SÃO PAULO
|
Dirigir sem
habilitação, embriaguez ao volante, desacato, desobediência, ameaça, difamação
e injúria. Esses crimes, segundo o delegado da Polícia Civil de SP Frederico
Costa Miguel, foram cometidos após uma briga de trânsito, domingo à noite, pelo
juiz Francisco Orlando de Souza, 57. Ele nega (leia abaixo).
O magistrado atua como auxiliar
dos desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado e,
desde anteontem, é alvo de uma apuração da Corregedoria (órgão fiscalizador).
Juiz há 26 anos, Souza é
considerado por alguns de seus companheiros de profissão como um magistrado
firme e um exemplo a ser seguido, isso por ter começado a militar na Justiça
como escrevente de fórum e, depois de muito batalhar, ter se tornado magistrado.
As acusações do delegado contra
o magistrado estão no boletim de ocorrência nº 13.913/2011, do 1º Distrito
Policial de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
De acordo com o documento,
registrado pelo delegado Costa Miguel, o magistrado dirigia seu carro pela
avenida Armando Ítalo Setti quando começou a discutir com um outro motorista.
Quando os carros passavam pela
porta da delegacia, o magistrado e o outro motorista (cujo nome não consta no
boletim de ocorrência) pararam os veículos.
Ao ouvir as buzinas dos carros,
os investigadores Zenobio Viana de Barros, 59, e Alexandre Cavalheiro de
Britto, 51, foram à rua e viram quando o juiz esmurrava o vidro do carro do
motorista com quem discutia.
Os policiais abordaram os dois
motoristas com as armas em punho, mas dizem que elas estavam na chamada
posição sul (apontadas para baixo, junto ao corpo).
Nesse momento, segundo os
policiais, o juiz começou a agredir verbalmente os dois.
Pela distância a que estava da
briga, o delegado Costa Miguel disse ter sido "enérgico" ao
determinar que todos os envolvidos na confusão entrassem na delegacia.
Ainda segundo o delegado, o
juiz levantou o dedo em sua direção e gritou várias vezes: "Você não
grita assim comigo, não!"
"Imediatamente, o
averiguado [juiz] subiu as escadas encarando o delegado de polícia, que
imaginou que iria até mesmo ser agredido pelo averiguado. O averiguado já se
aproximou desta autoridade de maneira totalmente descontrolada e, com o dedo
em riste, mais uma vez gritou com esta autoridade:'você não grita assim
comigo, não! Eu sou um juiz, eu sou um juiz!' (sic), escreveu o delegado
Costa Miguel, que pediu para o magistrado se identificar como tal.
"E aí, você vai me
prender?", foi, de acordo com o delegado, o que o juiz disse quando ele
pediu para se identificar. "Sim, o senhor está preso por
desacato!", respondeu o delegado.
Por lei, apenas o presidente do
Tribunal de Justiça pode prender em flagrante um juiz. Quando deu voz de
prisão ao magistrado, o delegado o fez na modalidade "prisão
captura".
"O delegado já tinha dado
voz de prisão ao autor [juiz] que, percebendo que a situação não seria
resolvida com uma simples e abjeta carteirada, tentou se evadir por diversas
vezes", relatou o delegado Costa Miguel.
"Tendo este delegado tendo
que impedir a fuga do averiguado, sendo que este por diversas vezes se
recusou a entregar as chaves do seu veículo à autoridade policial",
continuou o policial.
Já dentro da delegacia, o
delegado ficou incomodado com a "maneira ameaçadora como o juiz o
encarava e dizendo que aquilo não iria ficar assim".
DEBOCHE
O delegado Costa Miguel também
afirmou que o juiz debochou da Polícia Civil.
O policial disse que
"convidou" o magistrado a fazer o teste do bafômetro, já que ele
exalava "forte hálito etílico", mas o juiz não aceitou ser
examinado e negou que tivesse bebido.
Após o delegado Victor
Vasconcellos Lutti, chefe do 1º DP de São Bernardo do Campo, ser chamado para
acompanhar o registro do boletim de ocorrência do caso, o juiz foi liberado
e, assim como o outro motorista envolvido na briga de trânsito que deu início
ao problema com os policiais, ele foi embora dirigindo seu carro, escoltado
por policiais civis até sua casa.
OUTRO LADO
O juiz Francisco Orlando de
Souza disse à reportagem que não estava embriagado quando se envolveu na
briga de trânsito. "Infelizmente, o delegado deu uma proporção muito
maior a tudo isso. Não ofendi ninguém. Mas eles [policiais] me trataram com
rispidez", disse Souza.
"Já prestei os primeiros
esclarecimentos sobre o que aconteceu à Corregedoria do Tribunal de
Justiça", continuou. "Tudo o que consta no boletim de ocorrência é
a versão do delegado que o escreveu. Ele terá a chance de provar ou não o que
está ali. O senhor acredita que o delegado titular iria me liberar se eu
estivesse bêbado ou sem carteira de motorista?", disse o magistrado.
Ao ser questionado se pretende
tomar alguma medida contra o delegado na Corregedoria da Polícia Civil, o
magistrado disse que irá consultar sua entidade de classe, a Apamagis
(Associação Paulista de Magistrados), para tomar essa decisão. "Pelo que
percebi, isso deixou de ser uma questão pessoal e virou algo entre classes.
Por isso preciso consultar minha entidade de classe", falou o juiz.
Folha
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário