segunda-feira, 23 de julho de 2012

Argumentos falaciosos são utilizados no combate à legítima PEC 37

Os argumentos utilizados pelos membros do Ministério Público contrários à PEC 37, em especial a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), nada mais são do que meras tentativas falaciosas de angariar brilhantismo à sua instituição, em seara que lhes é totalmente díspar.

Em artigo publicado no sítio da entidade mencionada, dentre outros argumentos, tentam os hoje combatentes da PEC 37 estabelecer argumento com base em convenções internacionais internalizadas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Dizem os mesmos que as convenções internacionais as quais o Brasil é signatário “determinam a ampla participação do MP nas investigações.” No entanto, ressalvamos sempre, não merece prosperar tal assertiva, como facilmente passamos a demonstrar.

Em primeiro lugar, referem os membros do Ministério Público da União, o Decreto Federal nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, que “Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003”, também chamada de Convenção de Mérida, eis que assinada em 9 de dezembro de 2003, na cidade de Mérida, no México (internalizada pelo Decreto Legislativo nº 348, de 2005).

            Nos exatos termos do referido Decreto, dentre inúmeras passagens, o que é cristalino é a utilização de termos coletivos e generalistas como “órgãos” ou “autoridades competentes”, de forma a não potencializar ou canalizar prerrogativas ou atribuições a uma única entidade, na atuação combativa aos delitos de corrupção. Assim, vidi gratia:
“Artigo 6
Órgão ou órgãos de prevenção à corrupção
1. Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, garantirá a existência de um ou mais órgãos, segundo procede, encarregados de prevenir a corrupção com medidas tais como:
(...)
2. Cada Estado Parte outorgará ao órgão ou aos órgãos mencionados no parágrafo 1 do presente Artigo a independência necessária, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, para que possam desempenhar suas funções de maneira eficaz e sem nenhuma influência indevida. Devem proporcionar-lhes os recursos materiais e o pessoal especializado que sejam necessários, assim como a capacitação que tal pessoal possa requerer para o desempenho de suas funções.
Artigo 14
Medidas para prevenir a lavagem de dinheiro
1. Cada Estado Parte:
(...)
b) Garantirá, sem prejuízo à aplicação do Artigo 46 da presente Convenção, que as autoridades de administração, regulamentação e cumprimento da lei e demais autoridades encarregadas de combater a lavagem de dinheiro (incluídas, quando seja pertinente de acordo com a legislação interna, as autoridades judiciais) sejam capazes de cooperar e intercambiar informações nos âmbitos nacional e internacional, de conformidade com as condições prescritas na legislação interna e, a tal fim, considerará a possibilidade de estabelecer um departamento de inteligência financeira que sirva de centro nacional de recompilação, análise e difusão de informação sobre possíveis atividades de lavagem de dinheiro.
(...)
Artigo 36
Autoridades especializadas
Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, se certificará de que dispõe de um ou mais órgãos ou pessoas especializadas na luta contra a corrupção mediante a aplicação coercitiva da lei. Esse(s) órgão(s) ou essa(s) pessoa(s) gozarão da independência necessária, conforme os princípios fundamentais do ordenamento jurídico do Estado Parte, para que possam desempenhar suas funções com eficácia e sem pressões indevidas. Deverá proporcionar-se a essas pessoas ou ao pessoal desse(s) órgão(s) formação adequada e recursos suficientes para o desempenho de suas funções.”
            Inegável é que há uma única menção expressa no corpo do o Decreto Federal nº 5.687/2006, quanto ao órgão do parquet. Valorizando sua independência funcional, como forma de se evitar a corrupção no Poder Judiciário, ressalvou-se a necessidade de se “incluir normas que regulem a conduta dos membros do poder judiciário” (art. 11).
Segundo o Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004 (“Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional”, referente à Convenção de Palermo, aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 231 , de 29 de maio de 2003), os representantes dos países signatários, já sabedores das diferenças institucionais referentes aos sistemas jurídicos de cada país, ao invés de nominar instituições com missão primordial na investigação e tais delitos, utilizaram-se de expressão generalista: “autoridades competentes”.
No mesmo decreto, cujo conteúdo traz o texto da Convenção referida na íntegra, pode-se perceber que nada há quanto à presença do Ministério público em investigações. Vejamos:
“Artigo 7
Medidas para combater a lavagem de dinheiro
1. Cada Estado Parte:
(...)
b) Garantirá, sem prejuízo da aplicação dos Artigos 18 e 27 da presente Convenção, que as autoridades responsáveis pela administração, regulamentação, detecção e repressão e outras autoridades responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro (incluindo, quando tal esteja previsto no seu direito interno, as autoridades judiciais), tenham a capacidade de cooperar e trocar informações em âmbito nacional e internacional, em conformidade com as condições prescritas no direito interno, e, para esse fim, considerará a possibilidade de criar um serviço de informação financeira que funcione como centro nacional de coleta, análise e difusão de informação relativa a eventuais atividades de lavagem de dinheiro.
(...)
Artigo 9
Medidas contra a corrupção
  1. 1.Para além das medidas enunciadas no Artigo 8 da presente Convenção, cada Estado Parte, na medida em que seja procedente e conforme ao seu ordenamento jurídico, adotará medidas eficazes de ordem legislativa, administrativa ou outra para promover a integridade e prevenir, detectar e punir a corrupção dos agentes públicos.
  2. 2.Cada Estado Parte tomará medidas no sentido de se assegurar de que as suas autoridades atuam eficazmente em matéria de prevenção, detecção e repressão da corrupção de agentes públicos, inclusivamente conferindo a essas autoridades independência suficiente para impedir qualquer influência indevida sobre a sua atuação.”


            No entanto, a referida Convenção de Palermo, em que pese já internalizada, jamais poderia criar novas prerrogativas processuais penais e de investigação para o mesmo órgão ministerial. Logo, o ordenamento jurídico brasileiro é claro ao estipular às Polícias Civil e Federal, na Constituição Republicana, art. 144, “caput” e §4º, bem como no Código de Processo Penal, arts. 4º, 6º, 13 e seguintes, além de demais leis ordinárias, não se tendo previsto qualquer forma de investigação pelo parquet. Além disso, segundo o ensinamento de Luís Flávio Gomes[i]:

“Conclusão : os tratados e convenções configuram fontes diretas (imediatas) do Direito internacional penal (relações do indivíduo com o ius puniendi internacional, que pertence a organismos internacionais - TPI, v.g.), mas jamais podem servir de base normativa para o Direito penal interno (que cuida das relações do indivíduo com o ius puniendi do Estado brasileiro), porque o parlamento brasileiro, neste caso, só tem o poder de referendar (não o de criar a norma). A dimensão democrática do princípio da legalidade em matéria penal incriminatória exige que o parlamento brasileiro discuta e crie a norma. Isso não é a mesma coisa que referendar. Referendar não é criar ex novo .”

            Atualmente, a discussão se esvai diante da inovação legislativa quanto aos crimes de lavagem de capitais, Lei Federal nº 12.683, de 9 de julho de 2012 (Altera a Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro). Afirmamos isso, pois o legislador brasileiro, consciente do sistema vigente e das convenções supramencionadas, com grande influência da moderna doutrina penal, reforçou o papel da Autoridade Policial, ou seja, das Polícias Civil e Federal.

   Em dispositivos como os noveis artigos 17-B e 17-D, o legislador brindou a Autoridade Policial com novas prerrogativas investigativas que muito hão de facilitar a investigação de tais delitos de difícil elucidação. In verbis:
“Art. 17-B.  A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito.” 
(...)
“Art. 17-D.  Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.” 
            No primeiro artigo, restou solucionado um problema que sempre trouxe sobrestamento de feitos, face à recalcitrância de instituições públicas e privadas quanto ao fornecimento de informações cruciais para investigações em andamento.

            Já no segundo caso, criou-se uma prerrogativa exclusiva do Delegado de Polícia, ao se permitir o afastamento provisório de servidor indiciado em procedimento de investigação.

            A questão de fundo, que não é abordada pelos defensores do direito do Ministério Público na seara investigativa é que, na verdade, por não haver uma norma expressa que garanta ao parquet tal prerrogativa, pode-se vislumbrar flagrante usurpação da função inerente à Polícia Civil e à Polícia Federal. De tal forma, busca-se por meio da PEC 37 a defesa dos direitos e garantias individuais dos investigados em serem alvos de persecução criminal por instituição com legitimidade constitucional . Neste diapasão, citamos:

“O que se percebe no Brasil hodiernamente é uma completa inversão de valores e um acintoso descumprimento das leis. Rasga-se com absurda facilidade a Constituição Federal em cada esquina do País. São Guardas Municipais que querem andar armados e fazer o papel que incumbi unicamente aos Policiais Militares e estes, por sua vez, que querem desempenhar as funções de Polícia Judiciária, são agentes carcerários que querem ser chamados de Polícia Penal e investigar os crimes ocorridos no interior dos estabelecimentos prisionais, além de ter a atribuição de recapturar fugitivos, são Policiais Militares e Policiais Rodoviários Federais cedidos para integrar grupos de investigação comandados pelo Ministério Público e, pasmem, Agentes de Polícia que desejam desempenhar as funções de Delegados de Polícia.
Se nada for feito para frear estas distorções, chegará o dia em que o Delegado de Polícia ofertará denúncia crime, o Promotor de Justiça proferirá sentença e o Juiz editará leis. Não é o fato de se ter formação acadêmica no curso superior de Direito que confere ao bacharel, a prerrogativa de exercer a função que melhor lhe convier, mas sim, a investidura no cargo público que se dá por meio, unicamente do concurso público.”[ii]

            Feitas tais considerações, resta clara a intenção leviana da entidade de classe dos órgãos do parquet, ao tentar criar uma realidade ficcional a favor de prerrogativas investigatórias ministeriais. É de senso comum que, no Brasil, cabe às Polícias Civil e Federal a investigação de infrações penais, com supedâneo nas convenções internacionais que o nosso país é signatário.


[i] GOMES, Luiz Flávio. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo. Disponível em: http://www.lfg.com.br 06 de maio de 2009.
[ii] ALMEIDA, Helder Carvalhal de. Unificação das polícias. Usurpação de função pública. Ausência de integração entre as polícias judiciárias e de um sistema único de informações policiais eficiente. Um atraso para a segurança pública no Brasil.. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3258, 2 jun. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21910>. Acesso em: 9 jun. 2012.


Sobre o autor

Por Ayrton Figueiredo Martins Júnior
Delegado de Polícia do Estado Rio Grande do Sul

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