terça-feira, 15 de março de 2011

Injustiça restaurativa

Injustiça restaurativa - I


Enquanto isso, na sala de audiências...
Juiz – Boa tarde, dona Maria, como vai a senhora?
Maria – Olha, não está nada bom, seu juiz. Depois que ele me bateu eu tenho dor de cabeça todo dia e não consigo mais dormir.
Juiz – Vocês ainda estão vivendo juntos?
Maria – Não, abandonei esse malandro. Depois de apanhar tanto, quem é que quer viver com um homem desses...
Juiz – E o senhor, seu João, como vai?
João – Vou bem, seu juiz. Agora tá sobrando mais dinheiro, ela não gasta mais. Estou com outra mulher. Tudo na boa.
Juiz – O senhor está trabalhando?
João – Não, não... ainda não comecei a procurar emprego. Estou no seguro-desemprego. Pra mim tá bom por enquanto.
Juiz – Bem, dona Maria, seu João, o objetivo desta audiência é restaurar a paz entre vocês dois. É tentar ver os motivos do que aconteceu e melhorar a vida de todo mundo. Restaurar ao que estava antes.
Maria – Só se restaurar a minha cabeça no lugar, seu juiz. Ele quase me matou. O senhor viu as fotos?
Juiz – Er... ainda não... Deixa eu ver. Não tem fotos, só o exame de corpo de delito. Foram lesões na região ociptal, parietal e frontal.
Maria – Não, seu juiz. Ele me bateu na cabeça toda, nas costas, nas pernas, na cara, no braço. Com um pedaço de pau. E isso só porque eu pedi para ele trabalhar. Só a cicatriz tem um palmo. E agora eu estou na pior, com os filhos em casa, sem nada, e ele aí, na boa, com seguro-desemprego, só nos bailes.
João – (olhando para uma mensagem no celular).
Juiz – E se ele pedir desculpas, dona Maria, a senhora perdoa?
Maria – Mas daí o que acontece? Ele não vai receber uma punição?
Juiz – Er... veja bem, a justiça restaurativa existe em vários países e tem essa intenção de fazer as pazes entre os envolvidos, devolver a paz.
Maria – Seu juiz, pra mim está devolvida a paz se a Justiça fizer justiça, só isso. Se der uma pena pra esse vagabundo. A minha pena eu já recebi e vou levar pra toda vida, pelo que disse o médico. A dor de cabeça só vai piorar com o tempo.
Juiz – Não seria possível perdoar este homem que a senhora amou durante tantos anos?
Maria – Justamente por isso! Eu amei por seis anos e agora ele me surra feito uma cadela e eu, que dei casa, comida e roupa lavada, tenho que desculpar? Francamente... Qual será a pena para ele nesse caso seu juiz?
Juiz – A pena não ressocializa ninguém, não educa ninguém, dona Maria.
Maria – Olha, eu entendo pouco de lei, mas eu não quero que ele se ressociabilizibe, sei lá como falar isso. Educação eu já tentei de tudo, a mãe dele também, e os professores dele também. E aqui não é escola, é? Aqui é Judiciário. Eu só quero que ele seja punido. Só isso. É pedir muito?
Juiz – Mas a senhora tem que entender que...
Maria – Juiz, coloque a mão aqui na caminha cabeça. Sentiu o caroço? E aqui no braço, está vendo que este está mais curto que o outro? O que eu tinha que entender eu já entendi, doutor. Eu apanhei e o senhor quer que eu desculpe esse vagabundo?
João – Vagabundo não!
Maria – Ah, ele fala!
Juiz – (voltando-se ao digitador) - Diante da impossibilidade de restauração, abra-se vista ao Ministério Público.
Juiz (em pensamento) – Que gente mais inculta, não têm educação suficiente para entender os princípios da justiça restaurativa...
Maria (em pensamento) – Juiz frouxo, pra que pagamos o salário dele se ele não faz o seu dever...
João (em pensamento) – Me dei bem! 

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