Rio de Janeiro
A
Corregedoria Geral do Ministério Público do Rio de Janeiro vai analisar se
houve erros nos pedidos de arquivamento de casos de homicídio no estado. A
medida, anunciada ontem pelo procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes, poderá
resultar na abertura de procedimentos administrativos disciplinares contra os
promotores responsáveis.
Em
reportagem publicada domingo, O GLOBO mostrou que o MP fluminense arquivou, em
apenas quatro meses, 6.447 inquéritos de homicídios abertos até 2007. Esse
montante representa 96% dos casos analisados pelos promotores, de abril a
julho, para cumprir a Meta 2, determinação do Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP) para concluir até dezembro todos os inquéritos antigos.
Na
pressa de cumprir a meta, alguns promotores encerraram investigações que nem
sequer haviam começado, cometeram erros claros ou ignoraram provas, optando
pelo arquivamento. Do acervo de investigações antigas analisadas até julho, o
MF fluminense ofereceu denúncia em apenas 3% dos casos.
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Infelizmente, essa é a realidade. Para os promotores, não há muito o que fazer
em investigações que começaram mal. Passados tantos anos, é quase impossível
chegar aos responsáveis. A tendência é o arquivamento - admitiu Lopes.
O
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu ontem que o MP-RJ apure
supostos abusos no arquivamento em massa. Para ele, é inacreditável que
promotores tenham sugerido o fim das investigações mesmo sem ler peças
importantes do inquérito:
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Se alguém incorreu em desvio de conduta, os mecanismos de controle atuarão, sem
dúvida.
A
depender do resultado da apuração da Corregedoria do MP fluminense, o caso
poderá ser levado ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), presidido
por Gurgel. Porém, mesmo antes da conclusão da investigação no Rio, ele disse
que o conselho buscará informações sobre os arquivamentos.
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É um índice de arquivamento que, de fato, chama a atenção. Mas temos que obter
informações junto ao Ministério Público do Rio para ver o que ocorreu - alegou.
Tia
de vítima pagou passagem de policial
Como
o Estado do Rio ainda tem 40 mil investigações de homicídios em aberto, a maior
taxa do Brasil, a opção pelo arquivamento deverá crescer nos próximos meses,
para frustração de pessoas como a aposentada Celeste Barros Monteiro, que
perdeu o sobrinho, o advogado Márcio Antônio de Carvalho, morto a tiros em
Botafogo, em agosto de 1991.
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Fiz de tudo para não deixar impune o que fizeram com meu sobrinho, a ponto de
pagar a passagem do policial responsável pelo caso, para que ele fizesse as
diligências, mas o caso deu em nada - lamentou.
Márcio,
aos 25 anos, morreu com dois tiros quando caminhava pela Rua Muniz Barreto em
direção ao ponto de ônibus. Como ele acabava de sair de uma agência bancária,
os agentes sustentaram na época que ele fora vítima de um assalto. Mas Celeste
nunca acreditou:
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Ele era procurador da UFRJ e tinha prestado um depoimento, no dia anterior, a
uma comissão de sindicância. Márcio também não aceitava que o alojamento
estudantil da universidade fosse assediado por traficantes. Tudo isso foi
desprezado pela polícia.
Do
total de antigos inquéritos, 25 mil se encontram atualmente no Centro Integrado
de Apuração Criminal (Ciac), criado pelo MP fluminense para uma última
tentativa de buscar os responsáveis pelos crimes cometidos no Grande Rio até
2007. Embora a experiência junte promotores e policiais numa inédita parceria,
a taxa de denúncias gerada pelo programa é de 1%.
Apesar
do percentual, o modelo inova ao estabelecer um canal direto entre
investigadores, promotores e os órgãos periciais, a começar pelos gestores, o
procurador de Justiça Rogério Scantamburlo e o delegado Milton Olivier, que
trabalham lado a lado, livres da burocracia.
Ao
comentar os arquivamentos em massa, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo
Tribunal Federal (STF), disse não acreditar que promotores tenham cometido
crime, mas considera o problema impactante e nocivo para a sociedade. Afirmou
que o homicídio é o crime mais grave capitulado no Código Penal e, por isso,
não pode ser deixado sem solução antes de uma investigação rigorosa e
exaustiva. Para o ministro, as investigações merecem o mesmo rigor, não
importando se vítimas são ricas ou pobres.
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O inquérito não pode ter capa. Tem que ter conteúdo. Não se pode levar ao
arquivamento só pelo fato de a vítima ser pobre. O Ministério Público atua em
nome da sociedade - disse Marco Aurélio.
O
presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ari Pargendler, disse que não
conhece o caso específico dos arquivamentos no Rio, mas ainda assim considera
inaceitável o número de assassinatos não esclarecidos. Para o ministro, um país
em ascensão como o Brasil não pode conviver com esse tipo de problema:
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É muito grave. Não podemos ter uma democracia onde o ordenamento jurídico não é
respeitado. E a vida é o bem maior.
Fonte: O Globo
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