terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Segurança Pública - A Polícia na mira


Segurança pública

A polícia na mira

A polícia brasileira está longe da ideal. Mas insistir na teoria de que ela faz parte de uma força de opressão não ajuda a compreender o papel que deve ter em uma sociedade com uma democracia consolidada, como a nossa

Bruno Huberman
Reintegração de posse na região do Pinheirinho, em São José dos Campos
Reintegração de posse na região do Pinheirinho, em São José dos Campos (Roosevelt Cassio/Reuters)
Às 6 horas do dia 22 de janeiro, um domingo, a Polícia Militar de São Paulo, cumprindo determinação judicial, entrou na área conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos, para retirar os 7 000 moradores que ocupavam o local ilegalmente desde 2004. Encontrou pela frente mais do que a resistência dos ocupantes do terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, pertencente à massa falida de uma empresa do investidor Naji Nahas. O maior obstáculo não foi físico. Calcados em ultrapassada ideologia de esquerda, militantes de partidos como PSOL e PSTU insuflaram moradores a resistir. Com o discurso da vitimização na ponta da língua, buscaram o confronto com os policiais.
Enquanto manifestantes incendiavam prédios e oito carros – inclusive dois de órgãos da imprensa –, policiais usavam balas de borracha e bombas de efeito moral para cumprir seu dever e ir adiante. A Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio, chegou a ser fechada. Na internet, postagens em redes sociais falavam em mortes, aumentando a sensação de pânico. Movimentos sociais ligados a grupos sem-teto tacharam a ação policial de “massacre”. Até mesmo integrantes do governo federal opinaram sobre a atuação da PM – embora não se tratasse de área pública. Não houve mortos na operação, que deixou vinte feridos.
De fato, a polícia brasileira está longe da ideal e é repleta de ineficiências que precisam ser sanadas – e os dados colhidos Brasil afora não deixam dúvida quanto a isso. Mas insistir na velha teoria de que ela faz parte de uma força de opressão não ajuda a compreender o papel que a polícia deve ter em uma sociedade com uma democracia consolidada, como a brasileira. Experiências recentes nas grandes cidades mostram que, a despeito de suas muitas imperfeições, as forças policiais são tão falhas ou eficientes quanto a qualidade de seu treinamento, das instituições de corregedoria e da seriedade com que é tratada a figura do policial.
No Brasil, há cerca de 500.000 policiais civis e militares, segundo números da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) – uma média de 380,5 habitantes por policial. A ONU recomenda um policial a cada 250 pessoas, porém especialistas afirmam que a relação per capita não necessariamente é sinônimo de segurança. O efetivo policial de algumas nações economicamente desenvolvidas – e com baixos índices de criminalidade - também ultrapassa a barreira, como Canadá (549,7), Estados Unidos (434,3) e Inglaterra (258,4).
Em relação aos investimentos em segurança pública, o Brasil ainda está aquém de outras potências comerciais. Em 2010, segundo a Senasp, foram gastos 47,5 bilhões de reais no setor. A China reservou 95 bilhões de dólares (cerca de 166,2 bilhões de reais) no treinamento de policiais, desenvolvimento de novas tecnologias e instalação de equipamentos de fiscalização em 2011. O orçamento americano de 2012 para gastos em segurança interna prevê 69,1 bilhões de dólares (cerca de 120 bilhões de reais) e o britânico, 33 bilhões de libras (cerca de 90,7 bilhões de reais).
UPPs - No Rio de Janeiro, episódios de corrupção, abuso e ineficiência renderam à polícia a pior fama do país. E, há quatro anos, a mesma polícia tornou-se referência em algo até pouco tempo inimaginável: a ocupação de favelas controladas pelo tráfico de drogas. O nome técnico da inovação é “policiamento de proximidade”. A política tratou de criar algo com mais apelo de mercado: Unidade de Polícia Pacificadora, ou UPP.
Na prática, o que se fez na cidade cercada de favelas foi levar policiamento a locais a que ele não chegava senão na forma de tiroteios a missões de ‘caça’ ao traficante – com efeitos danosos para os moradores. Uma das bases do programa é a formação de grupos com novos policiais, o que reduz o risco de velhos vícios de corrupção se tornarem o padrão de comportamento.
Como o resto da polícia, a UPP tem defeitos e sofre bombardeio de críticas. Entre elas a mesma cantilena ideológica de que os moradores das favelas “apenas” passaram a ser oprimidos pela polícia, não mais pelos traficantes, como se não fizesse diferença viver em um território controlado por bandidos ou pelo estado. É indiscutível que há sucessos no programa, como atesta a valorização acima da média dos imóveis em áreas antes degradadas. Tão deterioradas que, em alguns casos, há moradores com dificuldade de lidar com a segurança e a legalidade: há reclamações, por exemplo, sobre o combate às ligações clandestinas de energia, água e sinal de TV a cabo.
Estranhar o trabalho policial correto não é exclusividade das classes mais pobres. Outra exceção de trabalho policial visto como eficiente no Rio é a Operação Lei Seca, que, desde seu início, tem forte esquema de controle para evitar problemas com corrupção e ‘carteiradas’ de autoridades. E com frequência elas, as autoridades, registram queixa por abusos dos policiais que cumprem seu papel na blitz. No último episódio, na semana passada, uma delegada de Polícia Civil que dirigia sem habilitação acusou um policial militar de truculência.
Roosevelt Cassio/Reuters
Policiais da tropa de choque disparam contra moradores que impediam a reintegração de posse, em Pinheirinho - 22/01/2012
Policiais da tropa de choque em ação na desocupação do Pinheirinho 
Polícia ideal - Autoridades e especialistas em segurança pública são unânimes em dizer que a polícia ideal é aquela que consegue manter a ordem e garantir o cumprimento das leis ao mesmo tempo em que respeita os direitos humanos e consegue ser próxima do cidadão. Para tanto, precisa ser bem treinada, receber remuneração adequada e contar com uma corregedoria forte. Levantamentos recentes sobre o setor mostram que a realidade passa longe disso. Pesquisa do Fórum Econômico Mundial sobre a solidez de diversas instituições, divulgada em 2011, revela que a polícia brasileira ocupa a 66ª posição entre 142 países – a posição é pior que a de Vietnã e Ruanda, por exemplo.
Os índices de criminalidade estão caindo nos últimos anos no Brasil, especialmente em metrópoles como São Paulo. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), em 2011, por exemplo, o estado de São Paulo fechou o ano pela primeira vez abaixo da taxa de 10 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Mesmo assim, a percepção da sociedade brasileira em relação aos responsáveis pelo combate à violência ainda é ruim. Segundo levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2010, a polícia brasileira foi considerada lenta, ineficiente, incompetente, desrespeitosa e preconceituosa pela maioria dos entrevistados.
“A Polícia Militar tem uma imagem herdada da ditadura, quando era uma caixa- preta e impunha medo ao cidadão”, afirma o sociólogo Claudio Beato, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “De certa forma, a polícia continua como uma incógnita para a população até hoje. A nossa policia se distanciou muito do cidadão.”
Esse estigma se reflete no nível de confiança da população. Um levantamento encomendado pela Rede Nossa São Paulo ao instituto Ibope mostra que 55% dos paulistanos não confiam na PM, índice que oscilou pouco nos últimos anos. Na pesquisa do Ipea, a rejeição da PM em todo o país é a maior entre as corporações policiais: 27,7%, enquanto a Civil tem 25,9% e a Federal 17,5%.
Comandante-geral da PM paulista , o coronel Álvaro Camilo reconhece a fama da corporação, mas se defende. “O cidadão espera que o policial seja uma espécie de homem perfeito”, afirma. “Nós tentamos mostrar que ele é um homem comum que está suscetível a erros. Se tiver ocorrido algum excesso, vamos investigar e punir os infratores.” A PM de São Paulo é a maior do país, com um efetivo de 85 000 homens
Unificação – Especialistas ouvidos pelo site de VEJA apontam duas alterações necessárias para aproximar a polícia do seu ideal. Uma das discussões que reaparece de tempos em tempos é a unificação das forças policiais estaduais, algo complexo e ainda distante da realidade, por mesclar a realidade dos quartéis da Polícia Militar com as regras da Polícia Civil. Para os defensores da fusão, há benefícios financeiros, burocráticos e operacionais na fusão das instituições. E, em tese, a unificação poderia acabar com disputas de poder, como se viu no Rio de Janeiro no fim do ano passado. Outra corrente defende, em vez da fusão, a maior integração entre as corporações.
A Constituição de 1988 designou a Polícia Militar para as atividades de patrulhamento e a Polícia Civil para a investigação. Para alterar as atribuições, o instrumento necessário é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). O sociólogo Claudio Beato classifica a divisão de “terrível” e critica a indefinição do papel de cada corporação. “O fracionamento da atividade policial cria áreas de conflito, pois uma passa a patrulhar e outra a investigar. É preciso mudar a Constituição e fazer a junção entre as polícias”, afirma.
O jurista e cientista político Jorge da Silva, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), apresenta algumas alternativas. Uma delas é o modelo europeu, onde, por exemplo, a Gendarmerie francesa e os Carabinieri italianos executam, além das atividades ligadas à defesa interna, as funções de polícia nas cidades interioranas. As regiões metropolitanas contam com um corpo policial específico. “Só um país rico como o Brasil pode se dar ao luxo de ter duas polícias que têm conflitos interesses. Isso é uma dicotomia única no mundo. Embora a unificação completa apresente desvantagens, ela oferece mais vantagens, como a eliminação dos conflitos institucionais”, afirma Silva.
Ex-ministro da Justiça, o senador Aloysio Nunes (PSDB) é contra a unificação. “Quando eu era ministro, houve uma tentativa de unificar as polícias, porém a ideia é inviável. É preciso fazer uma integração operacional, de informação e de formação entre os dois ramos”, afirma. “O processo de unificação seria muito doloroso e beneficiaria apenas o crime”, adverte, baseando-se nas conhecidas investidas do banditismo nos momentos em que há fragilidade entre as organizações que combatem o crime.
O coronel Camilo tem a mesma visão: “Não é o maior ou o menor número de corporações que vai resolver o problema, mas o emprego de cada uma delas”, defende.
Política de segurança – Construir uma polícia ideal é uma tarefa trabalhosa e, segundo especialistas, envolve melhorias em vários setores: no treinamento dos oficiais, na credibilidade e na gestão das corporações, na prevenção e no planejamento do trabalho policial, no mapeamento das zonas de perigo, na prisão de mais bandidos e na integração do sistema de justiça criminal para que o criminoso seja mantido encarcerado.
De fato, o trabalho integrado e os resultados que a sociedade espera depende mais de políticas de segurança que da quantidade de instituições. A situação atual das polícias brasileiras mostra que um horizonte de unificação está a anos-luz de distância. As ações mais efetivas percebidas como “trabalho da polícia” têm, antes das prisões e da exibição do distintivo, empenho de integrantes do Ministério Público e da Justiça e investimento em estruturas de inteligência e produção e análise de estatísticas de criminalidade – algo que a maioria dos governos estaduais não leva a sério, como mostra o último Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O outro desafio das polícias e dos policiais é fazer com que a sociedade os perceba mais como servidores públicos do que como guerreiros, ou agentes associados a truculência e risco para o cidadão. “É importante entender que o trabalho de um, o policial, é complementado pela colaboração do outro, o morador”, afirma a antropóloga e professora da UERJ Alba Zaluar.
“De um sistema centralizado e militar, focalizado no incidente após ele ter acontecido e na contenção do criminoso, precisamos passar a outro descentralizado, localizado e focalizado no cidadão, dedicado a resolver problemas comuns dos moradores locais e a prevenir o crime ali”, diz Alba Zaluar. Especialistas afirmam que esse processo precisa começar na formação do policial e ser acompanhado por uma reciclagem completa do efetivo atual.
Conheça algumas visões a respeito da polícia:
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Aloysio Nunes, senador (PSDB) e ex-ministro da Justiça

O que as pessoas esperam da polícia é que ela aja como um braço da Justiça para punir aqueles que cometem delitos e na manutenção da ordem. A polícia precisa ser bem preparada, remunerada, dotada de investimentos de ponta, investigar e tratar o cidadão com cortesia.
Quando fui ministro da Justiça, na gestão FHC, houve a tentativa de unificar as polícias. No entanto, é impossível criar uma única corporação. O que se precisa é integrar as duas polícias. Essa integração deve ser operacional, de informações e de formação dos dois ramos. O processo de unificação seria muito doloroso e beneficiaria apenas o crime. Pela minha experiência de político, o povo quer a polícia na rua, segurança, patrulhamento e presença. 

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