Os
argumentos utilizados pelos membros do Ministério Público contrários à
PEC 37, em especial a Associação Nacional dos Procuradores da República
(ANPR), nada mais são do que meras tentativas falaciosas de angariar
brilhantismo à sua instituição, em seara que lhes é totalmente díspar.
Sobre o autor
Por Ayrton Figueiredo Martins Júnior
Delegado de Polícia do Estado Rio Grande do Sul
Em
artigo publicado no sítio da entidade mencionada, dentre outros
argumentos, tentam os hoje combatentes da PEC 37 estabelecer argumento
com base em convenções internacionais internalizadas pelo ordenamento
jurídico brasileiro. Dizem os mesmos que as convenções internacionais as
quais o Brasil é signatário “determinam a ampla participação do MP nas investigações.” No entanto, ressalvamos sempre, não merece prosperar tal assertiva, como facilmente passamos a demonstrar.
Em primeiro lugar, referem os membros do Ministério Público da União, o Decreto Federal nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, que “Promulga
a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela
Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada
pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003”, também chamada de Convenção
de Mérida, eis que assinada em 9 de dezembro de 2003, na cidade de
Mérida, no México (internalizada pelo Decreto Legislativo nº 348, de
2005).
Nos exatos termos do referido Decreto, dentre inúmeras passagens, o que
é cristalino é a utilização de termos coletivos e generalistas como
“órgãos” ou “autoridades competentes”, de forma a não potencializar ou
canalizar prerrogativas ou atribuições a uma única entidade, na atuação
combativa aos delitos de corrupção. Assim, vidi gratia:
“Artigo 6
Órgão ou órgãos de prevenção à corrupção
1. Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, garantirá a existência de um ou mais órgãos, segundo procede, encarregados de prevenir a corrupção com medidas tais como:
(...)
2. Cada Estado Parte outorgará ao órgão ou aos órgãos mencionados
no parágrafo 1 do presente Artigo a independência necessária, de
conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico,
para que possam desempenhar suas funções de maneira eficaz e sem
nenhuma influência indevida. Devem proporcionar-lhes os recursos
materiais e o pessoal especializado que sejam necessários, assim como a
capacitação que tal pessoal possa requerer para o desempenho de suas
funções.
Artigo 14
Medidas para prevenir a lavagem de dinheiro
1. Cada Estado Parte:
(...)
b) Garantirá,
sem prejuízo à aplicação do Artigo 46 da presente Convenção, que as
autoridades de administração, regulamentação e cumprimento da lei e
demais autoridades encarregadas de combater a lavagem de dinheiro
(incluídas, quando seja pertinente de acordo com a legislação interna,
as autoridades judiciais) sejam capazes de cooperar e intercambiar
informações nos âmbitos nacional e internacional, de conformidade com as
condições prescritas na legislação interna e, a tal fim, considerará a
possibilidade de estabelecer um departamento de inteligência financeira
que sirva de centro nacional de recompilação, análise e difusão de
informação sobre possíveis atividades de lavagem de dinheiro.
(...)
Artigo 36
Autoridades especializadas
Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, se certificará de que dispõe de um ou mais órgãos ou pessoas especializadas na luta contra a corrupção mediante a aplicação coercitiva da lei. Esse(s) órgão(s) ou
essa(s) pessoa(s) gozarão da independência necessária, conforme os
princípios fundamentais do ordenamento jurídico do Estado Parte, para
que possam desempenhar suas funções com eficácia e sem pressões
indevidas. Deverá proporcionar-se a essas pessoas ou ao pessoal
desse(s) órgão(s) formação adequada e recursos suficientes para o
desempenho de suas funções.”
Inegável é que há uma única menção expressa no corpo do o Decreto Federal nº 5.687/2006, quanto ao órgão do parquet. Valorizando
sua independência funcional, como forma de se evitar a corrupção no
Poder Judiciário, ressalvou-se a necessidade de se “incluir normas que
regulem a conduta dos membros do poder judiciário” (art. 11).
Segundo
o Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004 (“Promulga a Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional”, referente à
Convenção de Palermo, aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 231 , de 29
de maio de 2003), os representantes dos países signatários, já sabedores
das diferenças institucionais referentes aos sistemas jurídicos de cada
país, ao invés de nominar instituições com missão primordial na
investigação e tais delitos, utilizaram-se de expressão generalista: “autoridades competentes”.
No mesmo decreto, cujo conteúdo traz o texto da Convenção referida na íntegra, pode-se perceber que nada há quanto à presença do Ministério público em investigações. Vejamos:
“Artigo 7
Medidas para combater a lavagem de dinheiro
1. Cada Estado Parte:
(...)
b)
Garantirá, sem prejuízo da aplicação dos Artigos 18 e 27 da presente
Convenção, que as autoridades responsáveis pela administração,
regulamentação, detecção e repressão e outras autoridades responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro
(incluindo, quando tal esteja previsto no seu direito interno, as
autoridades judiciais), tenham a capacidade de cooperar e trocar
informações em âmbito nacional e internacional, em conformidade com as
condições prescritas no direito interno, e, para esse fim, considerará a
possibilidade de criar um serviço de informação financeira que funcione
como centro nacional de coleta, análise e difusão de informação
relativa a eventuais atividades de lavagem de dinheiro.
(...)
Artigo 9
Medidas contra a corrupção
- 1.Para além das medidas enunciadas no Artigo 8 da presente Convenção, cada Estado Parte, na medida em que seja procedente e conforme ao seu ordenamento jurídico, adotará medidas eficazes de ordem legislativa, administrativa ou outra para promover a integridade e prevenir, detectar e punir a corrupção dos agentes públicos.
- 2.Cada Estado Parte tomará medidas no sentido de se assegurar de que as suas autoridades atuam eficazmente em matéria de prevenção, detecção e repressão da corrupção de agentes públicos, inclusivamente conferindo a essas autoridades independência suficiente para impedir qualquer influência indevida sobre a sua atuação.”
No entanto, a referida Convenção de Palermo, em que pese já
internalizada, jamais poderia criar novas prerrogativas processuais
penais e de investigação para o mesmo órgão ministerial. Logo, o
ordenamento jurídico brasileiro é claro ao estipular às Polícias Civil e
Federal, na Constituição Republicana, art. 144, “caput” e §4º, bem como
no Código de Processo Penal, arts. 4º, 6º, 13 e seguintes, além de
demais leis ordinárias, não se tendo previsto qualquer forma de
investigação pelo parquet. Além disso, segundo o ensinamento de Luís Flávio Gomes[i]:
“Conclusão
: os tratados e convenções configuram fontes diretas (imediatas) do
Direito internacional penal (relações do indivíduo com o ius puniendi
internacional, que pertence a organismos internacionais - TPI, v.g.),
mas jamais podem servir de base normativa para o Direito penal interno
(que cuida das relações do indivíduo com o ius puniendi do Estado
brasileiro), porque o parlamento brasileiro, neste caso, só tem o poder
de referendar (não o de criar a norma). A dimensão democrática do
princípio da legalidade em matéria penal incriminatória exige que o
parlamento brasileiro discuta e crie a norma. Isso não é a mesma coisa
que referendar. Referendar não é criar ex novo .”
Atualmente, a discussão se esvai diante da inovação legislativa quanto
aos crimes de lavagem de capitais, Lei Federal nº 12.683, de 9 de julho
de 2012 (Altera a Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais
eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro).
Afirmamos isso, pois o legislador brasileiro, consciente do sistema
vigente e das convenções supramencionadas, com grande influência da
moderna doutrina penal, reforçou o papel da Autoridade Policial, ou seja, das Polícias Civil e Federal.
Em dispositivos como os noveis artigos 17-B e 17-D, o legislador
brindou a Autoridade Policial com novas prerrogativas investigativas que
muito hão de facilitar a investigação de tais delitos de difícil
elucidação. In verbis:
“Art. 17-B. A autoridade policial
e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados
cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e
endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela
Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições
financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de
cartão de crédito.”
(...)
“Art. 17-D. Em caso de indiciamento
de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e
demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em
decisão fundamentada, o seu retorno.”
No primeiro artigo, restou solucionado um problema que sempre trouxe
sobrestamento de feitos, face à recalcitrância de instituições públicas e
privadas quanto ao fornecimento de informações cruciais para
investigações em andamento.
Já no segundo caso, criou-se uma prerrogativa exclusiva do Delegado de
Polícia, ao se permitir o afastamento provisório de servidor indiciado em procedimento de investigação.
A questão de fundo, que não é abordada pelos defensores do direito do
Ministério Público na seara investigativa é que, na verdade, por não
haver uma norma expressa que garanta ao parquet tal prerrogativa,
pode-se vislumbrar flagrante usurpação da função inerente à Polícia
Civil e à Polícia Federal. De tal forma, busca-se por meio da PEC 37 a
defesa dos direitos e garantias individuais dos investigados em serem
alvos de persecução criminal por instituição com legitimidade constitucional . Neste diapasão, citamos:
“O
que se percebe no Brasil hodiernamente é uma completa inversão de
valores e um acintoso descumprimento das leis. Rasga-se com absurda
facilidade a Constituição Federal em cada esquina do País. São Guardas
Municipais que querem andar armados e fazer o papel que incumbi
unicamente aos Policiais Militares e estes, por sua vez, que querem
desempenhar as funções de Polícia Judiciária, são agentes carcerários
que querem ser chamados de Polícia Penal e investigar os crimes
ocorridos no interior dos estabelecimentos prisionais, além de ter a
atribuição de recapturar fugitivos, são Policiais Militares e Policiais
Rodoviários Federais cedidos para integrar grupos de investigação
comandados pelo Ministério Público e, pasmem, Agentes de Polícia que
desejam desempenhar as funções de Delegados de Polícia.
Se
nada for feito para frear estas distorções, chegará o dia em que o
Delegado de Polícia ofertará denúncia crime, o Promotor de Justiça
proferirá sentença e o Juiz editará leis. Não é o fato de se ter
formação acadêmica no curso superior de Direito que confere ao bacharel,
a prerrogativa de exercer a função que melhor lhe convier, mas sim, a
investidura no cargo público que se dá por meio, unicamente do concurso
público.”[ii]
Feitas tais considerações, resta clara a intenção leviana da entidade de classe dos órgãos do parquet,
ao tentar criar uma realidade ficcional a favor de prerrogativas
investigatórias ministeriais. É de senso comum que, no Brasil, cabe às
Polícias Civil e Federal a investigação de infrações penais, com
supedâneo nas convenções internacionais que o nosso país é signatário.
[i] GOMES, Luiz Flávio. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo. Disponível em: http://www.lfg.com.br 06 de maio de 2009.
[ii] ALMEIDA,
Helder Carvalhal de. Unificação das polícias. Usurpação de função
pública. Ausência de integração entre as polícias judiciárias e de um
sistema único de informações policiais eficiente. Um atraso para a
segurança pública no Brasil.. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3258, 2
jun. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21910>. Acesso em: 9 jun. 2012.Sobre o autor
Por Ayrton Figueiredo Martins Júnior
Delegado de Polícia do Estado Rio Grande do Sul
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