranças e dirigentes partidários, mesmo dos
partidos que mais defendiam a aprovação da proposta, como o Democratas,
agora consideram urgente uma discussão mais ampla, em torno de uma
nova política de segurança pública para o país, na qual a questão
salarial seria apenas um dos itens - fundamental, mas não o único.
"Em função do calor das coisas, diria que do exagero
cometido por uma parcela dos policiais, no mínimo será retardada a
votação da PEC 300", avalia o líder do DEM, Antonio Carlos Magalhães
Neto (BA). "A radicalização agrava [o ambiente para votação], porque
não é a forma de resolver", concorda o líder do PMDB, Henrique Eduardo
Alves (RN).
Para Neto e Alves, assim como para o presidente
nacional do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), o líder do PT no Senado,
Walter Pinheiro (BA), e o líder do governo na Câmara, Cândido
Vaccarezza (PT-SP), o Congresso precisa, em vez de discutir só salário,
debater as condições de trabalho e a qualificação dos policiais, a
modernização do sistema e os demais aspectos que envolvem a segurança
pública.
"Vamos ter de fazer uma discussão global sobre
segurança pública, que envolva municípios, Estados e União. Esse
assunto agora está na ordem do dia. Esse movimento [grevista],
enfraquece a discussão da PEC 300", avalia Vaccarezza. Para o
presidente do PSDB, é preciso um "esforço nacional" para discutir logo
uma nova política de segurança nacional. "Não dá mais para empurrar
essa crise com a barriga", diz Guerra.
Até o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), autor da
PEC 300 original - que estabelecia equiparação salarial das polícias
militares e bombeiros dos Estados com essas categorias do Distrito
Federal - e um dos principais articuladores da proposta na Câmara
reconhece que o movimento prejudicou. "Greve não ajuda nada", diz. Ele
ouviu do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que não discutiria a
votação da PEC durante a paralisação dos policiais.
Durante a tramitação, a PEC de Faria de Sá foi
apensada a outras que tratavam de remuneração dos policiais. O texto
que a Câmara aprovou em primeiro turno em 2010 não faz mais referência à
isonomia com o Distrito Federal, onde os salários iniciais das
polícias militar e civil são os maiores do país - respectivamente R$
4,4 mil e R$ 7,5 mil. A média dos salários iniciais pagos nos Estados é
de R$ 2 mil, segundo o petebista.
Pelo texto (PEC 446), que resultou de acordo entre
as lideranças partidárias, uma lei federal fixará piso remuneratório
dos policiais civil e militares e bombeiros. Essa lei disciplinará a
composição e funcionamento de um fundo contábil instituído para arcar
com essa despesa. Por fim, a PEC fixa prazo de 180 dias para que o
Executivo encaminhe ao Congresso o projeto dessa lei.
O texto não fixa salários nem a participação da
União no fundo. Mas, durante os debates da proposta, a avaliação era
que os Estados não teriam condições de arcar com a despesa e, portanto,
a União criaria um fundo com recursos do Tesouro para complementar o
pagamento.
De acordo com a área econômica do governo, o aumento
da despesa com salários da União e dos Estados seria de R$ 46 bilhões
com a implementação da PEC. Segundo Faria de Sá, acordo realizado entre
líderes governistas e do movimento dos policiais, logo depois da
aprovação em primeiro turno, previa que a futura lei fixaria o salário
inicial da categoria em R$ 3,5 mil. E que o segundo turno da votação
ocorreria depois das eleições de outubro.
O texto base da PEC foi aprovado em 2 de março de
2010 por 393 votos e 2 abstenções. A votação continuou em 6 de julho,
com análise das emendas, e a aprovação se deu por 349 votos a favor e
nenhum contra. O mínimo necessário de votos favoráveis de deputados
para aprovação de uma PEC é 308 (três quintos).
Aprovada a PEC em primeiro turno, os governadores
fizeram pressão sobre os parlamentares para protelar o segundo turno.
Os mais atuantes foram os da Bahia, Jaques Wagner (PT), de São Paulo,
Geraldo Alckmin (PSDB), de Minas Gerais, Antonio Anastasia (PSDB), do
Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e do Rio Grande do Sul, Tarso
Genro (PT).
"Criou-se o impasse e esse impasse permanece. A
conclusão da votação da PEC 300 só seria possível na hora em que houver
pacto entre os governos federal e estaduais para que possam repartir
os ônus da proposta", diz Henrique Alves.
Segundo o líder do PT no Senado, depois do movimento
da Bahia o Congresso terá de fazer, "obrigatoriamente", um debate
nacional sobre segurança. "Quem achava que ia simploriamente resolver o
problema da segurança com salário caiu do cavalo", afirma Pinheiro.
Outro baiano, ACM Neto propõe que a Câmara crie uma
comissão para examinar de forma ampla as condições de trabalho dos
policiais e a questão salarial "Só depois de se fazer esse estudo
aprofundado é que se deve colocar em votação a PEC", diz o líder do
DEM. Ele defende a proposta, chamando a atenção para o fato de ela não
fixar valores. "Não houve acordo de valor. A ideia é definir um valor
que seja razoável, capaz de garantir uma remuneração mais equilibrada e
justa, mas que, por outro lado, seja adequada à situação financeira
dos Estados", explica Neto.
Arnaldo Faria de Sá planeja chamar a Brasília os
líderes dos movimentos dos policiais de todo o país para uma reunião
depois do Carnaval, para retomar as negociações com Marco Maia para
tentar marcar a votação. "Eles estão desesperados. Carnaval é uma coisa
localizada, na Bahia e no Rio. Mas Copa do Mundo e Olimpíada
movimentarão o Brasil inteiro", diz ele.
Fonte: Valor Econômico
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