Por Camila Ribeiro de Mendonça
e Rodrigo Haidar
Mais uma operação
da Polícia Federal deflagrada com um show de fogos de artifício se transformou
em um traque. Por unanimidade, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça
decidiu anular, na última quinta-feira (15/9), todas as provas colhidas pela PF
e pelo Ministério Público na chamada operação Boi Barrica, que investigou
negócios do empresário Fernando Sarney e de outras pessoas da família do
presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Os ministros
consideraram que as quebras dos sigilos bancário, fiscal e telefônico dos
investigados, e as escutas telefônicas que se seguiram a elas, foram feitas ao
arrepio da lei e da Constituição Federal. Isso impediu que o mérito dos
supostos crimes fosse sequer analisado. Com a decisão, já são três as operações
espetaculares da Polícia Federal que não passam pelo crivo da legalidade no
STJ, em um período de apenas cinco meses.
Em junho, a 5ª
Turma do tribunal anulou as provas colhidas na operação Satiagraha. Os ministros entenderam que a
participação oculta de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na
investigação comandada pelo então delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado
federal pelo PCdoB, foi ilegal. Dois meses antes, a 6ª Turma julgou ilegais as provas da operação Castelo de Areia, por ilegalidades semelhantes às
que derrubaram, agora, a ação contra Fernando Sarney.
O STJ não reexamina
provas nem entra no mérito do caso concreto, apenas verifica questões de
direito. Mas em todos os casos os advogados apresentam evidências para
desqualificar as investigações. No caso da Satiagraha, por exemplo, o que se
sustenta é que a operação foi conduzida pela iniciativa privada. Tanto
Protógenes Queiroz quanto Paulo Lacerda, ex-diretor da Abin, respondem a
inquérito por corrupção passiva, interceptação ilegal de telefones e
prevaricação.
O que motivou a
investigação contra o filho do presidente do Senado foi uma comunicação do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre uma movimentação
atípica nas contas bancárias de Fernando Sarney e de sua mulher. O Coaf faz
notificações sempre que detecta movimentações atípicas acima de R$ 100 mil. No
caso do empresário, o Conselho chamou a atenção para uma movimentação de R$ 2
milhões.
Na própria
notificação, o Coaf registrou que o fato não caracterizava necessariamente
crime, mas que havia a necessidade de apurações complementares sobre a origem
do dinheiro. De acordo com a decisão do STJ, a PF e o Ministério Público,
diante da comunicação, pediram diretamente a quebra dos sigilos bancários,
dados telefônicos e fiscais, sem qualquer fundamentação, exceto a comunicação
de movimentação atípica.
Quebra irregular
Em sua decisão que autorizou a quebra dos sigilos, o juiz de primeira
instância também não fundamentou os motivos das quebras. Segundo a decisão dos
ministros do STJ, ele se limitou a reproduzir os argumentos do Ministério
Público e afirmou supor que, com base em sua experiência, a notificação sugeria
a ocorrência de crime. E determinou a abertura dos sigilos.
Diversas decisões
do STJ e do Supremo Tribunal Federal já pacificaram o entendimento de que a
quebra de sigilo tem de ter fortes motivos para ser decretada. Não pode ser o
primeiro ato de uma investigação diante de uma denúncia anônima ou da
comunicação de um fato estranho. Trocando em miúdos, sem investigações
preliminares sobre um possível crime, não é legal quebrar o sigilo de
investigados.
Ainda segundo a
decisão do STJ, a Polícia Federal fez o pedido de quebra de sigilos cinco meses
depois da notificação do Coaf, sem que tenha feito qualquer diligência para
apurar mais indícios de crime neste período ou procurado ouvir explicações dos
investigados. O MP ratificou o pedido e o juiz concedeu a quebra dos sigilos.
Tudo diante da notificação do Coaf.
“A primeira ação de
uma investigação não pode ser a quebra de sigilos ficais, bancários e
telefônicos. Os sigilos têm proteção constitucional e sua quebra é medida
excepcional, que deve ser tomada apenas quando não há outros meios possíveis
para investigar um fato”, afirmou à revista Consultor
Jurídico um ministro do STJ. E completou: “Ninguém está dizendo que não se pode
investigar. A Polícia pode e deve investigar. Mas se a Constituição Federal
exige fundamentação para a quebra de sigilos, não podemos aceitar essas quebras
como a primeira medida das investigações”.
Ao decidir anular
as provas, os ministros do STJ anotaram ainda o fato de a decisão de grampear
os investigados, tomada depois da quebra dos sigilos por outro juiz, ter
fundamentação idêntica à da que determinou a quebra de sigilos. O segundo juiz
copiou até as virgulas da decisão do primeiro, que era baseada exclusivamente
na notificação do Coaf.
O pedido de Habeas
Corpus que gerou a anulação das provas foi feito por João Odilon Soares,
funcionário de uma das empresas da família Sarney e sócio de outra, que também
foi investigado pela PF. De acordo com as investigações, as escutas revelaram
que Fernando Sarney tinha influência sobre a agenda do ministro de Minas e
Energia, Edison Lobão, o que caracterizaria tráfico de influência. Segundo a
PF, também foram encontrados indícios de desvio de dinheiro público.
O advogado Eduardo Ferrão, que defende Soares, afirmou que as
investigações foram suspensas porque as decisões judiciais não estavam
fundamentadas de acordo com os preceitos constitucionais. Logo, violaram a
privacidade das partes envolvidas. “A simples comunicação do Coaf não
justifica quebra de sigilo”, afirmou. De acordo com Ferrão, foram feitos 18
pedidos de prorrogação de grampo, o que deixou os investigados sob escuta por
cerca de 7 meses sem que houvesse prova concreta do crime, o que caracteriza os
grampos como invasão de privacidade. Ferrão ainda lembrou que o STJ anulou as
provas, mas fez a ressalva de que as investigações teriam que continuar.
Preço dos erros
Os erros em investigações da Policia Federal já começaram render
prejuízos à União. Reportagem daFolha de S.Paulo publicada na semana passada revelou que, desde 2007, o governo federal
foi condenado a pagar pelo menos R$ 1,6 milhão em indenizações por danos morais
ou materiais a pessoas que foram presas por engano, ilegalmente ou que foram
submetidas a exposição midiática excessiva pela atuação da PF.
A mesma reportagem
revelou que nas dez mais escandalosas operações patrocinadas pelo governo, a PF
e o Ministério Público Federal colocaram 841 pessoas no banco dos réus, mas
apenas nove (1,1%) foram condenadas definitivamente. Do total, só 55 (6,5%)
sofreram algum tipo de condenação — a maioria teve a pena anulada ou recorre em
liberdade.
Há vários exemplos
de excessos que geraram indenizações. Reportagem da ConJur publicada em abril também mostrou que
a Justiça Federal de Santa Catarina condenou a União a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais ao empresário Roberto
Carlos Castagnaro, preso e acusado injustamente de lavagem de dinheiro e
associação para o tráfico de drogas em 2006.
Na sentença que
condenou a União, o juiz federal Nelson Gustavo Mesquita Ribeiro Alves observou
que depois da exposição do acusado na imprensa, o Ministério Público pediu sua
absolvição. “Apesar de toda a exposição midiática negativa sofrida pelo autor,
o Ministério Público Federal não encontrou elementos probatórios da prática do
crime de lavagem de dinheiro e pugnou pela sua absolvição
Em sua decisão que autorizou a quebra dos sigilos, o juiz de primeira instância também não fundamentou os motivos das quebras. Segundo a decisão dos ministros do STJ, ele se limitou a reproduzir os argumentos do Ministério Público e afirmou supor que, com base em sua experiência, a notificação sugeria a ocorrência de crime. E determinou a abertura dos sigilos.
Os erros em investigações da Policia Federal já começaram render prejuízos à União. Reportagem daFolha de S.Paulo publicada na semana passada revelou que, desde 2007, o governo federal foi condenado a pagar pelo menos R$ 1,6 milhão em indenizações por danos morais ou materiais a pessoas que foram presas por engano, ilegalmente ou que foram submetidas a exposição midiática excessiva pela atuação da PF.
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