Fausto Macedo (Estadão)
Delegados da Polícia Federal se declaram perplexos com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que mandou anular as provas da Operação Boi Barrica. Os delegados consideram que o Judiciário se curva ante investigados que detêm poderes político e econômico.
Eles temem que outras operações de grande envergadura poderão ter o
mesmo fim a partir de interpretações de ministros dos tribunais superiores que
acolhem argumentos da defesa.
Foi assim, antes da decisão que tranca a Boi Barrica, com duas das principais
missões da PF, deflagradas em 2008 e em 2009, a Satiagraha e a Castelo de Areia
- ambas miravam empresários, políticos e até banqueiro.
"A PF não inventa, ela investiga nos termos da lei e sob severa
fiscalização", disse o delegado Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, diretor de
Assuntos Parlamentares da Associação Nacional dos Delegados da PF.
"No Brasil não há interesse em deixar investigar", afirma Leôncio. "As operações da PF são executadas sob duplo grau de controle, do Ministério Público Federal, que é o fiscal da lei, e do Judiciário, que atua como garantidor de direitos. Não existe nenhum país no mundo que a polícia sofre essa dupla fiscalização."
"Aí uma corte superior anula todo um processo público com base em
que? Com base no 'ah, não concordo, a fundamentação do meu colega que decidiu
em primeiro grau não é suficiente'. Nessa hora não importa que os fatos são
públicos e notórios e que não há necessidade sequer de se ficar buscando uma
prova maior."
Para o delegado, "situações assim levam ao desgaste do Poder
Judiciário, que paga preço enorme pela falta de credibilidade porque se
dissocia da realidade".
"O País não pode aceitar que uma operação seja anulada porque o
tribunal não concorda com a fundamentação do juiz de primeira instância, aquele
negócio de 'ah, quem tinha que ter autorizado não era o juiz federal da 1.ª
vara, a competência era do juiz federal da 2.ª vara'. Esse tipo de conduta
atende a uma elite. E ainda temos que suportar as críticas de que a polícia
investiga mal, o cara foi solto porque a polícia investiga mal. É profundamente
revoltante."
Leôncio diz que "o legislativo faz mal as leis" e que "a
polícia trabalha com instrumentos legais limitadíssimos, as leis são
limitativas e restritivas, como a da interceptação telefônica".
"Não existe País no mundo com uma legislação tão restritiva. E
ainda temos que suportar esse Judiciário que serve a uma elite. O pano de fundo
é o Judiciário a serviço das elites."
Para o delegado, as recentes decisões do STJ, que jogaram na gaveta as
três grandes operações, "vão contaminar várias outras operações e todas
com esse mesmo tipo de fundamento".
"O problema está do outro lado, nos tribunais superiores do
Judiciário: eu não quero condenar, eu não quero deixar condenar, esse é o pano
de fundo. Maquiavelicamente, alguns segmentos da mídia divulgam que a PF não
soube investigar."
"A PF investiga, apresenta provas, mas tudo isso não tem valor
porque temos um Poder Judiciário cuja cúpula é comprometida com esse status que
está aí. Depois passam a imagem de polícia fascista, nazista, que não respeita
direitos e garantias fundamentais. Chega uma turma de um tribunal superior,
distante dos fatos, diz que isso tudo é abuso, não está bem fundamentado e que
a legislação não permite que se faça isso ou aquilo."
O delegado federal diz que "o Brasil está nesse dilema, diante
desse poder que está aí para manter o status quo, que não quer condenar".
"Mas quando se fala da violência do tráfico, por exemplo, não há
nenhum receio em se condenar, não se coloca em dúvida nenhum aspecto da
investigação", insiste. "Quando o crime é praticado contra a
administração pública ou é crime econômico aí não é crime violento e esse tem
que ter seus direitos e garantias respeitados.
Essas decisões têm caráter ideológico, não jurídico. A PF está no meio
dessa guerra. Um Brasil que compactua com a corrupção e um Brasil que quer ser
passado a limpo."
"A PF respeita as decisões judiciais, mas vejo de uma forma muito
temerária porque não vamos conseguir que a Justiça condene qualquer colarinho
branco", assevera o delegado Amaury Portugal, presidente do Sindicato dos
Delegados Federais em São Paulo.
"Fica muito difícil para a PF trabalhar, primeiro as algemas que
não podem ser usadas no colarinho branco, depois as escutas telefônicas",
diz Portugal.
Ele não aceita o rótulo de ilegalidade à Boi Barrica. "Como ilegal
se tudo foi realizado com autorização judicial?
"O delegado que presidiu o inquérito da Boi Barrica não ia fazer
escuta se não estivesse amparado em autorização da Justiça, que determinou
tudo. Qualquer passo do delegado ele tem que comunicar ao juiz, abrindo vista
para o procurador. A operação não foi ilegal."
Para Portugal, "essas últimas decisões judiciais são
estapafúrdias". "O STJ não se ateve nem à prova. A verdade é essa.
Não se ateve ao conteúdo de provas dos autos e anulou tudo."
Ele assinala que denúncia anônima "vale para o pequeno traficante,
via disque denúncia". "Mas não vale para colarinho branco." E
faz um alerta. "Vamos cansar. A PF faz a sua parte, mas o governo está
intimidado. A porta para a impunidade está aberta.
Sandro
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