STJ- Apenas a polícia pode fazer
escutas telefônicas
Por Raphael Fernandes
Recente decisão prolatada pelo
Superior Tribunal de Justiça nessa primeira quinzena de novembro de 2010 ganhou
espaço na comunidade jurídica brasileira.
Trata-se do julgamento do Habeas
Corpus 131.836, de relatoria do Ministro Jorge Mussi, aonde se discutiu, em
suma, a possibilidade de realização de escuta telefônica — com autorização
judicial — por instituição alheia à polícia judiciária. Tal decisão não pode
ser interpretada como aparentemente vem sendo.
Extrai-se da mesma que os
pacientes alegaram, entre outras questões, que as interceptações teriam sido
realizadas pela Coordenadoria de Inteligência do Sistema Penitenciário da
Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (CISPEN),
órgão que reputa desprovido de atribuição para tal tarefa.
O relator do Habeas Corpus acima
citado se manifestou dizendo que o legislador não teria como antever, diante
das diferentes realidades encontradas nas unidades da federação, quais órgãos
ou unidades administrativas teriam a estrutura necessária, ou mesmo as maiores
e melhores condições para proceder à medida. Ainda, que o artigo 7º da lei
permite à autoridade policial requisitar serviços e técnicos especializados das
concessionárias de telefonia para realizar a interceptação, portanto não
haveria razão para que esse auxílio não pudesse ser prestado por órgãos da
própria administração pública. Por fim enfatizou que houve participação de
delegado de polícia na prática de tais atos.
Mas este entendimento não pode
ser ampliado, de modo a expandir as margens impostas pela lei e banalizar o
procedimento para a realização de escuta telefônica. Assim prega a Constituição
Federal.
O seu artigo 5º, inciso XII, diz
que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal.
A fim de regulamentar essa última
parte do mencionado inciso, o legislador editou a Lei 9.296/96, aonde
disciplinou o procedimento a ser adotado, com as devidas restrições e
garantias. E essa é taxativa quanto aos sujeitos que podem requerê-la, bem como
quanto à condução do procedimento, segue:
Art. 3° A interceptação das
comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a
requerimento:
I - da autoridade policial, na
investigação criminal;
II - do representante do
Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
...Art. 6° Deferido o pedido, a
autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência
ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.
Mais adiante essa mesma lei diz,
em seu artigo 7º, que para os procedimentos de interceptação de que trata esta
Lei, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados
às concessionárias de serviço público. E encerra por aqui.
Primeiramente cabe definir o conceito de autoridade policial. Em que
pese haver inúmeras divergências e interpretações, que não convém aqui esmiuçar
por ser assunto merecedor de estudo direcionado, autoridade policial é única e
exclusivamente o Delegado de Polícia, com as devidas exceções — como o caso
das infrações penais militares.
Mas não é simplesmente porque o
agente público seja um delegado de polícia que o referido pedido de
interceptação deva ser acolhido. Há de haver toda uma estrutura legal que
ampare tal prática, como a prévia instauração de inquérito policial ou
procedimento criminal, distribuição de feitos — se for o caso —, entre outros
fatores. Se isto não for respeitado, daqui a pouco o sistema jurídico,
lastreado em interpretações erradas de decisões e normas, passará a ter
unidades isoladas de investigações sem qualquer controle.
Significa dizer que, entendendo
dessa maneira, basta uma autoridade pública requisitar, dentro do direito
administrativo, um delegado de polícia para junto de si e esse dar início a uma
série de investigações direcionadas. Será o fim da polícia em um todo e
certamente uma retrocessão a práticas da ditadura militar, aonde um pequeno
grupo de agentes devassavam a qualquer dia e hora as dignidades de qualquer
cidadão.
Cabe frisar que não se engloba no
dizer contido no parágrafo anterior a conhecida força-tarefa, geralmente
composta de servidores de diversas instituições — como INSS, Polícias,
Ministério Público, Controladoria-Geral da União, corregedorias, Tribunais de
Conta, Receita Federal, etc.
Uma coisa é uma autoridade
policial requisitar força pública ou particular de trabalho, quando a lei
permite, para trabalhar ao seu lado a fim de solucionar determinada infração
penal. Outra coisa é uma instituição alheia à policial requisitar a autoridade
para dentro de sua estrutura e esta dar início a investigações. Em outras
palavras: não basta existir simbólica e administrativamente a figura de uma
autoridade policial para que interceptações telefônicas sejam validadas. Se
assim for entendido, lícitas devem ser aquelas provas obtidas, por exemplo, com
a participação de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), já que
figurou um ou alguns delegados de polícia no procedimento.
Quando uma autoridade trabalha
solucionando um crime, está ela subordinada também às práticas do direito
administrativo para praticar ou deixar de praticar atos. Não pode ela sair
atropelando normas e seus princípios de modo a obter determinado resultado. É o
famoso e conhecido jargão reiteradamente ventilado na comunidade jurídica: em
direito o fim não justifica o meio. Não se pode, portanto, fazer o servidor
público durante o exercício da sua função aquilo que a lei não permite,
especialmente quando se visa apurar infrações penais que, em tese, resultarão
em condenações.
É de suma importância que o Poder
Judiciário, na figura do Supremo Tribunal Federal, adéqüe e interprete a citada
norma, de modo a pacificar e padronizar a sua aplicação e entendimento e
resguardar a segurança jurídica dos jurisdicionados.
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