Normalmente o Superior Tribunal de Justiça é compreensivo com réus acusados de crimes patrimoniais de escasso valor. Aplica a eles o princípio da insignificância. Acontece assim.Se o valor da coisa subtraída, desviada ou apropriada não for muito alto, o STJ considera o fato atípico, e o réu fica livre. Embora tenha havido a conduta e se saiba quem é o seu autor, a pequena monta da lesão ao patrimônio da vítima elimina a tipicidade material. Logo, não há crime, embora formalmente a conduta tenha infringido a lei penal.
Cunhado por Roxin, este princípio é extremamente relevante para impedir a incidência desnecessária da norma penal. Conforme o Supremo Tribunal Federal, a verificação da lesividade mínima da conduta, capaz de conduzir à sua atipicidade material, deve levar em conta os seguintes elementos: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (STF, 2ª Turma, HC 84.412/SP, rel. min. Celso de Mello, j. 19/10/2004).
A Revista Consultor Jurídico divulgou uma séria e interessantíssima pesquisa sobre o princípio da insignificância na jurisprudência do STF. Os pesquisadores da USP, liderados pelos professores Pierpaolo Bottini e Maria Tereza Sadek, descobriram que mais de 80% dos processos que foram decididos pelo STF entre jan/2005 e dez/2009 com este tema eram patrocinados pela Defensoria Pública da União (DPU) e que em aproximadamente 86% dos casos dos crimes patrimoniais ali julgados o valor do bem subtraído esteve na faixa de até R$200,00.
Pois bem. Já o STJ, o auto-intitulado “Tribunal da Cidadania”, decidiu que uma empregada doméstica que trabalhava numa casa grande em Porto Alegre não se beneficiará de princípio tão benfazejo. O “grave” crime cometido pela moça consistiu em surrupiar uma “fortuna” incomensurável pertencente ao seu patrão: R$120,00. Por causa disto, deverá ser condenada por furto simples (artigo 155, do CP). Talvez lhe dêem o privilégio da pena reduzida.
A matéria publicada no site do STJ “esclarece” tudo: Princípio da insignificância não alcança furto de empregada em casa de patrão. E foi a 6ª Turma quem decidiu isto!
Disse o ministro Og Fernandes, relator, que o furto não seria insignificante porque o crime era “altamente reprovável socialmente e não era de pequeno valor“. Se a conduta dessa moça tem mesmo essa conotação de “alta reprovabilidade”, não sei mais o que é um delito grave e repudiável. Quando atuei no caso Banestado denunciei réus que movimentaram milhões de dólares em suas contas clandestinas. Dois deles eram hors concurs: o sr. A e o sr. H. fizeram operações ilegais estimadas em US$1,8 bilhão e US$1,2 bilhão, respectivamente. Torço agora para que um ladrão de verdade, um corrupto de primeira linha, um larápio inimigo do erário caia nas mãos da 6ª Turma. Se para a doméstica dos 120 reais tem punição, queria ver a sanção penal reservada para os homens do bilhão.
O que me incomoda é a incoerência do STJ. Em outro caso também julgado este ano (ago/2011), o mesmo STJ, pela 5ª Turma, ao julgar o HC 186.201/RS, decidiu que a tentativa de furto de um botijão de gás de R$138,00 era insignificante. Já no HC 199.812/SP, julgado pela mesma turma, a lesão foi de R$95,00, pelo furto de uma pia inox. Em ambos os casos, os réus foram inocentados por insignificância.
O problema é o desequilíbrio da balança judicial. Nem sempre os crimes realmente graves são punidos como deveriam (lembrem que foi o STJ que anulou a Operação Castelo de Areia). E, não poucas vezes, crimes leves, como o desta empregada doméstica, recebem punição, ainda que a sanção penal tenha sido rechaçada em casos muito semelhantes ao dela, por insignificância. Fica parecendo que uma ofensa à Casa Grande não consegue passar por esse filtro. (Fonte: http://blogdovladimir.wordpress.com)
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