Comentário: Temos visto uma "campanha" contrária ao inquérito policial, como se fosse essa peça a responsável pela morosidade da justiça, pela sensação de impunidade etc. Ora, basta vermos que hoje a investigação policial tornou-se verdadeira instrução criminal (é o que o texto mostra), inquéritos retornam rotineiramente com o carimbo "baixem-se os autos à delegacia de origem" (como se a Delegacia estivesse sediada no andar inferior ao prédio do Fórum ou do MP) para cumprimento de diligências ABSURDAS. Já tive a oportunidade de citar algumas dessas "requisições" aqui, de forma que muitas investigações acabam se perdendo no tempo e mofando nas prateleiras dos órgãos policiais. Curioso é notar que o MP não perde a oportunidade de querer ensiar o padre nosso ao vigário, ou seja, em dizer como uma investigação deve ser realizada, ora, se eles pudessem entender que inquérito policial não é instrução, talvez as ações penais tivessem mais êxito.
Crise do Inquérito Policial?
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Data de publicação: 31/08/2009
LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br)
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre
em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG.
Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e
Advogado (1999 a 2001).
FÁBIO SCLIAR
Delegado de Polícia Federal.
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SCLIAR,
Fábio.Crise do Inquérito Policial?. Disponível em http://www.lfg.com.br -
31 agosto de 2009.
Haveria uma crise no inquérito policial?
Há muito se fala de uma crise da Justiça brasileira, e
por isto se defende ou se promove a ampliação dos equivalentes
jurisdicionais, a supressão de recursos, mecanismos de controle externo e
a reestruturação da carreira da magistratura, passando pela
simplificação de procedimentos, tudo para melhorar a atuação do Poder
Judiciário, considerado moroso, ineficiente e... injusto.
Entretanto o inquérito policial só existe, e nem sempre, no processo penal.
No tema, parcela da doutrina afirma que o inquérito
policial é moroso, incompleto, fonte de corrupção e descrédito da
justiça criminal e instrumento que vulnera direitos constitucionais,
vivendo por isso uma crise.1 2 Os críticos do instituto também apontam a
vinculação da Policia Judiciária ao Poder Executivo como fator de
interferências políticas na condução da investigação criminal, contudo
este é um argumento falacioso, porque esta é uma possibilidade que
existe em qualquer atividade estatal, e os demais agentes que atuam na persecutio criminis,
juiz e órgão do Ministério Público, em função das atividades da Justiça
Eleitoral têm uma atuação muito mais íntima com a política partidária
do que os órgãos policiais.
Fala-se ainda da ausência de controle do inquérito
policial, embora como se sabe, em intervalos de 30 a 60 dias os
inquéritos policiais sofram fiscalização do juiz, do membro do parquet e da Corregedoria de Polícia, sem falar do acompanhamento constante dos advogados do investigado, ofendido e interessados.
Acreditamos que estas posições em relação ao
apuratório policial estão equivocadas e demonstram desconhecimento,
tanto do conceito de crise3, quanto do problema que pretenderam
analisar, porque confundem as causas, que não conhecem, com os efeitos
causados, entre eles a atual configuração do inquérito policial.
É neste diapasão que pretendemos estudar os motivos
do atual formato de instrução do inquérito policial, que não agrada a
própria Polícia Judiciária, mas devemos afastar do debate, os argumentos
meramente demagógicos, comumente utilizados para criar um falso caráter
apodítico.
Ora, dizer que o inquérito policial é fonte de
corrupção é dizer nada porque toda atividade estatal pode ser desviada
para fins escusos, a corrupção é um mal que atinge parcela dos homens no
mundo todo e em qualquer atividade.
A valer este argumento seria preciso extinguir o
processo judicial, por conta de fatos que vez por outra vêm a público,
principalmente desde os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito
no Congresso Nacional, a chamada CPI do Judiciário.
Por outro lado é preciso ressaltar que nos crimes de
menor potencial ofensivo, processados junto aos Juizados Especiais, não
existe inquérito policial, e nem por isso este sistema funciona bem.
Audiências são marcadas para muitos meses após a comunicação do fato
numa morosidade bastante parecida com a do julgamento dos outros crimes.
O problema da hipertrofia do inquérito policial
Cremos que os problemas detectados no inquérito estão
unicamente relacionados com o que se convencionou chamar de
"hipertrofia do inquérito policial", isto é, a concentração nesta fase
de atos que deveriam ser praticados na etapa do processo criminal.
Embora o inquérito policial se dedique à descoberta
da verdade sobre o crime e sua autoria, a cognição que nele existe, está
limitada na profundidade à exata medida do que seja suficiente para a
formação da opinio delicti do Ministério Público, e esta,
evidentemente, é de um grau menor que a cognição exigida para que o
magistrado profira uma sentença condenatória.
Muito embora não teça comentários mais significativos
acerca do nível de cognição do inquérito policial, a doutrina afirma
que este procedimento é de instrução sumária4 com a finalidade de gerar
elementos suficientes para a formação da opinio delicti do parquet, estabelecendo assim este limite na atividade de investigação.
Alcançado este estágio, é de se duvidar da
constitucionalidade das provas produzidas a partir daí, por que os
investigados ficam submetidos ao regime procedimental do inquérito
(despido da defesa e contraditório amplos), além do ponto determinado
pelo legislador constituinte, uma vez que havendo material suficiente
para formação da opinio delicti do parquet, o órgão
ministerial deve requerer o arquivamento do inquérito ou propor a
denúncia, instaurando a fase onde o contraditório e a ampla defesa são
assegurados de forma plena. Além disso, fica gravemente violado o
direito à razoável duração do processos, corolário do princípio do
devido processo legal, podendo por isso, o inquérito policial ser
atacado através da medida adequada no Judiciário.
Realçamos este aspecto: a transferência de atividades
que deveriam ser realizadas na instrução criminal para a fase policial,
viola a Constituição Federal, fazendo ilícitas, por ofensa à Carta
Magna, as provas assim obtidas, porque nesta etapa as garantias
constitucionais do investigado não estão presentes na sua forma plena.
Neste ponto, calha trazer a lume a lição de Kazuo
Watanabe, em obra que analisou o tema da cognição, embora voltada para o
processo civil, mas que serve também ao nosso estudo.
O referido autor sistematizou os níveis de cognição em "dois planos distintos:6 horizontal (extensão, amplitude) e vertical
(profundidade)" 6. Quanto ao primeiro, é aquele em que se verifica a
amplitude da cognição judicial, quando a cognição pode ser plena ou
limitada, vale dizer, à autoridade pode ser dado conhecer todas as
circunstâncias e questões relacionadas com o seu objeto ou, se for
limitada, apenas algumas destas questões e circunstâncias. Quanto ao
segundo plano, denominado vertical, portanto quanto à sua profundidade, a
cognição pode ser classificada em exauriente (completa) e sumária
(incompleta) 7, podendo ser formados, nesta última, juízos de
possibilidade, verossimilhança e probabilidade, que correspondem
respectivamente nesta mesma ordem, a graus de intensidade em direção à
verdade sobre o que se deseja conhecer.
Reconhecendo que os termos possibilidade,
verossimilhança e probabilidade são muito próximos, e que costumam
inclusive ser empregados como sinônimos, Alexandre Câmara entende como
melhor opção dar-lhes o sentido fornecido por Calamandrei e afirma que "possível é aquilo que pode ser verdade; verossímil é aquilo que tem a aparência de verdade; por fim, provável
é aquilo que se pode considerar como razoável, ou seja, aquilo que
demonstra grandes motivos para fazer crer que corresponde à verdade".8
Trazendo estes ensinamentos, que pertencem a Teoria
Geral do Processo para o nosso tema, podemos afirmar que no processo
criminal se dá a cognição que no plano horizontal é ampla e no plano
vertical é exauriente, porque baseada em um juízo de certeza (embora
esta certeza seja meramente formal ou processual, já que trata de
reconstrução histórica dos fatos) e no inquérito policial a cognição,
embora seja no plano horizontal também ampla, dada a natureza da
atividade investigativa, no plano vertical ela é sumária, não apenas
pela finalidade do procedimento policial, que é a de fornecer elementos à
formação da opinio delicti do parquet, mas principalmente
pelo direito fundamental que tem o cidadão de ser submetido à fase
instrutória do processo, onde vigem os princípios do contraditório e
ampla defesa, o que inocorre na fase investigativa.
Então embora haja discussão sobre os conceitos de
possibilidade, verossimilhança e probabilidade, o que nos interessa
saber, e o que ninguém nega, é que o inquérito policial é procedimento
de instrução sumária, e é para isto que a Polícia Judiciária está
preparada, e que, portanto, só pode comportar uma destas três espécies
de juízo, que seja lá qual for o conteúdo que se lhes atribua,
apresentam-se degraus abaixo do juízo de certeza formal que se dá no
processo criminal.
Assim, o conjunto probatório mínimo construído no inquérito policial para que o membro do parquet forme a opinio delicti,
descartada a mera possibilidade para apresentação de denúncia, nunca
pode ultrapassar o juizo de probabilidade, limite da cognição sumária,
que uma vez alcançado faz com que as provas produzidas posteriormente
sejam ilícitas, por ofensa à Constituição Federal.
Entretanto, tem se exigido do delegado de polícia a
pesquisa exauriente e documentada de todas as circunstâncias e minúcias
do fato investigado, quando não é este o objetivo do inquérito policial.
Se no que se refere à investigação a Polícia
Judiciária está "mui melhor aparelhada" que a Justiça, como asseverou
Magalhães Noronha9, em matéria de instrução processual e respectiva
documentação, a Justiça está muito melhor aparelhada que a Polícia.
Some-se ao que afirmamos sobre o limite do inquérito
policial, que é a cognição sumária, e por isso juízo de probabilidade, o
poder que tem o Ministério Público de dispensar o próprio inquérito,
tendo peças de informação suficientes, para apresentação da denúncia,
entendimento que encontra fincas nos artigos 39, §5° e 46, § 1° do
Código de Processo Penal, de onde se conclui, como conseqüência óbvia,
que o Ministério Público pode, no curso do inquérito policial, antes do
relatório do delegado de polícia, sentindo que há elementos suficientes
para formar a sua convicção, oferecer a peça acusatória inicial.
Remarcamos este ponto pela sua importância no
entendimento do o que se seguirá: O Ministério Público não está obrigado
a aguardar o relatório do delegado de polícia para apresentar denúncia.
A questão da hipertrofia do inquérito policial, como
demonstraremos, está centrada na seguinte indagação: qual o lastro
probatório suficiente para formar a opinio delicti do membro do parquet?
Ressalte-se desde logo que desta decisão o delegado
de polícia não participa, a não ser relativamente, se decidir que não há
mais o que investigar e elaborar o relatório final do inquérito. Mesmo
neste caso, entretanto, o Ministério Público pode requerer diligências
que entender faltantes, as chamadas "diligências imprescindíveis",
conforme dicção do art. 16 do Código de Processo Penal, e diga-se, imprescindível tem sido quase tudo para o parquet.
É preciso esclarecer então os motivos deste desvio da formação da opinio delicti ministerial, que faz o parquet exigir do inquérito policial um nível de cognição para o qual não está destinado.
Acreditamos que é possível identificar uma ordem de
três fatores que causam esta distorção: 1) conveniência de produzir
provas em detrimento do investigado, em um ambiente, o do inquérito
policial, em que ele não tem a mesma capacidade de reação em face do
caráter com que se apresentam ali o contraditório e as possibilidades de
defesa; 2) a falta de uma cultura probatória na instrução processual
criminal e, finalmente, 3) o entendimento jurisprudencial distorcido do o
que seja "lastro probatório mínimo" para recebimento de denúncia, que
acaba por infundir no parquet uma expectativa equivocada acerca
da intensidade de produção probatória no inquérito policial pelo
delegado de polícia, uma vez que se o Ministério Público não apresenta o
lastro probatório que o Judiciário tem exigido, fatalmente a ação penal
não será recebida, por ausência de justa causa, conforme exposto na
nova redação do inciso III do art. 395 do Código de Processo Penal, que
consolidou a posição jurisprudencial neste sentido, ou não prosperará,
podendo ser trancada pela via do habeas corpus, ao mesmo argumento conforme o inc. 1 do art. 648 daquele diploma legal.
O primeiro fator apontado se refere a uma postura de
comodismo do Ministério Público, que prefere exaurir as possibilidades
de prova no inquérito policial, porque nesta etapa, o investigado não
tem os mesmos poderes que terá na fase processual, estando em posição
fragilizada.
Verdade que o parquet tem o ônus da prova no
que tange ao fato imputado ao sujeito, mas a atividade probatória
exauriente deve se desenrolar no âmbito da instrução criminal em juízo,
sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, porque a investigação
policial tem como um de seus objetivos apenas revelar elementos mínimos
suficientes para que o Ministério Público forme a sua convicção pelo
oferecimento ou não da denúncia. Entretanto, o inquérito policial tem
sido transformado no palco do exaurimento de todas as circunstâncias,
aspectos e minúcias do fato criminoso, impondo-se ao delegado de polícia
que produza nos autos do apuratório prova suficiente para a condenação
do investigado em juízo.
A subtração de atividade probatória que deveria ser
produzida na instrução criminal, quando já houver nos autos do inquérito
material suficiente para formar a opinio delicti do parquet, fere gravemente o texto constitucional, porque o investigado não dispõe nesta fase de contraditório e defesa amplos.
Uma atuação deste tipo é verdadeira fraude à
Constituição porque consegue de forma dissimulada, o que o legislador
constituinte proibiu: atividade acusatória do Estado sem direito ao
contraditório e defesa amplos de quem esteja sofrendo a acusação.
O segundo fator, falta de cultura probatória na
instrução criminal, se deve a uma postura passiva e burocratizada do
Ministério Público' o na fase processual, para a qual, devemos
reconhecer, contribui o sistema presidencialista de processo entre nós
adotado.
Por outro lado uma instrução probatória com
audiências rapidíssimas, e todo tipo de pressão para que a defesa não
arrole muitas testemunhas de modo a que o procedimento não seja
demorado, é outra face desta falta de cultura probatória no processo
criminal.
Ora, não pode haver verdadeira atividade probatória
em audiências que duram quinze ou vinte minutos, como acontece na quase
totalidade dos processos criminais em que apenas são ratificados os
depoimentos produzidos na. Polícia.
Evidenciando o que estamos afirmando, são raríssimos
os casos em que a Polícia Judiciária é utilizada naquela função de
auxiliar da justiça, cumprindo diligências investigatórias no decorrer
do processo criminal.
Evidentemente contribui para este estado de coisas o
fator já apontado anteriormente, porque se a prova está exaurida no
inquérito policial só cabe mesmo confirmá-la em juízo, o que é muito
mais cômodo do que enfrentar a defesa em sede de instrução probatória
por ocasião do processo criminal.
Quanto ao terceiro aspecto causador da hipertrofia do
inquérito policial, devemos então averiguar qual o conteúdo deste
"lastro probatório mínimo" 11 ou "justa causa", exigida para o
recebimento de denúncia ou queixa, e que, por conseguinte, orienta a
expectativa dos membros do parquet em relação ao nível de cognição atingido no inquérito policial.
Em estudo coletivo sobre o conteúdo da justa causa,
após análise exaustiva das posições da doutrina sobre o tema, Luís
Gustavo Grandineti Castanho de Carvalho e outros deixaram asseverado que
justa causa para a doutrina é o 'fumus boni ilirís necessário à
propositura da denúncia ou da queixa, ou seja, suporte probatório que
evidencie a presença de indícios de autoria e materialidade do delito".
12
Em outras palavras, a justa causa deve ser composta
apenas pelo juízo de probabilidade que caracteriza o inquérito policial.
Assim o magistrado quando examina o lastro probatório mínimo exigido
para oferecimento da denúncia ou queixa, na verdade está verificando a
regularidade do reconhecimento do juízo de probabilidade realizado pelo
Ministério Público acerca dos elementos do inquérito policial ou peças
de informação que tiver, com referência ao fato, autoria e suas
circunstâncias.
Entretanto, a Justiça tanto no primeiro grau quanto
nos Tribunais, tem exigido que a justa causa seja formada por elementos
de prova que não se encaixam no conceito do o que a doutrina expõe, vale
dizer, no conceito de MÍNIMO, que adjetiva o lastro probatório
necessário para oferecimento da denúncia ou queixa, isto é, no conceito
de juízo de probabilidade.
A exigência judicial de um nível de cognição mais
elevado do que aquele para o qual se destina o inquérito policial,
retira do Ministério Público o poder/dever de instruir o processo e
prejudica o contraditório nesta fase porque subtrai para a etapa
investigativa matéria que deveria ser apreciada apenas em juízo. Além
disso, possibilita eventuais ações indenizatórias contra o membro do parquet, que respeitando o nível de cognição sumária do inquérito policial apresenta denúncia baseado em juízo de probabilidade. 13
Não se duvida da necessidade do lastro probatório
mínimo para a acusação, reconhecendo inclusive que a investigação é uma
garantia do cidadão contra denúncias açodadas e irresponsáveis, muito
menos se duvida da necessidade de avaliação judicial da formação da opimo delicti do parquet,
mas a justa causa exigida para desencadear a ação penal não pode ser
uma que subverta a lógica das coisas, tomando principal - o inquérito
policial - aquilo que deveria ser preliminar14, exigindo exauriente ou
completo aquilo que a doutrina e a própria jurisprudência afirmam que é
sumário e finalmente, transformando o que é juízo de probabilidade em
juízo de certeza.
No mesmo sentido é a lição de Afrânio Silva Jardim:
"A prova carreada para o inquérito não tem por
finalidade o convencimento do juiz, mas apenas dar lastro probatório à
eventual ação penal, tendo em vista que a simples instauração do
processo, pelo strepitus fori, causa dano social irreparável ao réu. Por
isso o inquérito policial é um procedimento
administrativo-investigatório absolutamente sumário, voltado
exclusivamente para a viabilização da ação penal, infelizmente, na
prática, por motivos vários que aqui não cabe examinar, o inquérito foi
transformado numa longa e morosa investigação, em que se procura apurar
os mínimos detalhes da infração penal, colhendo-se provas sobre fatos já
demonstrados e que deveriam ser produzidas exclusivamente em juízo,
evitando-se a lenta e monótona reprodução de atos. ". 15
Em face desta distorção, vozes autorizadas
levantam-se contra o sistema do inquérito policial que, na sua essência,
é estruturalmente excelente. O que se deve corrigir é o seu mau uso, a
sua adulteração na prática
Enfim, a questão da hipertrofia do inquérito
policial, longe de ser causada pela Polícia Judiciária, é decorrente da
distorção daquilo que é suficiente para a formação da opinio delicti
do Ministério Público, distorção esta causada respectivamente pela
conveniência de se produzir prova no inquérito a salvo da capacidade de
reação do investigado; falta de cultura probatória no processo criminal,
e, o último motivo, mais importante e difícil de ser contornado, que é o
entendimento jurisprudencial da expressão "justa causa", que tem sido
interpretada não como um suporte probatório mínimo, mas como um suporte
probatório máximo, levando o parquet a estabelecer um parâmetro
desconforme com o objetivo constitucional do inquérito policial, que é
apenas a cognição sumária do fato criminoso.
Este uso desviado do inquérito policial causa enomie prejuízo para a Polícia Judiciária, que passa a ser a responsável pela morosidade da persecutio criminis;
para a sociedade que possui um órgão policial travado e burocrático por
conta de investigações intermináveis e também para os investigados, que
passam anos submetidos à estrutura repressiva estatal.
Considerando que não há controle da aferição do momento em que estão presentes os elementos mínimos para a formação da opinio delicti do parquet,
ocasião em que o investigado passa a ter direito à defesa e
contraditórios amplos, a única solução para o desvio de finalidade do
inquérito policial é a impetração de habeas corpos, uma vez que o
inquérito pode caminhar no sentido da restrição da liberdade do
investigado.
Portanto a restrição da publicidade, defesa e do
contraditório no inquérito policial, que se justificam em face da
necessidade de o Estado realizar eficazmente a atividade de investigação
criminal, só encontram fundamento quando esta fase obedece ao caráter
sumário para o qual foi engendrada.
Analisando os modelos de investigação criminal de
Itália, Portugal, Alemanha, França, Espanha, Bélgica, Áustria, Países
Baixos, Inglaterra, Estados Unidos da América e México, sistemas em que
esta etapa está nas mãos da Polícia Judiciária ou do Ministério Público
ou do Juizado de Instrução, Fausi Hassan Choukr16 informa que neles ou
não está estabelecido o contraditório ou este princípio não se aplica de
forma plena, caso do ordenamento espanhol, onde o seu conteúdo é o
mesmo do nosso, vale dizer, a possibilidade de requerer diligências, que
podem ser negadas, e o acompanhamento do feito pelo procurador do
investigado, o que comprova que nosso modelo guarda consonância com o
que é praticado no mundo em temos de investigação preliminar.
Desta forma, o modelo brasileiro é consentâneo com um
ideal de investigação criminal que contempla de um lado os direitos
fundamentais do investigado, e de outro o direito fundamental à
segurança como direito de liberdade de todos, desde que seja exercido
nos lindes constitucionais, limitando-se à cognição sumária, sob pena de
transmudar-se de garantia constitucional em instrumento violador de
direitos fundamentais.
Notas de Rodapé:
1 LAZARINI, Álvaro apud FONTELES, Cláudio. Parecer in
Boletim da Associação Nacional dos Procuradores da República, n° 35,
março de 2001.
2 LOPES Jr, Aury. A Crise do Inquérito Policial e a
Investigação Controlada Pelo Ministério Público. Disponível em
http://www.direitopenal.adv.br/artigo44.doe.
3 PASSOS, J.J. Calmou de. Direito, Poder, Justiça e Processo: Julgando os que Nos Julgam.Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.108.
4 JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal; Estudos e Pareceres. 8' ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.p.45
5 FILHO, Nagib Slaib. Direito Fundamental à Razoável
Duração do Processo Judicial e Administrativo. COAD. Seleções Jurídicas,
n°7/2000, p.12.
6 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2'
ed. São Paulo: Central de Publicações Jurídicas: centro Brasileiro de
Estudos e Pesquisas Judiciais, 1999, p.111.
7 Iden
8 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 1. 5' ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p.243.
9 NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 22' ed. São Paulo: Saraiva, 1994. Op. cit. p.21.
10 Ver as críticas à falta de vocação e formação de
membros do Ministério Público feitas por Hugo Nigro Mazzilli e Fábio
Konder Comparato em SAWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público
Brasileiro, e o Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Renovar,
1999, p. 227.
11 Expressão criada por Afrânio Silva Jardim, doutrinados e membro do parques do Rio de Janeiro.
12 CARVALHO, Luís Gustavo Grandineti Castanho de et
al. Justa Causa Penal-Constitucional in Revista de Direito do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, n° 56, Julho/Setembro, 2003,
p.35.
13 AYDOS, Marco Aurélio Dutra. O Remédio Abortivo da
Ação Penal in Boletim da Associação Nacional dos Procuradores da
República, junho de 2000, p. 15.
14 CHOUKR, Fausi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. 2' Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p.140
15 JARDIM, Afrânio Silva. Op. cit. p.45.
16 CHOUKR, Fausi Hassan. Op. cit. p.112 e seguintes.