Ainda
mantenho a minha posição de que um dos maiores fatores a propiciar a
impunidade, no âmbito da tal ‘Justiça’, são interpretações...
Com a devida
vênia ao magistrado que exarou a sentença absolutória nos autos
0002308-60.2010.8.12.0030, da Comarca de Bataguassu-MS (pode consultar pelo
site do TJMS), eis que não aceito (na minha constitucional liberdade de
pensamento de não aceitar!) interpretações que acredito não se ajustarem à
busca efetiva da aplicação da lei e combate a criminalidade, com sopesamento
desnivelado de garantias fundamentais de modo a não aceitar, inclusive, a
validade de depoimento judicial de policiais, confissão extrajudicial da ré e
provas circunstanciais.
Não obstante
a confissão inicial de uma traficante e o depoimento judicial de dois
policiais, apontando a traficância e a remuneração que ela iria receber para a
entrega da droga (entenda-se: disseminação dessa porcaria para crianças,
jovens, adultos, criminosos, etc!), as circunstâncias claras a evidenciar o
transporte, etc, o magistrado, nas idas e vindas da escrita jurídica, com
citações e dúvidas-dúvidas-dúvidas que lhe vieram à mente, em suas
interpretações, simplesmente optou pela absolvição.
Poderia
algum incauto achar o texto em tela tendencioso, por ser lavrado por um promotor
de justiça que, como retratou o grande Ariano Suassuna em seu espetacular ‘O Auto da Compadecida’, próximo
estaria da figura do capeta pela forma incisiva com que faz acusações...
Aos que já
conhecem o autor do blog, sabem que, longe de figurar como a personagem de
Suassuna, eis simplesmente a indignação de um fiscal da lei.
Umas das
máximas estampadas pelo grande E. Mira y Lopes, em seu Manual de Psicologia
Jurídica (o meu é a 2ª edição, Campinas/SP, 2007, tradução de Ricardo Rodrigues
Gama), é a de que boa parte das conclusões são resultados não apenas das
individualizações das percepções; mas, também, da carga de valor atribuída a
cada percepção, no sentido de que é comum se interpretar algo no sentido que
você almeja que seja.
Em outras palavras, se você acredita em
determinado valor, sentimento, etc, você terá dificuldades para não interpretar
um fato que seja lhe trazido em outro sentido que não o que você quer
acreditar.
Após traçar
tais pensamentos, volto ao caso em si.
O magistrado
diz:
“A denunciada S. declarou que desconhecia
que transportava substância entorpecente, estava desempregada, assim foi
contratada para conduzir um carro de Campo Grande a Valparaíso e que na viagem,
ao parar em determinado local, observou a bagagem, foi quando desconfiou que
poderia ser droga.”
E continua o
juiz:
“Os policiais militares O.B. e F.A.F., ao
serem ouvidos pela autoridade policial, informaram que ao chegar no local dos
fatos e indagar acerca da propriedade do veículo, o qual estava estacionado à margem
da rodovia, S. apresentou-se como condutora do veículo e informou que R. era
apenas uma caronista e que, ao pedirem para S. abrir o porta malas do veículo,
esta, antes mesmo de abri-lo, confessou que estava transportando drogas e que o
destino da viagem era Valparaíso/SP. Segundo os policiais militares, S.
informou que receberia R$ 5.000,00 (cinco mil reais).” (grifamos)
Mas, na
interpretação judicial, expôs o magistrado:
“Observa-se dos autos que a denunciada
estava desempregada (fls. 13), no seu interrogatório judicial ela descreveu a
sua dificuldade de conseguir emprego, discorrendo que conheceu uma pessoa que
lhe fez uma proposta para buscar um carro em Campo Grande para o quê receberia
a quantia de R$ 700, 00 a R$ 1.000,00 (fls. 192); em Campo Grande no momento da
entrega do carro para S. lhe foi dito que era para deixar o carro em Valparaíso
e que receberia de 04 a 05 mil reais.”
No mundo
verossímil do juízo, qualquer cidadão está apto a conhecer pessoas que nunca
viu na vida e, mesmo sem saber sequer o nome, a aceitar buscar um carro e
entregar em outro Estado da federação...
Ademais, na
mesma linha de aceitação da ‘versão mudada da ré’, para que você, cara leitora,
irá continuar a prestar concurso ou arrumar emprego, se um transporte de
veículo para pessoas desconhecidas rende cerca de R$ 4.000,00 a R$ 5.000,00
(!!!), conforme a própria ré disse ao atencioso magistrado??
Eis outro
trecho da sentença:
“No decorrer da viagem ao descer do carro
numa parada, foi olhar o que poderia ser, quando percebendo que poderia ser
droga ficou nervosa e começou chorar, voltou para o carro e tentou evitar falar
para a passageira, mas não se contendo declarou que acreditava que era droga
que estava dentro do carro.”
Hum....
chorou e evitou falar... não se contendo...hum...
E para
eximir a responsabilização da co-ré, que estava junto na empreitada criminosa,
lança o magistrado:
“O comportamento da passageira também é
compreensível, principalmente para quem já cumpriu pena por tráfico de drogas,
pois disse à motorista para parar o carro imediatamente, pois ela desceria, e
que se a motorista tivesse amor próprio e pelos filhos, tinha de parar e
abandonar aquele carro”.
Ah, sim...
realmente alguém já condenado por tráfico fica ressocializado e nunca mais irá
se voltar ao antigo ramo..ops..erro e sempre irá pensar na família, etc.. Tá,
tá...
E continua
em suas...interpretações:
“Certo é que há indícios de que S. teria
este conhecimento, como bem asseverou a ilustre representante do Ministério
Público, porém, também PODERIA ser verdade a versão apresentada pela acusada de
que não sabia o que estava guardado ali no porta-malas”. (grifamos)
Ah, claro...
mas e o fato de, assim como uma ré, também os policiais terem dito que houve
confissão por ocasião do flagrante?
Bom, caros
leitores, eis o que destacou o magistrado:
“Apesar dos policiais mencionarem que S.
foi logo confessando que ali nocarro havia droga e que para transportar
receberia cinco mil reais, em juízo S. afirmou que estava muito nervosa e que
não conseguiu explicar tudo como aconteceu. Nervosismo que também se percebeu
no seu interrogatório judicial, mas, talvez, em menor intensidade que aquele do
momento da aproximação dos policiais.
E continua:
“A versão da denunciada S. é compatível com
as provas produzidas nos autos; o fato de os policiais terem dito que a ré
informou que havia droga no interior do veiculo e que iriam lhe pagar cinco mil
reais para dirigir aquele automóvel, não colide com sua versão, que foi
apresentada e explicada cuidadosamente na fase judicial; ademais, na ocasião da
abordagem policial e da oitiva na Delegacia de Polícia, a réu não teve
condições pelo nervosismo, ou não lhe deram oportunidade de dar melhores
explicações.
A postura da ré em adiantar-se em falar que
havia droga dentro do carro denota a IMPERTINÊNCIA COM O PERFIL CRIMINOSO,
pois, não raro, os traficantes ou aqueles que conscientemente fazem o
transporte de substância entorpecente procuram adotar todas as estratagemas
possíveis para esconder a sua responsabilidade criminal, fogem do carro,
embream-se no matagal, mentem sobre o origem e o destino da viagem, procuram
esconder a bagagem, trocam seus bilhetes de passagem de ônibus, ou, em último
caso, se declaram usuários de drogas.” (grifamos)
E fecha com
essa, que termina com um nítido “talvez”:
“Outrossim, o veículo foi encontrado à
beira da estrada nas proximidades de um campamento de sem-terras, um local
incomum, onde ninguém faz paradas para reabastecer o veículo, fazer lanches ou
usar o toalhete; circunstância que ressalta a intenção de abandonar o automóvel
no local face da descoberta do entorpecente.
Por outro lado, ainda permaneceram perto
veículo por algum tempo, possibilitando a aproximação dos policiais, porque não
conheciam o local onde havia parado, não
sabiam o rumo a tomar e TALVEZ estivessem
esperando um carona ou um ônibus de transporte público.” (grifamos)
E, desse modo, mesmos com depoimentos
judiciais dos policiais que relataram o flagrante e confissão de uma das rés,
aliados às circunstâncias do transporte para outro Estado, de um veículo de um
suposto desconhecido, pela quantia de R$ 5.000,00, somado a típica entrega do
veículo em local ermo e sob espreita (até a retirada do ‘produto’), o
magistrado concluiu pela absolvição das rés... as quais transportavam cerca de
quatrocentos quilos de maconha!
Pois é, meu
caros...
Lembrei-me
agora do trecho sobre o ‘salto indutivo’, da clássica obra “Como vencer um
debate sem precisar ter Razão”, de Arthur Schopenhauer (o meu é da TopBooks,
tradução de Daniela Caldasw e Olavo de Carvalho):
“(...)se
fazemos alguma indução e o adversário admite os casos particulares em que esta
se baseia, não devemos perguntar-lhe se admite também a verdade geral que
deriva desses casos, mas devemos introduzi-la desde logo como se estivesse
estabelecida e aceita, pois às vezes ele poderá crer que a admitiu(...)”
As
particularidades do magistrado estão expostas em sua própria decisão...
Eu faço as
minhas...
...quais as
suas?
considerandobem
Nenhum comentário:
Postar um comentário