Por: Luiz Felipe Ponde
A POLÍCIA é uma das classes que
sofrem maior injustiça por parte da sociedade. Lançamos sobre ela a
suspeita de ser um parente próximo dos bandidos. Isso é tão errado
quanto julgar negros inferiores pela cor ou gays doentes pela sua
orientação sexual.
Não, não estou negando todo tipo de mazela que afeta a
polícia nem fazendo apologia da repressão como pensará o caro
inteligentinho de plantão. Aliás, proponho que hoje ele vá brincar no
parque, leve preferivelmente um livro do fanático Foucault para a caixa
de areia.
Partilho do mal-estar típico quando na presença de
policiais devido ao monopólio legítimo da violência que eles possuem.
Um sentimento de opressão marca nossa relação com a polícia. Mas aqui
devemos ir além do senso comum.
Acompanhamos a agonia da Bahia e sua greve da Polícia
Militar, que corre o risco de se alastrar por outros Estados. Sem
dúvida, o governador da Bahia tem razão ao dizer que a liderança do
movimento se excedeu. A polícia não pode agir dessa forma (fazer
reféns, fechar o centro administrativo).
A lei diz que a PM é serviço público militar e, por
isso, não pode fazer greve. O que está corretíssimo. Mas não vejo
ninguém da "inteligência" ou dos setores organizados da sociedade civil
se perguntar por que se reclama tanto dos maus salários dos
professores (o que também é verdade) e não se reclama da mesma forma
veemente dos maus salários da polícia. É como se tacitamente
considerássemos a polícia menos "cidadã" do que nós outros.
Quando tem algum problema como esse da greve na
Bahia, fala-se "mas o problema é que a polícia ganha mal", mas não vejo
nenhum movimento de "repúdio" ao descaso com o qual se trata a classe
policial entre nós. Sempre tem alguém para defender drogados, bandidos e
invasores da terra alheia, mas não aparece ninguém (nem os artistas da
Bahia tampouco) para defender a polícia dos maus-tratos que recebe da
sociedade.
A polícia é uma função tão nobre quanto médico e professor. Policial tem mulher, marido, filho, adoece como você e eu.
Não há sociedade civilizada sem a polícia. Ela guarda
o sono, mantém a liberdade, assegura a Justiça dentro da lei, sustenta
a democracia. Ignorante é todo aquele que pensa que a polícia seja
inimiga da democracia.
Na realidade, ela pode ser mais amiga da democracia
do que muita gente que diz amar a democracia, mas adora uma quebradeira
e uma violência demagógica.
Sei bem que os inteligentinhos que não foram brincar
no parque (são uns desobedientes) vão dizer que estou fazendo uma
imagem idealizada da polícia.
Não estou. Estou apenas dando uma explicação da função social da polícia na manutenção da democracia e da civilização.
Pena que as ciências humanas não se ocupem da polícia
como objeto do "bem". Pelo contrário, reafirmam a ignorância e o
preconceito que temos contra os policiais relacionando-a apenas com
"aparelhos repressivos" e não com "aparelhos constitutivos" do convívio
civilizado socialmente sustentável.
Há sim corrupção, mas a corrupção, além de ser um
dado da natureza humana, é também fruto dos maus salários e do descaso
social com relação à polícia, além da proximidade física e psicológica
com o crime.
Se a polícia se corrompe (privatiza sua função de
manutenção da ordem via "caixinhas") e professores, não, não é porque
professores são incorruptíveis, mas simplesmente porque o "produto" que
a polícia entrega para a sociedade é mais concretamente e
imediatamente urgente do que a educação.
Com isso não estou dizendo que a educação, minha área
primeira de atuação, não seja urgente, mas a falta dela demora mais a
ser sentida do que a da polícia, daí "paga-se caixinha para o
policial", do contrário roubam sua padaria, sua loja, sua casa, sua
escola, seu filho, sua mulher, sua vida.
Qual o "produto" da polícia? De novo: liberdade
dentro da lei, segurança, a possibilidade de você andar na rua,
trabalhar, ir ao cinema, jantar fora, dormir, não ser morto, viver em
democracia, enfim, a civilização.
Defendem-se drogado, bandido, criminoso. É hora de cuidarmos da nossa polícia.
Luiz Felipe Ponde é articulista do Jornal Folha de S. Paulo
Fonte: Folha de S. Paulo
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