Investigação é atividade de polícia
Por mais que a jurisprudência, nomeadamente do STJ e do STF, continue
ratificando suas investigações autônomas ou paralelas pelo Ministério Público,
a verdade é que ainda não existe lei inequívoca que lhe dê, com nitidez, esse
poder.
O atual clima de insegurança pública e de medo vem gerando uma forte
demanda popular e midiática por mais rigor penal, maior efetividade do Estado
nessa área e pelo fim da generalizada impunidade, sobretudo da corrupção e das
mais graves e sistemáticas violações dos direitos humanos.
É nesse quadro de intranquilidade nacional e de protestos reiterados,
que vem se agravando assustadoramente desde 1980 quando contávamos com 11,7
mortes para cada 100 mil habitantes, contra 27,3 em 2010, que o Ministério
Público, duramente cobrado pelas reivindicações punitivistas, passou a
investigar alguns delitos, por sua conta e risco, especialmente os relacionados
com o crime organizado e os cometidos por policiais.
Por mais que a jurisprudência, nomeadamente do Superior Tribunal de
Justiça e do Supremo Tribunal Federal, continue ratificando suas investigações
autônomas ou paralelas, a verdade é que ainda não existe lei inequívoca que lhe
dê, com nitidez, esse poder. Daí as contínuas controvérsias e alegações de
nulidade, que andam forjando grande insegurança jurídica.
A maior prova da nebulosidade nesse campo reside no seguinte: por falta
de expressa disposição legal, que é exigência básica do Estado de Direito,
primordialmente quando em jogo estão direitos fundamentais dos investigados,
todo procedimento dessa natureza do Ministério Público está regulamentado por
Resoluções ou Atos Normativos dos Procuradores Gerais. Esses atos, no entanto,
não possuem o status de lei.
Diante desse déficit de legalidade, as investigações não são uniformes e
os procedimentos adotados não são idênticos. O mais grave: não existe controle
judicial periódico delas. Aliás, há juízes que não as reconhecem e, assim, se
recusam a arquivar tais procedimentos, quando nada é apurado contra o suspeito.
Nem é preciso enfatizar o limbo em que se encontra essa situação, e tudo por
falta de regulamentação legal.
Seja por falta de segurança jurídica, que deveria ser enfrentada pelo
legislador urgentemente, seja por ausência de estrutura material, seja, enfim,
pela falta de treinamento específico – especialização - para o adequado
desempenho da atividade investigativa, não há como o Ministério Público
assumir, neste momento, de forma independente, a premente tarefa de apurar os
crimes e sua autoria. Por maior boa intenção que exista, ninguém pode dar
passos maiores que as pernas.
No estágio em que nos encontramos, de aguda insegurança coletiva e de
medo difuso, todo esforço investigativo do Ministério Público, supletivo ou
complementar, sobretudo quando se trata do crime organizado, dos crimes do
colarinho branco e dos praticados pela própria polícia, será muito bem-vindo,
mas sempre em conjunto com os órgãos autorizados, para isso, por força de lei
expressa e inequívoca.
Nosso Estado Democrático de Direito muito ganharia se todas as instituições
de segurança pública deixassem de se digladiar e somassem seus parcos recursos
e ingentes esforços no sentido de proporcionar à nação brasileira uma Justiça
mais equilibrada, mais justa e menos sujeita a improvisações, discriminações e
incertezas.
Autor
·
Luiz Flávio Gomes
Diretor geral dos cursos de Especialização TeleVirtuais da LFG. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri (2001). Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP (1989). Professor de Direito Penal e Processo Penal em vários cursos de Pós-Graduação no Brasil e no exterior, dentre eles da Facultad de Derecho de la Universidad Austral, Buenos Aires, Argentina. Professor Honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria, Arequipa, Peru. Promotor de Justiça em São Paulo (1980-1983). Juiz de Direito em São Paulo (1983-1998). Advogado (1999-2001). Individual expert observer do X Congresso da ONU, em Viena (2000). Membro e Consultor da Delegação brasileira no 10º Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, em Viena (2001).
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