Desembargadores
são os que mais recebem salários acima do teto constitucional. Dos 27
tribunais de justiça, 15 publicaram suas folhas de pagamentos. Valores
chegam até a R$ 100 mil
Desde que os tribunais brasileiros foram obrigados a divulgar suas
folhas de pagamento evidenciou-se uma situação até sabida, mas nunca
oficializada: o pagamento de supersalários. Dentre os magistrados e
servidores públicos do Judiciário que recebem vencimentos acima do teto
constitucional, os desembargadores dos tribunais de justiça do país são
os que mais se beneficiam. Dos 91 tribunais do país, 39 publicaram suas
informações na internet até ontem (domingo, 22), conforme as
regras estipuladas pelo Conselho Nacional de Justiça.
Dos 27 tribunais de justiça do país, 15 publicaram seus salários, até
ontem. No Tribunal de Justiça do Amazonas todos os 19 desembargadores
receberam, em junho, acima do teto constitucional. A média foi de R$
57,2 mil no mês. Nestes casos, os valores são aumentados devido ao
pagamento da Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), que são passivos
trabalhistas derivados de vantagens eventuais e adiantamento do
13º salário.
Entre os desembargadores, a campeã foi Maria das Graças Figueiredo, com o
valor de R$ 79.036,57. No entanto, duas juízas lideraram a folha de
pagamento da Corte. As juízas de Direito Mônica Raposo e Luiza Marques
receberam como rendimento líquido, incluindo gratificações e
indenizações, R$ 100,6 mil, sendo que desse total, R$ 57,89 mil são de
vantagens eventuais, que incluem adicionais, horas extras, plantões e
férias, dentre outros.
Em junho, o Tribunal de Justiça de São Paulo pagou a seus
desembargadores, em média, salários de R$ 48,9 mil. O valor é calculado
com base nos vencimentos líquidos mais as indenizações recebidas. Alguns
desembargadores chegaram a receber mais de R$ 34 mil somente com o
salário. Neste período, o desembargador Antônio Carlos Machado teve como
salário líquido o valor de R$ 55,9 mil, incluindo indenizações.
Já no TJ do Ceará, grande parte dos desembargadores do estado receberam,
em junho, valores muito superiores ao teto constitucional. No entanto, é
complicado calcular quem recebeu os maiores vencimentos porque a tabela
foi publicada em formato PDF, que não permite a manipulação dos dados,
no sentido de organizá-los para que a informação seja melhor entendida.
Mas o TJ do Ceará não está sozinho. Todas as tabelas publicadas pelos tribunais e consultadas pelo Congresso em Foco não
seguem a determinação da Lei de Acesso a Informação que obriga a
publicação a ser feita em formato aberto, ou seja, aquele que que
permite ao cidadão extrair a informação que deseja. Da forma como as
listas foram publicadas, não é possível fazer o cruzamento de dados
para, por exemplo, saber quem é o desembargador que recebe o maior
salário do país. A resolução do CNJ, porém, não faz menção ao tipo de
formato que as publicações devem ter.
Ministros do STF estão acima do próprio teto
A Constituição proíbe o pagamento de salários a qualquer servidor
público acima do vencimento determinado para os ministros do Supremo
Tribunal Federal, limite estabelecido hoje em R$ 26.723,13. No entanto,
mesmo os 11 ministros da mais alta corte do país ultrapassam o valor. Em
maio, o presidente do STF, Ayres Britto, e os ministros Cezar Peluso,
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Celso de Mello,
Luiz Fux e Rosa Weber receberam R$ 38.570,38 de salário bruto. Em junho,
os ministros Cármem Lúcia, Dias Tófolli e Marco Aurélio Mello foram
remunerados com R$ 35.630,84.
Diversos são os motivos que permitem que os salários dos ministros
ultrapassem o teto, como o abono de permanência por exercício de função
em outros tribunais. A ministra Cármem Lúcia, por exemplo, é também
presidente do Tribunal Superior Eleitoral. No caso de Dias Tófolli, ele
recebeu o salário do STF e mais R$ 10 mil como remuneração líquida pelas
atividades desenvolvidas no TSE. Por isso, em junho, o ministro chegou a
ganhar R$ 36,8 mil.
O STF divulgou os salários de seus magistrados no final de junho. No
início de julho, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça tornou
obrigatória a divulgação individual das remunerações, diárias,
indenizações e quaisquer outras verbas pagas a membros da magistratura e
servidores públicos do Judiciário. O prazo para que todos os órgãos
publicassem as informações acabou na última sexta-feira (20).
Dos quatro tribunais superiores, apenas o Superio Tribunal Militar não
divulgou as informações requeridas. No TSE, a mesma situação da Suprema
Corte se repete. Oito ministros ganharam em junho valores acima do teto
constitucional, devido a acúmulo de atividades em outros tribunais. Além
de Tófolli, receberam Luiz Fux (R$ 29,8 mil), Gilmar Mendes (28,3 mil)
Cármem Lúcia (32,1 mil) e Marco Aurélio Mello (32,1 mil), e do Superior
Tribunal de Justiça, os ministros Gilson Dipp (42,8 mil), Laurita Vaz
(39 mil) e Nancy Andrighi (42,8 mil).
Tal situação só é possível porque a legislação permite que valores
considerados “gratificação eleitoral”, como os pagos pelo TSE a
ministros de outros tribunais, não entrem na linha do corte do
“abate-teto”, um sistema que impede o recebimento além do limite. Os
ministros recebem, em média, R$ 850 por sessão. De acordo com a lista
divulgada, o TSE também pagou a cinco servidores inativos valores acima
do permitido.
No STJ, 32 ministros receberam, em junho, valores acima do teto. Assim
como nos demais casos, o pagamento é considerado legal porque é
considerado que vantagens salariais não podem ser consideradas para o
“abate-teto”. Dos quatro tribunais superiores do país, apenas o Superior
Tribunal Militar não divulgou as informações.
Dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais, 8 publicaram as tabelas
completas. Pernambuco, Roraima, Espírito Santo, Ceará, Minas Gerais,
Rondônia e Rio Grande do Norte. O Rio de Janeiro publica, mas não nos
termos da resolução. O TRE do Paraná não publica os nomes e nem
matrícula do servidor, mas publica uma lista com o cargo e o salário. De
acordo com a lista, há um analista judiciário que recebeu em maio, R$
54 mil, dos quais R$ 7,6 mil são de vantagens pessoais, R$ 6 mil por
cargo de confiança e R$ 28 mil de vantagens eventuais.
Resistência
Tribunais de 12 estados não divulgaram a relação com os nomes, cargos e
salários de seus funcionários. O Tribunal do Paraná já havia sinalizado
que não cumpriria a deteminação. No Rio, o TJ publicou a listagem
parcialmente, omitindo os nomes dos juízes e desembargadores. O tribunal
conseguiu uma liminar por meio da Associação dos Magistrados do Estado
do Rio de Janeiro (Amaerj).
Inicialmente, o CNJ não irá punir os tribunais que não seguiram a
resolução, mas segundo o conselheiro do órgão, Wellington Saraiva, caso
haja uma resistência deliberada, o conselho poderá considerar algum tipo
de punição. Wellington é o responsável por um grupo de conselheiros que
editou a resolução e que trabalha em um projeto de regulamentação da
Lei de Acesso a Informação no Judiciáiro.
“Os tribunais têm consciência de que cabe ao CNJ estipular essa
obrigação. E nós não temos tido historicamente situções de recusa
deliberada dos tribunais de descumprir resoluções do CNJ. Às vezes, o
que acontece são algumas dificuldades administrativas”, disse Saraiva,
para quem não há a hipótese de que os tribunais irão desrespeitar a
norma. Para ele, é questão de tempo até que todos estejam adaptados às
novas regras.
Na sexta-feira (20) à noite, o ministro Ayres Britto concedeu mais prazo
para a divulgação dos rendimentos aos tribunais de Justiça dos estados
de Goiás, do Paraná, do Mato Grosso do Sul e de Santa Catarina. O
Tribunal de Minas Gerais já havia obtido prorrogação de prazo por
decisão de Wellington Saraiva. De acordo com o CNJ, os tribunais
alegaram dificuldade técnica para colocar as informações no ar. O TJGO e
o TJSC pediram mais 30 dias para fazer a publicação. O TJPR pediu 20
dias adicionais e o TJMS, 10 dias. O TJMG, que já havia obtido a
prorrogação, solicitou mais 15 dias.
O CNJ também publicou, na última sexta-feira, a relação de todos os
salários que paga a seus servidores. Quem está no topo da lista não é um
magistrado, mas sim o secretário de Comunicação Social, Marcone
Gonçalves dos Santos, que recebeu em junho, R$ 20 mil.
Além da determinação do CNJ para que os tribunais publiquem as
informações relativas às remunerações de pessoal, todas as publicações
realizadas na semana passada decorrem de uma decisão proferida pelo
ministro Ayres Britto, em 10 de julho, que suspendeu duas liminares da
Justiça do Distrito Federal que impediam a divulgação dos salários dos
servidores públicos federais de forma individualizada nas três esferas
de poder.
O ministro entendeu, ao analisar um pedido de suspensão de liminar
impetrado pela Advocacia Geral da União (AGU), que tal decisão ia contra
os princípios constitucionais do acesso à informação pública. Ayres
Britto considerou que o assunto gira em torno de dois princípios
constitucionais: o direito fundamental de acesso à informação pública e o
princípio da publicidade da atuação da administração. “Princípio que,
para além da simples publicidade do agir de toda a administração
pública, propicia o controle da atividade estatal até mesmo pelos
cidadãos.” A matéria ainda precisa ser julgada em definitivo pelo
Judiciário.
Supersalários
Com base em auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), o Congresso em Foco publicou
a relação dos servidores do Senado que, em agosto de 2009, ganhavam
mais que o teto constitucional. Por patrocínio do Sindicato dos
Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis), 43 dos servidores que
faziam parte da lista entraram com ação contra o site. Até agora, oCongresso em Foco foi
absolvido em todas ações. Os juízes entenderam que a divulgação dos
vencimentos que extrapolam o teto é de interesse público, que prevalece
sobre um eventual interesse privado.
O teto constitucional foi criado em 2003, mas desde então vem sendo desrespeitado por diversas razões.