O governo tem
alegado, com frequência, que os salários pagos pelo serviço público
estão muito acima do que se paga na iniciativa privada, tentando vender
uma imagem de casta privilegiada. Entretanto, esse é um jogo que não
conta com sustentação empírica. Muito pelo contrário. Pesquisa do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizada para a
Presidência da República, em 2009, revela que não existe diferença
expressiva de salário entre o setor público e o setor privado quando a
avaliação é feita dentro de cada faixa de instrução da força de
trabalho. Em números absolutos, a diferença de renda média entre setor
público e setor privado ocorre porque o público, especialmente no âmbito
federal, tem um perfil de qualificação de mão de obra muito melhor do
que o privado. O governo sabe disso, mas prefere manipular a opinião
pública para se esquivar de negociar com o funcionalismo.
De acordo com
dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o Brasil tem,
em média, 1,4 pessoa com título de doutorado a cada mil habitantes entre
25 e 64 anos. Entre os delegados da Polícia Federal, essa média chega a
ser 13 vezes maior. Dados da pesquisa ADPF/Sensus deste ano revelam que
19delegados federais a cada grupo de mil possuem título de doutorado. O
número é inclusive superior à média de países de primeiríssimo mundo,
como Alemanha (15,4), Estados Unidos (8,4), Canadá (6,5) e Austrália
(5,9). Além disso, 4,3% dos delegados possuem mestrado e 46,6%, curso de
pós-graduação.
O levantamento
revela uma categoria comprometida com uma formação de qualidade que o
cargo de delegado da PF exige. Fazer um trabalho qualificado de combate
ao crime organizado e à corrupção, que faça frente às modernas
organizações criminosas que tomaram corpo nos últimos tempos, exige mais
do que umperfil operacional e tático. É preciso servidores com visão
estratégica, aptos a pensar e a estudar segurança pública. Entretanto,
numa análise crua e fria dos números, todo investimento para se tornar
delegado federal %u2014 um esforço que
começa com
árduo processo seletivo e curso de formação rigoroso que eliminam
milhares pelo caminho, e segue ao longo de toda a carreira, com
atividades derisco permanente e inúmeros cursos de atualização e
especialização %u2014 não parece compensar financeiramente.
As contas são
de simples verificação. Por exemplo, na iniciativa privada, um consultor
de segurança ou inteligência empresarial recebe honorários médios de R$
100 por hora, o que equivale a uma renda mensal de no mínimo R$ 22 mil.
Já um detetive particular cobra cerca de R$ 1.500 por uma investigação
simples para pessoa física. Se for para empresa, a cifra salta para R$
20 mil de honorários.
A Lei de
Acesso à Informação, que obrigou a divulgação dos salários do
funcionalismo público federal, teve pelo menos uma serventia: revelou as
discrepâncias gritantes das remunerações do Executivo, do Legislativo e
do Judiciário. A constatação é que cargos essenciais para o país
abrigam profissionais mal remunerados em comparação às demais carreiras
jurídicas e a outros cargos de menor complexidade. O cargo de delegado
de Polícia Federal chega a remunerar menos do que serviços de nível
fundamental do Senado, onde há copeiros, motoristas e ascensoristas
recebendo R$ 16,9 mil mensais. No início de carreira, um delegado
dePolícia Federal, cargo de nível superior, já ganha menos do que um
policial legislativo, posto que requer apenas nível médio.
Não é só no
comparativo com o Poder Legislativo que os delegados saem perdendo.
Levantamento da ADPF aponta que a evolução salarial da categoria
estagnou, enquanto em 2009, um delegado de Polícia Federal demorava 13
anos para chegar ao salário inicial da magistratura e do Ministério
Público. Em 2011, a equivalência caiu para 90,5%. Se a recomposição
pleiteada pelos delegados não acompanhar a proposta do Judiciário e do
Ministério Público, o fosso será ainda maior e um delegado da PF no topo
da carreira passará a receber 76,6% do subsídio inicial da magistratura
e do Ministério Público.
Hoje, no final
de carreira, um coronel da Polícia Militar e um delegado da Polícia
Civil no estado do Paraná já recebem mais do que um delegado da Polícia
Federal. Recentemente, foram concedidos reajustes salariais históricos
para os servidores da segurança pública do Rio Grande do Sul. Foram
votados quatro projetos que garantem um calendário de aumentos para
delegados, inspetores, escrivães e investigadores da Polícia Civil, além
de oficiais, tenentes, sargentos e soldados da Brigada Militar. Os
reajustes alcançam percentuais de 170%.
Enquanto isso,
o governo federal ignora os delegados da Polícia Federal que nos
últimos sete anos presidiram 1.466 grandes operações no enfrentamento ao
crime organizado, que tanto lesa os cofres públicos em milhões de
reais. Significa dizer que, a cada operação que a Polícia Federal
realiza, o Estado poupa ou recupera recursos que podem ser aplicados em
saúde, educação, infraestrutura, habitação e programas sociais.
Por último, o
peso do gasto do governo central com o seu funcionalismo no total de
gastos do governo federal, no Brasil, não difere de forma significativa
do padrão internacional. Os dados do Brasil, retirados de publicação do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, revelam que, entre 1995 e
2007, houve expressiva redução do peso dos gastos de pessoal do setor
público federal em relação aos gastos totais do setor público federal,
ficando em 25%, bastante semelhante ao da maioria dos países europeus e
inferior ao percentual dos EUA. A média dos 15 países pioneiros da área
do euro fica, em 2007, em 21,7% e, com a recente inclusão dos demais 12
países, sobe para 22,8%. Nos EUA, dados são bastante estáveis para os
últimos 13 anos, permanecendo na faixa de 28%.
Em suma, o
discurso vazio e sem lastro do Executivo começa a ruir. Sobretudo na
segurança pública, onde estão as piores avaliações do governo federal.
Apesar das dificuldades, a Polícia Federal continua a contar com as
melhores avaliações da população brasileira, mas o governo insiste no
não reconhecimento da instituição.
Autor(es): Marcos Leônico Sousa Ribeiro
Correio Braziliense - 10/08/2012
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